Por Roberto Pompeu de Toledo
A crise da presidente Dilma
Rousseff expõe os limites da teoria do poste.
Não foi o ex-presidente
Lula quem inventou o poste. Se a memória não falha, já nos idos de 1974, nas
eleições para o Senado que determinaram o início da decadência da ditadura,
colou-se o apelido de "postes" nos eleitos ao embalo da súbita e surpreendente
onda oposicionista.
O que Lula fez foi
exacerbar a teoria e reivindicar sua aplicação como mágica pessoal.
Nenhum poste gosta de ser
chamado de poste, e a cortesia manda que os fazedores de postes não os chamem
pelo desprestigioso apelido. No entanto, na euforia da vitória do prefeito
Fernando Haddad em São Paulo, o ex-presidente disse que "de poste em poste" o
Brasil se iluminaria.
No caso da presente crise da
presidente - porque a crise que começou nas ruas evoluiu, sim, para uma crise
da presidente -, os efeitos perversos da eleição de um poste revelam-se nas
seguintes evidências:
1.O governo está
sem rumo. Não
é de hoje que a condução errática da economia, a demora em atacar os gargalos
na infraestrutura, a nomeação e desnomeação de ministros e a dubiedade no
combate à corrupção traem inexperiência que resulta em insegurança e indecisão.
Nas duas últimas semanas,
tais sintomas viraram febre com as sucessivas trapalhadas da Constituinte
exclusiva e do plebiscito.
A desconhecida Dilma
foi-nos apresentada como "gerentona". Hoje é a gerente que não gerencia uma
equipe balofa e incoerente. A dureza na cobrança e a minudência no
acompanhamento do trabalho dos auxiliares eram exaltadas como qualidades.
Revelaram-se defeitos.
O reflexo condicionado é
encobrir as insuficiências pondo a culpa na "articulação política". A "articulação" e sua irmã gêmea, a "comunicação", são dois gastos bodes
expiatórios. Não há articulação nem comunicação que funcionem se a outra ponta
não funciona. A outra ponta é o gabinete presidencial.
2. Desaba o
respeito ao governo. As vaias são o de menos. Pior é o misto de cinismo e traição que rodeia
a presidente. A chamada "base aliada" esfarelou-se. Ao vácuo de liderança
sucede-se a balbúrdia no Congresso.
Com a esperteza de sempre,
deputados investem contra o chamado "foro privilegiado" como se fosse medida
moralizadora, quando o mensalão provou que o suposto "privilégio" na verdade
lhes rouba o recurso às diversas instâncias do Judiciário e às infinitas
chicanas do processo ordinário.
Pior para o governo é a
ameaça de se votar o tal "orçamento impositivo", instituindo o escândalo da
liberação obrigatória das já de si escandalosas emendas parlamentares. O
desrespeito à presidente propicia a abertura da temporada de caça ao Erário.
3. O poste foi
feito refém.
Outros postes, na política brasileira, tiveram melhor sorte. A este não se
permite desligar-se do criador. Dilma já se entregou ao obrigatório ritual de
encontrar-se com Lula duas vezes desde o início dos protestos. A relação ameaça
assumir caráter patológico, se é que já não assumiu.
O ex-presidente não sossega
de impor-se como patrono, mestre, guia e protetor. A sucessora se rende à sorte
de patrocinada, discípula, guiada e protegida. É quase uma versão da "síndrome
de Estocolmo", pela qual o sequestrado acaba cativado pelo sequestrador.
"Cativado" quer dizer
enamorado, mas também prisioneiro. Tem-se uma presidente obrigada à reverência
a uma instância superior.
O resultado é a perda da
reverência que deveria inspirar. Fonte: "Veja"
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