Por J. R. Guzzo
O que
poderia ser mais fácil para o ex-presidente Lula do que explicar ao público e
às autoridades da Justiça Penal brasileira, acima e além de qualquer dúvida, as
histórias desse apartamento triplex no Guarujá e desse sítio em Atibaia, ambos
em São Paulo, que tantas dores de cabeça lhe têm dado? Se não há nada de errado
com os dois negócios, ou pelo menos nada que possa ser descrito como
francamente ilegal, bastariam quinze minutos para deixar tudo muito bem
justificado. Qual o problema? Não se trata de álgebra avançada. São casos bem
simples, que qualquer cidadão pode entender perfeitamente, sem nenhuma
necessidade de chamar advogado ou ficar nervoso. Ou os imóveis são dele, ou não
são; ou foram reformados com seu próprio dinheiro, ou alguém pagou o serviço em
seu lugar. De um jeito ou do outro, tudo pode estar correto. Lula tem recursos
de origem boa para comprar e reformar propriedades; também tem o direito de
usar propriedades pertencentes a outras pessoas e beneficiar-se de melhorias
que os proprietários fizeram nelas. Houve a ajuda de empreiteiras de obras
públicas num e noutro caso, mas e daí? Elas já lhe pagaram 27 milhões de reais
entre 2011 e 2014 para fazer palestras, e Lula diz que se orgulha disso. Então:
é só dizer direitinho, afinal, o que está acontecendo. Nada mais simples para
um homem que acaba de jurar que não existe nenhuma "alma viva" mais
honesta do que ele entre os 200 milhões de habitantes deste país.
Mas Lula não diz nem uma palavra sobre os fatos. Se
está assim tão convencido de que tudo é mentira, por que não disse nada até
agora? Só começou a falar porque será oficialmente investigado - e quando falou
foi para vir com esse prodigioso despropósito sobre a honestidade das almas
brasileiras, uma das declarações mais infelizes que já fez em seus trinta e
tantos anos de vida política. Logo numa hora dessas? É estranho: Lula parece
estar perdendo contato com os talentos políticos que lhe são atribuídos. Onde
andaria hoje a sua tão celebrada maestria como tático? Vai saber. O fato é que,
insistindo o tempo todo na recusa a dar qualquer explicação sobre qualquer
coisa que faz, Lula constrói sobre sua própria cabeça, por conta própria e sem
a ajuda de ninguém, uma nuvem de suspeitas que parece o cogumelo atômico de
Hiroshima. Só consegue se defender atacando os outros - "a mídia",
como sempre, ou "a oposição", que foi incapaz de dizer uma única
sílaba sobre essa história até agora. É um esforço inútil. Ninguém vai
acreditar que foi a imprensa que construiu o Edifício Solaris ou reconstruiu o
sítio de Atibaia. Lula só faz um número cada vez maior de gente perguntar:
"Mas o que ele está escondendo?". Se não tem nada a esconder, é um
péssimo negócio.
É verdade que, pensando um pouco melhor, seriam necessários outros quinze
minutos para explicar como um dos seus filhos conseguiu vender em 2005 à
empreiteira Andrade Gutierrez, por 5 milhões de reais, parte das ações de uma
empresa de games que nunca foi a lugar nenhum. Desde o primeiro minuto, essa
história, que jazia havia onze anos no arquivo morto e agora sai da tumba,
pareceu esquisitíssima. A troco de que a segunda maior empreiteira do Brasil
iria dar esse monte de dinheiro ao primeiro-filho para se tornar sócia minoritária
de um fracasso? Lula, na ocasião, disse que o rapaz era "o Ronaldinho
dos negócios", e que a Andrade Gutierrez estava fazendo uma compra
espetacular - o que talvez tenha feito mesmo, quando se considera que acabou
beneficiada depois com uma mudança de lei decretada pelo presidente. A
explicação era quase um deboche, mas fazer o quê? Aqueles eram tempos dourados
para a impunidade da classe AAA-plus. Mais um bloco de quinze minutos
precisaria ser dedicado aos empréstimos do primeiro-amigo José Carlos Bumlai,
hoje residente no xadrez da Polícia Federal de Curitiba, outro teria de
esclarecer o pagamento de 2,5 milhões de reais feito ao segundo-filho por uma
empresa de lobby, e por aí se vai. Mas, por maior que seja a soma final de
tempo requerida para as explicações, sempre é melhor do que ficar fazendo cara
de bravo e deixar que cresça à sua volta um monumento à desconfiança.
O que há de definitivamente certo nisso tudo é, em primeiro lugar, uma intimidade extraordinária entre o ex-presidente e grandes empreiteiras - todas elas metidas até o fundo da alma com a corrupção, como comprovado pelas confissões e condenações da Operação Lava-Jato. Em segundo lugar, é a evidência de que Lula não se conforma, de jeito nenhum, em ser um brasileiro como os demais.
Fonte: Revista "Veja"
O que há de definitivamente certo nisso tudo é, em primeiro lugar, uma intimidade extraordinária entre o ex-presidente e grandes empreiteiras - todas elas metidas até o fundo da alma com a corrupção, como comprovado pelas confissões e condenações da Operação Lava-Jato. Em segundo lugar, é a evidência de que Lula não se conforma, de jeito nenhum, em ser um brasileiro como os demais.
Fonte: Revista "Veja"
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