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quarta-feira, 30 de julho de 2014

cinema nasce nu


Por José Umberto

"Filosoficamente falando, aliás, o que é a crueldade? Do ponto de vista do espírito, crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacável, determinação irreversível, absoluta."
Artaud
O pensamento arcaico é o reverso da modernidade. E a sombra chinesa já anunciava o protocinema, panóptico tardio. Essas flutuações entrópicas selam a aliança com a magia. Daí que o analógico arcaísmo mecânico do cinematógrapho salta para o sistema quântico digital em obediência ao proceder ascético da qualificação tecnológica. São meras mutações de decodificação simbólicas. Tudo sob a guarda do templo diferenciador da linguagem, morada do ser.
O cinema ampara esse eco de vozes. Escuta e transcodifica essa energia sem termo, essa potência desmedida, essa força desinteressada. Desencadeia a paixão da inércia: o silêncio do olho do furacão, a dança da imobilidade. O totem da dinâmica elegante e bárbara. O eterno retorno de rotações simultâneas, paralelas e dissonantes que se projeta no eclipse de sentido. E se bifurca na dobradiça do possível.
A língua audiovisual desperta camadas arquetípicas em hibernação. O lance barroco é uma peregrinação do espírito paradoxal esfuziante. Sua temporalidade se indetermina no deserto da esfinge pré-moderna. Brota de estilo cruel, da lira do estranhamento, da opacidade, da perversão idiomática, do deslocamento de recalques, das fontes ancestrais. Os ritos da alma selvagem na sua inconstância de contrastes, algo em preto-e-branco, a lembrar um filme expressionista nunca revelado às nossas retinas. Removendo a perplexidade da 'língua geral', do nheengatu tupi, uma nascente pagã. Os murmúrios guturais do falar mestiço pagão. Essa propagação de ritmos dessemelhantes de uma carnavália ufanista retumbante. Paródia do éden e alegoria da brutalidade boçal. Cenografia tropicalista cujo simbolismo do tabu é a gastronomia da transgressão.
canga e cocar
A passagem da harmonia (sagrado) ao caos (profano) arremata a policromia da vivência. A delicadeza e o ímpeto encerram a antípoda da paixão que se reconcilia e cicatriza. Desse modo, a genealogia de nosso inaugural repertório pré-colombiano irradia-se para a práxis da antropofagia ritual. Daí, uma sintonia fina, velada e invisível religa a cultura indígena ao ethos do cangaço. Uma conjugação simultânea de valores baseada na confluência da vingança como réplica ou herança atávica que não se dissipa. E um corolário que representa o elo da carnavalização simbólica de gestuais alucinatórios e lúcidos repassados por neurônios imemoriais. Essas transposições sinalizam para metáforas coletivas que se cristalizam em alegorias de guerra.
Nesse intervalo, emerge a edificante valentia como postulado monástico do patriarcalismo armorial. A armadura da arte do guerreiro unifocalizada na parcimônia do severo e no legado machista de um estoicismo tribal estribado na austeridade da brabeza. A heráldica do conflito que postula o aforismo de que "se o leão pudesse falar, não poderíamos compreendê-lo". É o campo de força do aviltamento com a vibração do território da crise e a fissão do paradoxal. Um abalo.
Uma épica de transferência, uma estética fauve, de assombro, herética e violadora, um teatro de mise-en-scène herdada, uma música de ecos, dançarinos em transe hipnótico, uma pintura nascida das vísceras do tempo, a linguagem genética, cápsula do tempo... e o cinema da intuição em fuga melódica.
Como se estendesse uma parabólica cósmica a captar sinais p´rá serem decodificados como a ciência da criptografia.
trama escarlate
O traçado dessa violência gerou-se no espelho da exclusão social do homem sem qualidade na sua jornada de tragédia sem catarse, cinema mudo de imagem ausente. Uma persona obscena de dramaturgia de opostos. Experimentada na desproporção da histeria. Essa desconstrução da nervura cordial na escala da moderação em tom polivalente. Aquela exposição irreverente do inconsciente que implode a arquitetura de convivência. Espasmos de lucidez mítica. Atônitas fabulações oníricas baixadas de brumas imemoriais em busca do tempo perdido. Ou da lenda reencontrada. A queda impulsiva no círculo de fogo do desejo de vingança do sangue.
Ah! vendeta.
Como o monstro no cio. Ou na velocidade da luz expandindo a placenta no útero do espaço inviolável. Numa querença de infinito, de absoluto, de transcendência supersônica. E de cíclica insatisfação ilimitada. Quando não, o insustentável peso da inútil esperança-sentimental a percorrer o túnel vazio. No êxtase da duração única de explosivo orgasmo celestial. É a unidade do fotograma virgem do celuloide romântico que precede o ato da filmagem. Uma graça
A violência primitiva originária - um agregado da moldura estoica da aspereza não salvacionista, de contração satânica antimessiânica e de contenção escatológica -, configura o fóssil tardio. Uma ação inerente de tradição da brutalidade conservadora longínqua, primeva e infante. Comportamento esse que se desdobra em saltos descontínuos de transposição. Sombra fantasmática de regressão. Liberando-se a posteriori em ondulações de correspondência e ligação a novas contingências cíclicas: fenômenos de repercussão ão ão ão.   De propagação. Embora não haja o sofisma da repetição, porém o contraponto do redimensionamento. O campo de força da destruição em cujo núcleo repousa a inovação. A imóvel contemplação na dialética propulsão de agir. E nesse círculo atua o espanto da criação.
abismo inocente
O cinema da crueldade como hipótese do arco na meta retesada sobre o fluxo da cachoeira de sangue. No derrame, na corrente... queda.
A matéria e o espírito concatenados na sucessão descontínua que se depura na substância do desvio, esse caráter restaurador, renovador, compactado na tela. Mas que se converte, se distorce oblíquo e se expande ao avesso. A sístole e a diástole da pulsação do nascedouro em ondas. Essa harmonia dissoluta, descabida e caleidoscópica.
A herança do emblema trágico se conforma no culto ao sacrifício. Um pathos de dívida de sangue da arqueologia jurídica juramentada no código de honra da heráldica vendeta. São vínculos ambivalentes de superestrutura de pensamento. Uma reminiscente constelação difusa atraída pelo teor de gravidade do enigma que despenca no precipício.
"que o novo não é necessariamente revolucionário nem o antigo é sempre reacionário"
Oduvaldo Vianna Filho
(Vianinha)
Post-scriptum: Lampião também fez cinema de manivela, fotografia, entrevista em jornal, ouvinte de rádio, bordador em máquina de costura e tocador de concertina “pé-de-bode”, além de exímio amansador de burro brabo - muito apreciado pelas moças do sertão à dentro - e repentista acompanhado por cego rabequeiro à sombra dum mandacaru vermelho nos confins do sertão.
O "rei do cangaço" é pop.
José Umberto é cineasta. Autor de "Revoada"

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