Por Ricardo Setti
Como sabem os leitores mais
assíduos, venho há algum tempo chamando Lula de ex-presidento.
Na verdade, o correto seria
designá-lo pelo que, na prática, é: co-presidente.
Nunca, em quase 124 anos de
República - "nuncaantezneztepaiz", portanto, pelo menos no já longo período
republicano - se viu nada igual: uma presidente, como Dilma Rousseff, que,
a cada passo mais importante, a cada crise mais aguda, sai correndo se
consultar com seu guru e antecessor.
Às vezes, em postura que já
passa do respeito à auto-humilhação, pegando o avião presidencial em Brasília
para ir ao beija-mão em Lula em São Paulo, em vez de convocá-lo para o Palácio
do Planalto.
É interessante, útil e
produtivo para o país que o presidente de turno se consulte com ex-presidentes,
uma prática democrática raríssima em estas paragens. (FHC chamou os candidatos
à sua sucessão, um por um, em 2002, para explicar em detalhes o acordo com o
FMI que o governo estava prestes a assinar. É uma das poucas exceções em muitos
anos.)
Em países civilizados,
chefes do governo, em determinadas circunstâncias, se avistam, trocam ideias,
buscam a experiência de antecessores, mesmo que, politicamente, sejam
adversários ferrenhos.
Não só em ocasiões,
digamos, sociais, tal como ocorreu logo após a posse de Barack Obama, em
janeiro de 2011, quando todos os ex-presidentes vivos dos Estados Unidos -
Jimmy Carter e Bill Clinton, democratas, e os republicanos George H. Bush e o
filho, George W. Bush, antecessor de Obama - conferenciaram cordialmente
com o novo presidente e posaram para fotos.
Ficou célebre a reunião do
então jovem presidente John F. Kennedy, democrata, com o antecessor
republicano, Dwight D. Eisenhower, em abril de 1961, quando a remessa de
mísseis soviéticos para Cuba quase provoca um confronto nuclear entre as duas
então superpotências.
Eisenhower não apenas era
um ex-presidente, mas, como general de cinco estrelas, havia
sido o comandante supremo das forças dos Aliados na II Guerra Mundial
(1939-1945). Tratava-se de uma experiência imensa que não poderia ser
descartada naquele momento. Depois do encontro, ambos trocaram vários e longos
telefonemas.
Na França, para ficar em
mais um exemplo, todos os presidentes depois do general Charles de Gaulle
(1959-1969), que não consultava ninguém, mantiveram reuniões com
antecessores. Eram fatos corriqueiros, com resultados positivos para os
interesses gerais do país.
Jacques Chirac,
conservador, que devido a peculiaridades da Constituição francesa fora
primeiro-ministro sob o presidente socialista François Mitterrand
(1981-1995), reuniu-se várias vezes com ele durante sua própria presidência de
dois mandatos (1995-2007).
Nicolas Sarkozy (presidente
de 2007 a 2012), ex-ministro do Interior de Chirac, manteve linha direta com o
antecessor até romperem politicamente.
Na Espanha, chefes de
governo de um lado e outro do espectro político não apenas se consultaram, mas
adotaram posições conjuntas, especialmente na questão gravíssima do combate ao
terrorismo da organização separatista basca ETA.
Nenhum deles, porém, ia
receber ordens. No caso da presidente Dilma, a impressão que cada encontro com
Lula transmite é exatamente essa, indesejável e humilhante: ela vai a Lula,
escuta as opiniões de seu tutor e, sem que jamais se tenha sabido de uma única
discrepância real, segue as diretrizes emitidas.
Vejam o que acaba de
acontecer na Bahia, notem o título ("Dilma decide com Lula…") da reportagem do Estadão:
* * * * * * * * * * * * * *
* * * * * * * * * * * * *
Dilma decide com
Lula não mexer na gestão
Vera Rosa e Tânia
Monteiro – O
Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – A presidente
Dilma Rousseff não cortará nenhum dos 39 ministérios nem pretende mexer no
primeiro escalão agora.
Em conversa de três horas
com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, em Salvador,
Dilma mostrou preocupação com a queda de popularidade do governo, registrada
após as manifestações de rua de junho, mas disse que não vai ceder, nesse
momento, a pressões por mudanças na equipe.
A portas fechadas houve
muita reclamação sobre o comportamento do aliado PMDB e também do PT.
Não foi só: Dilma pediu
ajuda a Lula para "enquadrar" o PT, que, no seu diagnóstico, não está
colaborando como deveria para defender o governo e o plebiscito da reforma
política.
Para a presidente, divisões
na seara petista e o coro do "Volta Lula" prejudicam a governabilidade.
Embora os números da
pesquisa CNI/Ibope só tenham sido divulgados ontem, Dilma e Lula sabiam na
reunião que a rejeição aos políticos afetaria a avaliação não só da petista,
mas também dos governadores.
Apreensiva, a presidente
chegou a perguntar a auxiliares qual seria a repercussão na mídia da má
avaliação do governo, em meio à visita do papa Francisco ao Brasil.
O levantamento do Ibope
mostra que o porcentual dos que consideram o governo Dilma "ótimo" ou "bom" caiu
de 55% para 31% em um período de um mês, após as manifestações de rua.
Outros números indicam que
a avaliação pessoal da presidente despencou de 71% para 45% e que metade dos
entrevistados não confia nela.
Segundo o Estado apurou, Dilma e Lula expressaram
contrariedade não só com o racha no PT, mas também com a atitude do presidente
da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), que pregou publicamente o corte de
ministérios como solução para a crise política.
A avaliação reservada é a
de que o PMDB quer "surfar" na onda dos protestos.
Fonte: "Política & Cia"
Nenhum comentário:
Postar um comentário