Escrito em Salvador, em março de 1926, "Poema da Feira de
Sant'Ana", de Godofredo Filho, foi publicado em livro em 1977, com capa
ilustrada por Carybé, sob os auspícios da Fundação Cultural do Estado da Bahia,
como parte da edição das Obras Completas do autor.
Trecho do longo poema
Feira de
Sant'Ana do grande comércio de gado
nos dias
poeirentos batidos de sol compridos
Feira de
Santa’ Ana
Das
segundas feiras de agitações mercenárias
correrias
de vaqueiros encourados
tabaréus
suarentos abrindo chapéus enormes
barracas
esbranquiçadas à luz
e as
manadas pacientes que vêm para ser vendidas
de bois
do Piauí de Minas do Sertão brabo
até de
Goiás
(meu
bisavô Zé carneiro era o bicho em negócio e gado
meus
parentes todos ricos que hospedaram o Imperador
quando
ele foi à Feira ver a feira
seu
Pedreira
meu tio
Cerqueira)
ali eu
tive tudo
meus
cinco anos
meus
brinquedos todos
o
automovinho que papai trouxe quando veio na Bahia
a roça de
meu avô com os carneiros as cabras os tanques
[...]
meus tios
engraçados
casa da
Rua Senhor dos Passos da minha meninice
que
fontes eu cavei nos fundo do teu quintal
[...]
também a
casa da minha tia Pombinha com corredor escuro
lá eu
morei
a vizinha
era D. Olívia professora
o
sobrinho dela Genaro
tinha um
outro que esqueci do nome
[...]
minhas
primas filhas de meu tio que eu tinha medo dele
deslumbramento
do meu primeiro beijo escondido
gostinho quente da primeira namorada
prima
foi numa
volta de picula
você lembra?
Feira de
Sant'ana
a de hoje
tão diferente
também é
boa
riscadinha
de eletricidade
torcida
esticada retesada de fios aéreos longos
Fords
estabanados raquíticos
levando
no bojo viajantes de xarque
ó Fords
arados desvirginadores de sertão
horizontes
da minha terra que me educaram
Ainda
quero ser limitados por eles
minha
terra boa boa
minha
terra minha
É lá que
eu quero dormir ao acalento daquele céu tão manso
dormir o
meu grande sono sem felicidade ou tortura de
sonho
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