Começou mais uma
edição do Foro de São Paulo. Novamente, pessoas sem muito o que fazer, ou sem
vontade de trabalhar, estão reunidas na capital paulista para a pauta de
sempre: amaldiçoar o capitalismo, chamar "us estadunidense" pra porrada e
exercitar as mais exóticas manifestações de democracia. Se sobrar espaço, pode
até rolar alguma referência ao atraso que devasta a América Latina.
Talvez estimulado
pelo evento, vieram-me à lembrança os dias 3 e 4 de dezembro de 2011, datas
contempladas por episódios envolvendo universos diferentes, mas intimamente
ligados pelas causas e efeitos que os revestiam. Um pelo viés insólito. Outro
pela dramaticidade implícita.
No dia 3, um
sábado, recepcionada por Hugo Chaves, sob o patrocínio da Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos - a Celac, mais nova sigla criada para
aterrorizar o centro-sul do continente americano -, reuniu-se em Caracas a fina
flor da "democracia" imposta à América Latina e ao Caribe. Desfilaram sob os
holofotes da imprensa capitalista (a ser censurada) democratas da estirpe dos
Castro, dos Morales, dos Correa, dos Ortega, dos Kirschner.
Uma das estrelas do
evento foi Dilma Rousseff ,que propiciou o momento mais tenso da reunião ao
levantar dúvidas sobre uma questão prioritária: qual calva era a mais atraente,
a de Lula ou a de Chaves? Para não ferir suscetibilidades nem causar
constrangimentos, a decisão ficou para um outro encontro.
Aquele ajuntamento
de tiranetes decadentes, todos sonhando com seu país particular, uma imprensa
companheira, a população submetida ao circo e a oposição à bala, vetou por
unanimidade o ingresso dos Estados Unidos e do Canadá na entidade. Decididos a
garantir que a injustiça não prospere no continente, negaram-se a macular a
Celac com a presença de representantes dos regimes autoritários que assolam as
duas nações do norte.
Em nome dos
brasileiros, Dilma assinou o documento que oficializou aquela empulhação cujo
texto ridiculariza nossa inteligência e desdenha da fome que castiga
latinos-americanos e caribenhos. Representante de uma das "democracias" mais sólidas e evoluídas do planeta, o presidente cubano Raul Castro foi um dos
primeiros a chancelar a farsa.
No dia 4, um
domingo, o Brasil tomou conhecimento de um drama que se desenrolava em algum
lugar do Maranhão, protagonizado pelo apresentador de televisão Gugu Liberato e
por uma família de oito pessoas que sobrevivia em condições sub-humanas. O
grupo de brasileiros foi representado por Maria, a mãe, precocemente
envelhecida pela miséria, e pela filha Raimunda, uma adolescente de olhos
tristes que não ousava encarar o interlocutor famoso.
Morando com os sete
filhos num casebre de pau-a-pique, aquela brasileira valente sobrevivia com o
auxílio-doença de uma das meninas. Já não aguentava quebrar coco para prover o
sustento da família. Sem acesso a redes de esgoto e com a fossa séptica
saturada, todos usavam a mata no fundo do quintal como banheiro e tinham no
poço imundo ao lado da palhoça a única possibilidade de saciar a sede, ainda
que com a água contaminada.
Teimam em resistir
a essa realidade devastadora centenas de milhares de Marias e Raimundas, que
sobrevivem à espera de um dia em que apareça para resgatá-las algum gugu
liberato. Sobrou somente a dignidade que lhes permite enfrentar o martírio
cotidiano, que as autoridades não veem e a propaganda oficial ignora.
Os caudilhos do
Foro de São Paulo, que começa oficialmente neste 2 de agosto, deveriam mirar-se
no exemplo dessas marias e raimundas, pouco importa se brasileiras, bolivianas
ou argentinas. Todas são produtos de um subcontinente macabro, traído por
subditadores e subpresidentes.
Continuo a não
chorar por ti, América Latina. E chorarei menos ainda depois de mais uma
reunião, agora em São Paulo, ao longo da qual os hipócritas recitarão versos em
louvor da democracia que desprezam. Não serás digna de uma única lágrima minha
enquanto deres guarida a caudilhos e tiranos.
Fonte: Augusto Nunes em "Feira Livre"
Nenhum comentário:
Postar um comentário