Por Roberto Pompeu de Toledo
Um anúncio da safra da
Copa… anúncio de quê, mesmo? Houve tempo em que os anúncios iam direto ao ponto - "Beba Coca-Cola". Hoje a criatividade sufoca as marcas. Houve um anúncio da
safra da Copa, sabe-se lá do quê, em que um homem, de costas, vinha e
depositava no chão a maleta que trazia no braço, na pose de quem chegava a
algum lugar. “O futebol está voltando para casa”, dizia o locutor. E não é que
o futebol voltou mesmo para casa? Voltou para a querida Europa de nascença. País
do futebol, hoje, 100 anos depois de o kaiser Guilherme II dar o pontapé
inicial à I Guerra Mundial, 91 anos depois do putsch de Munique, 75 anos depois
do início e 69 do fim da II Guerra Mundial, 53 depois da construção e 25 da
derrubada do Muro de Berlim, nove anos depois da eleição e um depois da
renúncia do papa Ratzinger, é a Alemanha. É lá que se joga um futebol alegre e
bonito. No Brasil, joga-se um futebol "de resultados" dotado da singular
característica de não produzir resultados.
Do
lado brasileiro, o grande craque da Copa foi o Cristo Redentor. Durante a
transmissão da final, a televisão fez seguidas tomadas do Cristo com o Maracanã
ao fundo, ou com a Lagoa Rodrigo de Freitas e a orla de Ipanema ao fundo. A
Copa no Brasil teve obras superfaturadas, estádios destinados à ociosidade,
promessas de obras viárias não cumpridas, viaduto desabado e operários mortos,
mas no momento final apareceu o Cristo para segurar as pontas. O milagre que
faltou no gramado veio do alto, como é próprio dos milagres. O Redentor entrou
em campo, em transmissão ao vivo captada até os confins do universo, para
marcar um gol mais bonito do que o de Robben contra a Espanha.
A vitória do Brasil na Copa
de 1958 iniciou uma revolução copernicana na geopolítica do futebol. A vitória
de 1970, a terceira em quatro Copas, consolidou a convicção de que
subdesenvolvidos, em futebol, eram os europeus. A Copa de 2014 repõe as coisas
em seus lugares. Rico é rico, pobre é pobre, e rico fala mais alto e mais
grosso que pobre em tudo. Tal qual ocorre no geral do comércio internacional,
subdesenvolvido é o exportador de matéria-prima. O Brasil, no futebol, virou
exportador de matéria-prima, e não se vislumbra como possa escapar dessa sina.
Há uma coisa chamada mercado, em primeiro lugar. Em segundo, há internamente
uma engrenagem reunindo cartolas, técnicos, empresários, olheiros e outros
agentes mancomunados no grande negócio, ilícito em boa parte, da exportação de
jogadores. Em terceiro, de modo cruelmente insidioso, já se introjetou no moleque
das peladas o sonho de jogar no Barcelona, não no Corinthians ou no Flamengo.
Angela Merkel assistiu ao
jogo inaugural da Alemanha, contra Portugal, e, mostrada várias vezes na TV,
festejou cada um dos quatro gols do seu time. Voltou para assistir à final,
contra a Argentina, e festejou a conquista do torneio. Como diria o Ancelmo
Gois, deve ser terrível viver num país onde o futebol é explorado para fins
políticos. Dois turistas alemães foram presos por roubar uma escultura alusiva
ao futebol no saguão do Aeroporto de Guarulhos. Deve ser terrível a
criminalidade naquele país. O craque alemão Schweinsteiger, depois da
conquista, fez uma "saudação especial" a Uli Hoeness, ex-presidente do Bayern
de Munique, hoje cumprindo pena por evasão fiscal. Deve ser terrível viver num
país em que se incentiva o crime.
Dia do jogo Brasil x
Alemanha, num bairro central de São Paulo. O vizinho amanhece já tocando sua
vuvuzela. Jogo do Brasil é assim. A festa começa muitas horas antes. Há um
clima de eufórica espectativa no ar. Vuvuzelas, buzinas, bandeiras. O clamor da
vuvuzela do vizinho intensifica-se à medida que vai chegando a hora. Aí começa
o jogo. Um a zero para a Alemanha, dois, cinco a zero. Vuvuzela calada. Seis a
zero, sete a zero. Então, aos 45 minutos do segundo tempo, Oscar escapa, engana
o goleiro Neuer e marca. Gol do Brasil!!! A vuvuzela dispara. Fica-se
imaginando o vizinho levantando do sofá, aturdido, arrasado, mas atento ao
chamado do dever. Nem Oscar comemorou. Mas quem possui uma vuvuzela assumiu com
ela um compromisso moral, mesmo que seu grito esganiçado àquela altura soasse
como um gemido.
Fonte: "Veja"
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