Por Carlos Alberto
Sardenberg
O problema não é que sejam
médicos, muito menos cubanos. O problema é o método de contratação, que
convalida grave violação de direitos humanos.
Importar trabalhadores é normal.
Importam-se, por exemplo, os melhores profissionais, para agregar conhecimento
e expertise às práticas locais. Ou se traz um tipo de trabalhador que não se
encontra no país importador. Ou ainda pessoas que topam salários e serviços que
os locais não aceitam.
Este é o caso da importação
de médicos pelo governo brasileiro. Tanto que os estrangeiros só poderão
exercer um tipo de medicina e apenas nos lugares para os quais foram
designados. Não vieram para transmitir alguma ciência ou prática nova. O médico
de família e o atendimento básico não são novidades por aqui.
Mas são insuficientes, diz
o governo. É um argumento. As entidades médicas brasileiras, portanto, não têm
razão quando se opõem à importação em si.
Ocorre que a história não
termina aí. Tão normal quanto a importação de trabalhadores é a exigência de
qualificação - algum tipo de avaliação do profissional estrangeiro para saber
se atende às necessidades nacionais. Todos os países fazem isso.
Portanto, o governo
brasileiro pode abrir uma espécie de concurso internacional para contratar
médicos. Mas, primeiro, eles têm que passar por prova de capacitação, como
passa qualquer brasileiro quando entra para qualquer serviço público. Segundo,
esse mercado deve ser livre.
Assim: o país importador
oferece a oportunidade e dá as condições de trabalho, os estrangeiros,
pessoalmente, se candidatam, fazem os testes e assinam o contrato. Esse
documento, obviamente, pode ser rescindido. Imagine que o médico chega numa
cidade remota e verifica que não tem a menor condição de atender. Ou não recebe
o salário acertado. Ele pode retirar-se e rescindir o contrato. Inversamente,
se começa a fazer besteira, o governo, o contratante, pode afastá-lo.
E se o médico, afinal,
achar que entrou numa fria, e que sua família não se adaptou - ele pode pegar
um ônibus, ir até o aeroporto mais próximo e embarcar, com seu passaporte e o
de seus familiares, de volta para casa. Ou para Miami.
Essa é a situação dos
médicos argentinos ou portugueses. Não é, obviamente, o caso dos cubanos. Estes
não têm o contrato de trabalho com o governo brasileiro ou outra entidade
local, não recebem salário brasileiro, não têm o direito de desistir, têm
passaporte que só dá direito de voltar a Cuba, não têm, pois, a liberdade de
deixar o Brasil e ir para qualquer lugar que desejarem.
São funcionários do governo
cubano, destacados para trabalhar no Brasil - sob as regras contratuais do
regime cubano, uma ditadura. E não poder trazer a família, que permanece refém
em Cuba, sem poder viajar para o Brasil ou para qualquer outro lugar - isso é
de uma violência sem limite.
Os médicos ficam presos no
Brasil, suas famílias, em Cuba. Parece exagerado, mas é a pura verdade. Tanto
que o governo brasileiro foi logo avisando os doutores cubanos que não tentem
fugir ou pedir asilo, porque serão presos e deportados.
Por isso, não vale a
comparação com empresas brasileiras que levam trabalhadores brasileiros para
suas obras em outros países. Os brasileiros foram livremente e podem voltar ao
Brasil (ou qualquer lugar) quando quiserem.
Tudo considerado, o governo
brasileiro pode importar médicos, mas não praticar a violação de direitos
humanos embutida no contrato dos cubanos. Os médicos brasileiros podem exigir
provas de validação dos estrangeiros. Mas não podem hostilizar pessoalmente os
cubanos. Tirante os militantes, a situação pessoal deles é penosa.
O governo brasileiro mentiu
várias vezes nesse episódio. Em maio último, o então chanceler Patriota havia
dito que se preparava a importação de 6 mil cubanos. Dada a reação ruim, o
ministro Padilha disse que o governo havia desistido do projeto. Agora, assim
de repente, aparecem 4 mil médicos preparados para vir ao Brasil.
O governo apenas aproveitou
o momento para lançar o Mais Médicos, com esse propósito principal de trazer os
cubanos. Com marketing: quem pode ser contra a colocação de médicos em lugares
carentes? Por outro lado, a presidente Dilma comprou uma briga feia com os
médicos brasileiros, caracterizados como ricos insensíveis no discurso oficial
e aliado. Uma ofensa, claro, mesmo considerando que há médicos que não cumprem
suas obrigações. A grande maioria está aí, ralando.
Finalmente, e se algum
cubano entrar, por exemplo, na embaixada dos EUA e conseguir refúgio, o que
fará o governo brasileiro?
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.Fonte: "O Globo"
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