O cardeal Arns, o
preferido dos comunistas, defendeu Leonardo Boff, teve a gratidão manifesta de
João Pedro Stédile, e nutria admiração por Fidel Castro, para quem escreveu o
seguinte absurdo: "Querido Fidel (...) A fé cristã descobre nas conquistas
da Revolução os sinais do Reino de Deus."
Por Hermes Rodrigues Nery
Em agosto de 1978, aluno do Pe. Rosalvino, no Instituto Dom Bosco, em São Paulo, percebi a grande torcida que houve por dom Paulo Evaristo Arns para papa. Queriam um papa brasileiro, o papa das periferias, como já diziam. Pe. Rosalvino levava as crianças para passeios na periferia de São Paulo, também em Jandira, pegando trem na Estação da Luz. "Era a hora de dom Paulo papa", diziam. "Pensávamos que ele (Paulo Evaristo Arns) seria (deveria ser) o papa da realização do Concílio, a partir da Igreja da Grande Promessa que era, então, o Brasil (a mais rica e criadora de todas as Igrejas do momento). Foi uma grande oportunidade, era um momento de evangelho.", afirmou anos depois, o teólogo espanhol Xabier Pikaza.
A Igreja da América Latina estava pronta, as comunidades eclesiais de base estimuladas por dom Paulo, vivendo o carisma franciscano, como o "amigo do povo", pois assim ele queria ser chamado por todos, com seu sorriso largo (inspirado no amigo dom Hélder Câmara), dentre tantos que lutavam por uma Igreja "dos pobres e para os pobres". Estávamos no pátio do Instituto Dom Bosco, no Bom Retiro, quando os sinos tocaram e fomos rezar na igreja Nossa Senhora Auxiliadora. Havia sido eleito o italiano Albino Luciani, que adotou o nome composto de João Paulo I. Percebíamos as movimentações de lideranças, indo e vindo, nas dependências dos salesianos, muitas delas dizendo que era a hora de dom Paulo. Apenas 33 dias depois, fomos todos surpreendidos pelos sinos da Igreja, anunciando a precoce morte de Albino Luciani, e novamente se voltaram para o novo conclave, e o que se ouvia pelos corredores "agora, sim, seria eleito o primeiro papa da América Latina", e dom Arns seria o primeiro papa brasileiro. Não queriam mais italianos. E então, parte do desejo deles havia sido atendido, e os cardeais elegeram, em 16 de outubro de 1978, o polonês Karol Wojtila, com o nome de João Paulo II.
Xavier Pikaza lamentou-se profundamente: "Foram 35 anos de interregno, de freio e medo. Ainda posso sentir isso na minha pele revivendo a primeira impressão que tive, quando me disseram (em 1978), retornando para casa, da janela: 'Não foi o Arns, mas Wojtyla'. Foi o que muitos me disseram agora no Brasil." E mais: "Paulo Evaristo Arns foi marginalizado, sua linha de base eclesial foi rechaçada e seu trabalho episcopal em São Paulo foi corroído (especialmente em 1980, com a divisão da sua diocese e a nomeação de bispos de outra linha). Certamente, Paulo E. Arns seguiu exemplarmente ativo até sua renúncia (1996), mas já não representava a linha oficial da Igreja, que foi se escorando em outra direção."
Na análise de Pikaza, o interregno de 35 anos dos reinados de São João Paulo II e Bento XVI foi longo demais, por isso agora, todos eles, tem pressa, muita pressa para que Bergoglio execute o programa sonhado por dom Paulo Arns, mas reconhece que as condições não são as mesmas que em 1978:
"Talvez em 1978 ainda não se podia fazer em todas as partes aquilo que Paulo E. Arns queria, pois muitas Igrejas não haviam aceitado o espírito e a caminhada do Vaticano II (1962-1965), apesar de que uma parte considerável da Igreja da América Latina, a partir de Medellín (1968) e de Paulo VI (Evangelii Nuntiandi, 1975), havia assumido um caminho de libertação e de transformação eclesial que parecia impossível de ser detido, como sabia na Espanha o cardeal Tarancón. Muitos cristãos queriam então que a Igreja promovesse verdadeiramente o surgimento de espaços de libertação humana (inclusive econômica e social) para que os pobres e oprimidos do continente pudessem viver e se desenvolver; muitos queriam uma Igreja libertada, em sintonia radical com o evangelho. Mas o conjunto da Igreja oficial sentiu medo.
- Esse medo expressou-se nos 35 longos e duros anos de João Paulo II e Bento XVI (1978-2013). Certamente, esses anos tiveram muitas coisas boas, mas, com efeito, em chave eclesial, o balanço foi negativo. Estamos pior que em 1978, com mais feridas e receios, com mais medos e descréditos; os mais idosos perdemos parte da nossa esperança e os jovens se sentem manipulados (muitos preferem ser manipulados!). Em 1978, era, talvez, muito cedo para a grande travessia. Agora (2013), com o papa Bergoglio pode ser muito tarde, a não ser que o Espírito sopre forte, pois temos pressa".
O próprio dom Paulo também reconheceu o exagero das homilias politizadas dos teólogos da libertação como um dos fatores para o esvaziamento das igrejas. Mas foi incansável em ajudar os movimentos populares a se organizarem, fato esse confirmado pelas expressões de gratidão manifestadas por João Pedro Stédile:
"A maioria dos movimentos do campo que hoje existem - MST, MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário] -, nascemos orientados por vossa sabedoria, que pregava: Deus só ajuda quem se organiza. Então fomos nos organizar. Queremos agradecer de coração por tudo, sobretudo porque o senhor ajudou a acabar com a ditadura militar no Brasil".
O fato é que era altamente estratégica para os movimentos de esquerda, a tática gramsciana de ocupação, por dentro da instituição, até chegar os mais elevados postos de decisão, a Arquidiocese de São Paulo. E só com a chegada de dom Paulo Evaristo àquela importante Arquidiocese (e depois nomeado cardeal) é que as portas foram abertas para a teologia da libertação se disseminar por toda parte, nas paróquias, nos seminários, e tudo mais. Muito se lamentou dele não ter sido papa em 1978, porque, a partir de então o Vaticano se empenharia em colocar freio ao projeto de poder dos padres e bispos de esquerda.
E então o próprio dom Paulo Evaristo Arns fez questão de acompanhar Leonardo Boff a Roma, para defende-lo, da punição recebida pelo então cardeal Joseph Ratzinger. Não apenas ficaram insatisfeitos, mas tudo fariam para viabilizar o plano de um papa latino-americano, alinhado com os ideais deles, da Igreja "dos pobres para os pobres". O franciscano Arns foi inteiramente solidário com o franciscano Boff, e só teriam segurança garantindo que outro franciscano sucedesse Arns no comando da Arquidiocese de São Paulo e, depois, assumisse postos na própria Cúria Romana. E então o franciscano dom Cláudio Hummes (que fez Lula emergir como líder sindical no ABC) foi nomeado sucessor de dom Paulo Arns na Arquidiocese de São Paulo, e depois seguiu para Roma, tornando-se prefeito da Congregação para o Clero, até aparecer, em 2013, na loggia da Basílica de São Pedro, ao lado de Jorge Mário Bergoglio, que aceitou o conselho de dom Cláudio Hummes para assumir o programa da Igreja sonhada por dom Paulo Evaristo Arns, com o nome de Francisco.
No primeiro encontro que tive com dom Paulo Evaristo Arns, em 1993, em sua residência episcopal, para uma longa entrevista (publicada no meu livro "Encontros & Idéias" - que reúne as entrevistas feitas para o 'Jornal da Tarde', no período de 1988 a 2002), dom Paulo contou-me do período em que viveu na França (de 1947 a 1952), preparando a sua tese sobre São Jerônimo, disse que teve a oportunidade de conhecer grandes intelectuais franceses (Claudel, Mauriac, Albert Camus e o próprio Jean Paul Sartre, a quem ele assistiu suas conferências. Não só a Sorbonne o encantou, como mais tarde o ecumenismo, dizendo-me, que teve "a oportunidade de participar duas vezes na reunião das grandes religiões, num esforço de encontrar um novo caminho." E disse: "As nações agora estão unindo suas culturas e encontrando outras expressões para criar um tempo novo". E mais: "Lembro-me que um dos temas dessas reuniões era a paz. Lá estavam cristãos, budistas, muçulmanos e judeus. Estavam representantes de todas as grandes religiões do mundo, cada qual podia se exprimir livremente, fazer orações em comum, em grupos. Debatíamos todos os grandes problemas da Terra. (...) No caso de uma das reuniões o tema foi a paz, depois o pensamento foi em torno da fome no mundo. É assim que eu penso que as coisas funcionarão: em torno de ideias. Só um grande pensamento poderá unir a humanidade e conduzi-la ao bem comum que todos desejamos".
Dom Paulo nutria admiração por Fidel Castro, a quem chegou a escrever uma carta publicada no jornal 'Granma': "Querido Fidel (...) A fé cristã descobre nas conquistas da Revolução os sinais do Reino de Deus (...) Tenho-o presente diariamente em minhas orações, e peço ao Pai que lhe conceda sempre a graça de conduzir o destino de sua pátria. (...) Fraternalmente, Paulo Evaristo, cardeal Arns".
Havia entre ambos muitas afinidades, também biográficas. Fidel Castro contou a frei Betto (descrito em seu livro "Fidel e a Revolução", Ed. Círculo do Livro, 1986, p. 132): "Através das reuniões com os futuros combatentes, com quem eu partilhava ideias e instruções, fomos criando uma organização, disciplinada e decidida, com gente jovem e saudável e com ideias patrísticas e progressistas. Organizávamo-nos para lutar contra a ditadura". Derrubado Fulgêncio Batista, o que se viu foi a instalação de outra ditadura, que até hoje penaliza o povo cubano.
Mas as palavras de Fidel Castro poderiam ser ditas também por dom Paulo, preservando o mesmo espírito de preparar e organizar os movimentos populares. Contou-me também, nas entrevistas que tivemos, que participou em Paris (no tempo em que frequentou também a Sorbonne), de "Semana de Intelectuais Católicos", nem tanto para debater e refletir sobre o catolicismo, mas para buscar um pensamento capaz de unir a todos, um novo caminho. Seria esse "novo caminho" anunciado por Bergoglio, ao curvar-se ao povo, em sua primeira aparição como papa?
Assim como Fidel Castro, Dom Paulo Evaristo Arns teve também uma vida longeva. Poucos dias após a morte de Fidel Castro, os movimentos populares de esquerda perdem dom Paulo, que fez questão de colocar o boné do MST nas comemorações de seus 95 anos, no Teatro da PUC-SP, tendo sido saudado por João Pedro Stédile.
No encontro de 1993, dom Paulo fez um bilhete me apresentando a dom Geraldo Majella Agnelo, que, na época trabalhava como secretário-geral da Congregação do Culto Divino e dos Sacramentos. Assim que cheguei a Roma pude constatar que o preferido dos progressistas, que queriam papa, em 1978, ainda exercia influência, fazendo aqui e ali indicações, contatos etc. E somente hoje pude compreender as palavras de Xavier Pikaza:
"Em 1978, era, talvez, muito cedo para a grande travessia. Agora (2013), com o papa Bergoglio pode ser muito tarde, a não ser que o Espírito sopre forte, pois temos pressa".
A História mostrará, a longo prazo, qual o legado que deixará efetivamente a sua marca. O momento requer de nós a oração. O Espírito Santo faz os ajustes necessários. "Pelos frutos, conhecereis a árvore!"
Hermes Rodrigues Nery é coordenador do Movimento Legislação e Vida.
Email: hrneryprovida@uol.com.br
Fonte: "Mídia Sem Máscara"
Em agosto de 1978, aluno do Pe. Rosalvino, no Instituto Dom Bosco, em São Paulo, percebi a grande torcida que houve por dom Paulo Evaristo Arns para papa. Queriam um papa brasileiro, o papa das periferias, como já diziam. Pe. Rosalvino levava as crianças para passeios na periferia de São Paulo, também em Jandira, pegando trem na Estação da Luz. "Era a hora de dom Paulo papa", diziam. "Pensávamos que ele (Paulo Evaristo Arns) seria (deveria ser) o papa da realização do Concílio, a partir da Igreja da Grande Promessa que era, então, o Brasil (a mais rica e criadora de todas as Igrejas do momento). Foi uma grande oportunidade, era um momento de evangelho.", afirmou anos depois, o teólogo espanhol Xabier Pikaza.
A Igreja da América Latina estava pronta, as comunidades eclesiais de base estimuladas por dom Paulo, vivendo o carisma franciscano, como o "amigo do povo", pois assim ele queria ser chamado por todos, com seu sorriso largo (inspirado no amigo dom Hélder Câmara), dentre tantos que lutavam por uma Igreja "dos pobres e para os pobres". Estávamos no pátio do Instituto Dom Bosco, no Bom Retiro, quando os sinos tocaram e fomos rezar na igreja Nossa Senhora Auxiliadora. Havia sido eleito o italiano Albino Luciani, que adotou o nome composto de João Paulo I. Percebíamos as movimentações de lideranças, indo e vindo, nas dependências dos salesianos, muitas delas dizendo que era a hora de dom Paulo. Apenas 33 dias depois, fomos todos surpreendidos pelos sinos da Igreja, anunciando a precoce morte de Albino Luciani, e novamente se voltaram para o novo conclave, e o que se ouvia pelos corredores "agora, sim, seria eleito o primeiro papa da América Latina", e dom Arns seria o primeiro papa brasileiro. Não queriam mais italianos. E então, parte do desejo deles havia sido atendido, e os cardeais elegeram, em 16 de outubro de 1978, o polonês Karol Wojtila, com o nome de João Paulo II.
Xavier Pikaza lamentou-se profundamente: "Foram 35 anos de interregno, de freio e medo. Ainda posso sentir isso na minha pele revivendo a primeira impressão que tive, quando me disseram (em 1978), retornando para casa, da janela: 'Não foi o Arns, mas Wojtyla'. Foi o que muitos me disseram agora no Brasil." E mais: "Paulo Evaristo Arns foi marginalizado, sua linha de base eclesial foi rechaçada e seu trabalho episcopal em São Paulo foi corroído (especialmente em 1980, com a divisão da sua diocese e a nomeação de bispos de outra linha). Certamente, Paulo E. Arns seguiu exemplarmente ativo até sua renúncia (1996), mas já não representava a linha oficial da Igreja, que foi se escorando em outra direção."
Na análise de Pikaza, o interregno de 35 anos dos reinados de São João Paulo II e Bento XVI foi longo demais, por isso agora, todos eles, tem pressa, muita pressa para que Bergoglio execute o programa sonhado por dom Paulo Arns, mas reconhece que as condições não são as mesmas que em 1978:
"Talvez em 1978 ainda não se podia fazer em todas as partes aquilo que Paulo E. Arns queria, pois muitas Igrejas não haviam aceitado o espírito e a caminhada do Vaticano II (1962-1965), apesar de que uma parte considerável da Igreja da América Latina, a partir de Medellín (1968) e de Paulo VI (Evangelii Nuntiandi, 1975), havia assumido um caminho de libertação e de transformação eclesial que parecia impossível de ser detido, como sabia na Espanha o cardeal Tarancón. Muitos cristãos queriam então que a Igreja promovesse verdadeiramente o surgimento de espaços de libertação humana (inclusive econômica e social) para que os pobres e oprimidos do continente pudessem viver e se desenvolver; muitos queriam uma Igreja libertada, em sintonia radical com o evangelho. Mas o conjunto da Igreja oficial sentiu medo.
- Esse medo expressou-se nos 35 longos e duros anos de João Paulo II e Bento XVI (1978-2013). Certamente, esses anos tiveram muitas coisas boas, mas, com efeito, em chave eclesial, o balanço foi negativo. Estamos pior que em 1978, com mais feridas e receios, com mais medos e descréditos; os mais idosos perdemos parte da nossa esperança e os jovens se sentem manipulados (muitos preferem ser manipulados!). Em 1978, era, talvez, muito cedo para a grande travessia. Agora (2013), com o papa Bergoglio pode ser muito tarde, a não ser que o Espírito sopre forte, pois temos pressa".
O próprio dom Paulo também reconheceu o exagero das homilias politizadas dos teólogos da libertação como um dos fatores para o esvaziamento das igrejas. Mas foi incansável em ajudar os movimentos populares a se organizarem, fato esse confirmado pelas expressões de gratidão manifestadas por João Pedro Stédile:
"A maioria dos movimentos do campo que hoje existem - MST, MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário] -, nascemos orientados por vossa sabedoria, que pregava: Deus só ajuda quem se organiza. Então fomos nos organizar. Queremos agradecer de coração por tudo, sobretudo porque o senhor ajudou a acabar com a ditadura militar no Brasil".
O fato é que era altamente estratégica para os movimentos de esquerda, a tática gramsciana de ocupação, por dentro da instituição, até chegar os mais elevados postos de decisão, a Arquidiocese de São Paulo. E só com a chegada de dom Paulo Evaristo àquela importante Arquidiocese (e depois nomeado cardeal) é que as portas foram abertas para a teologia da libertação se disseminar por toda parte, nas paróquias, nos seminários, e tudo mais. Muito se lamentou dele não ter sido papa em 1978, porque, a partir de então o Vaticano se empenharia em colocar freio ao projeto de poder dos padres e bispos de esquerda.
E então o próprio dom Paulo Evaristo Arns fez questão de acompanhar Leonardo Boff a Roma, para defende-lo, da punição recebida pelo então cardeal Joseph Ratzinger. Não apenas ficaram insatisfeitos, mas tudo fariam para viabilizar o plano de um papa latino-americano, alinhado com os ideais deles, da Igreja "dos pobres para os pobres". O franciscano Arns foi inteiramente solidário com o franciscano Boff, e só teriam segurança garantindo que outro franciscano sucedesse Arns no comando da Arquidiocese de São Paulo e, depois, assumisse postos na própria Cúria Romana. E então o franciscano dom Cláudio Hummes (que fez Lula emergir como líder sindical no ABC) foi nomeado sucessor de dom Paulo Arns na Arquidiocese de São Paulo, e depois seguiu para Roma, tornando-se prefeito da Congregação para o Clero, até aparecer, em 2013, na loggia da Basílica de São Pedro, ao lado de Jorge Mário Bergoglio, que aceitou o conselho de dom Cláudio Hummes para assumir o programa da Igreja sonhada por dom Paulo Evaristo Arns, com o nome de Francisco.
No primeiro encontro que tive com dom Paulo Evaristo Arns, em 1993, em sua residência episcopal, para uma longa entrevista (publicada no meu livro "Encontros & Idéias" - que reúne as entrevistas feitas para o 'Jornal da Tarde', no período de 1988 a 2002), dom Paulo contou-me do período em que viveu na França (de 1947 a 1952), preparando a sua tese sobre São Jerônimo, disse que teve a oportunidade de conhecer grandes intelectuais franceses (Claudel, Mauriac, Albert Camus e o próprio Jean Paul Sartre, a quem ele assistiu suas conferências. Não só a Sorbonne o encantou, como mais tarde o ecumenismo, dizendo-me, que teve "a oportunidade de participar duas vezes na reunião das grandes religiões, num esforço de encontrar um novo caminho." E disse: "As nações agora estão unindo suas culturas e encontrando outras expressões para criar um tempo novo". E mais: "Lembro-me que um dos temas dessas reuniões era a paz. Lá estavam cristãos, budistas, muçulmanos e judeus. Estavam representantes de todas as grandes religiões do mundo, cada qual podia se exprimir livremente, fazer orações em comum, em grupos. Debatíamos todos os grandes problemas da Terra. (...) No caso de uma das reuniões o tema foi a paz, depois o pensamento foi em torno da fome no mundo. É assim que eu penso que as coisas funcionarão: em torno de ideias. Só um grande pensamento poderá unir a humanidade e conduzi-la ao bem comum que todos desejamos".
Dom Paulo nutria admiração por Fidel Castro, a quem chegou a escrever uma carta publicada no jornal 'Granma': "Querido Fidel (...) A fé cristã descobre nas conquistas da Revolução os sinais do Reino de Deus (...) Tenho-o presente diariamente em minhas orações, e peço ao Pai que lhe conceda sempre a graça de conduzir o destino de sua pátria. (...) Fraternalmente, Paulo Evaristo, cardeal Arns".
Havia entre ambos muitas afinidades, também biográficas. Fidel Castro contou a frei Betto (descrito em seu livro "Fidel e a Revolução", Ed. Círculo do Livro, 1986, p. 132): "Através das reuniões com os futuros combatentes, com quem eu partilhava ideias e instruções, fomos criando uma organização, disciplinada e decidida, com gente jovem e saudável e com ideias patrísticas e progressistas. Organizávamo-nos para lutar contra a ditadura". Derrubado Fulgêncio Batista, o que se viu foi a instalação de outra ditadura, que até hoje penaliza o povo cubano.
Mas as palavras de Fidel Castro poderiam ser ditas também por dom Paulo, preservando o mesmo espírito de preparar e organizar os movimentos populares. Contou-me também, nas entrevistas que tivemos, que participou em Paris (no tempo em que frequentou também a Sorbonne), de "Semana de Intelectuais Católicos", nem tanto para debater e refletir sobre o catolicismo, mas para buscar um pensamento capaz de unir a todos, um novo caminho. Seria esse "novo caminho" anunciado por Bergoglio, ao curvar-se ao povo, em sua primeira aparição como papa?
Assim como Fidel Castro, Dom Paulo Evaristo Arns teve também uma vida longeva. Poucos dias após a morte de Fidel Castro, os movimentos populares de esquerda perdem dom Paulo, que fez questão de colocar o boné do MST nas comemorações de seus 95 anos, no Teatro da PUC-SP, tendo sido saudado por João Pedro Stédile.
No encontro de 1993, dom Paulo fez um bilhete me apresentando a dom Geraldo Majella Agnelo, que, na época trabalhava como secretário-geral da Congregação do Culto Divino e dos Sacramentos. Assim que cheguei a Roma pude constatar que o preferido dos progressistas, que queriam papa, em 1978, ainda exercia influência, fazendo aqui e ali indicações, contatos etc. E somente hoje pude compreender as palavras de Xavier Pikaza:
"Em 1978, era, talvez, muito cedo para a grande travessia. Agora (2013), com o papa Bergoglio pode ser muito tarde, a não ser que o Espírito sopre forte, pois temos pressa".
A História mostrará, a longo prazo, qual o legado que deixará efetivamente a sua marca. O momento requer de nós a oração. O Espírito Santo faz os ajustes necessários. "Pelos frutos, conhecereis a árvore!"
Hermes Rodrigues Nery é coordenador do Movimento Legislação e Vida.
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