Homofobia, machismo, apego
ao dinheiro, religião interferindo no Estado.
Os motivos que inspiram o "Fora
Feliciano" se aplicam ao papa.
Com o agravante de que ele é bem mais poderoso
Por Lino
Bocchini
Os evangélicos estão sendo
injustiçados. O tsunami de críticas que atingiu Marco Feliciano, Silas Malafaia
e demais líderes evangélicos fundamentalistas se aplica ao papa Francisco e à
Igreja Católica. Explico: as mesmas bandeiras conservadoras levantadas pelo
presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso estão no centro da
atuação da igreja católica há séculos. E o argentino Mario Bergoglio, agora
chamado de Francisco, comunga destes ideais e não se mostra disposto a
alterá-los. Pelo contrário.
Vamos por partes:
Primeiro, a homofobia
Muito se reclamou da
atuação de Feliciano contra os direitos fundamentais dos homossexuais. A
coleção de frases e a atuação do pastor não deixam dúvidas quanto à sua
posição. Como é sabido, a igreja católica igualmente condena a
homossexualidade, e considera pecado o amor da população LGBT.
O próprio Francisco,
pessoalmente, demonstra preocupação com o que chama de "lobby gay" no Vaticano.
Conforme revelou o site católico Reflexión y Liberación, o pontífice afirmou o
seguinte em uma audiência recente com a diretoria da Confederação
Latino-Americana e Caribenha de Religiosos: "Na Cúria há gente santa de
verdade. Mas também há uma corrente de corrupção, é verdade. Fala-se de lobby
gay, e é verdade, ele está aí… temos que ver o que podemos fazer".
Segundo, os direitos da
mulher
Em entrevista para o livro
"Religiões e Política", o deputado do PSC-SP afirmou o seguinte: "Quando você
estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar,
a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só
há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um
relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo; [assim] você destrói a família,
cria-se uma sociedade só com homossexuais, e essa sociedade tende a
desaparecer, porque ela não gera filhos".
A igreja católica sempre
tratou a mulher de forma diferenciada. A começar pelo fato de que elas não
podem ser ordenadas. Aos homens (padres) cabe orientar os fiéis, ditar os rumos
da igreja e do mundo. Às freiras cabem tarefas como cuidar dos enfermos e
necessitados e, por exemplo, cozinhar, lavar e passar para o "homem simples de
fala mansa" que está entre nós.
Mais: estão sendo
distribuídas 2 milhões de cópias de um Manual de Bioética
durante a visita do papa ao Brasil, sendo quase a metade da tiragem a versão em
português, segundo informações da Confederação Nacional de Bispos Brasileiros.
De suas 72 páginas, praticamente a metade traz pilhas de informações
"científicas" e julgamentos morais contra o aborto. O restante divide-se entre
a condenação de pesquisas com células-tronco, a condenação da inseminação
artificial e a condenação da eutanásia.
O direito sobre o próprio
corpo, uma questão que o movimento feminista do mundo todo considera vital
desde a década de 1960, é classificado como "crime" em diversos pontos do
texto. De acordo com o manual, mesmo em caso de estupro ou de inviabilidade do
feto, a interrupção da gravidez não pode ser sequer aventada: "O direito de
matar o próprio filho não pode ser fonte de liberdade nem de realização
pessoal". Todos os métodos contraceptivos, pílula e DIU inclusive, são
considerados abortivos e criminosos.
Em terceiro lugar, o apego
ao dinheiro
Causou espécie um vídeo que
circulou recentemente, no qual o pastor Marco Feliciano pedia a senha de um
cartão de crédito para um fiel, dizendo que, caso a senha não fosse revelada,
"o milagre não viria". Costuma ser igualmente criticada a cobrança do dízimo
por parte de igrejas evangélicas - como se a igreja católica não o fizesse.
Tudo isso, contudo, é
esmola perto do patrimônio misterioso e incalculável da igreja católica. A
revista Exame fez uma reportagem bastante reveladora sobre o Banco do Vaticano.
Entre diversos casos de lavagem de dinheiro, escândalos sexuais, corrupção e má
administração relatados pela publicação, destaco uma informação: o banco gere
cerca de 6 bilhões de euros em ativos. Vou repetir: 6 bilhões de euros.
Isso sem contar as milhares
de propriedades da igreja católica ao redor do globo todo. Não sou um estudioso
do cristianismo, mas acredito que valores como ajuda ao próximo, desapego e
amparo aos pobres não combinam com a acumulação de fortunas dessa grandeza.
Mesmo que o chefe da instituição prefira andar num Fiat "sem luxo" e dormir num
"quarto simples".
Em quarto lugar, a
promiscuidade com o poder público
Muito se critica Feliciano
e a bancada evangélica por usarem o poder público que detêm para obter vantagens
para suas instituições. O que afronta o conceito de estado laico. O catolicismo
faz o mesmo.
O amplo uso de estruturas e
verbas públicas durante a visita de Francisco; o mesmo lobby para isenções
fiscais e outras benesses financeiras; a mesma submissão dos governantes (de
Dilma ao vereador de Pindamonhangaba). Mais: há crucifixos em repartições
públicas (desrespeitando os evangélicos, inclusive) e mensagens religiosas nas
notas de dinheiro, que são um símbolo nacional. E por aí vai.
(Parênteses: pedofilia)
Aqui não há o paralelo com
Feliciano, mas vale lembrar das inúmeras acusações de abuso sexual contra
padres no mundo inteiro, muitas cometidas contra menores e encobertas pelo
Vaticano. A situação é tão grave que a ONU pediu, agora no começo de julho,
esclarecimentos sobre os crimes cometidos por padres em todo mundo. Como o
vaticano é membro das Nações Unidas e tem a falta de transparência como uma de
suas marcas, a ONU quer saber o que a Igreja Católica têm feito de efetivo
contra os criminosos que foram descobertos em suas fileiras.
Por fim, o apoio da mídia
Aqui, uma das maiores
injustiças com Marco Feliciano. O pastor é hostilizado por todos, TV Globo
inclusa. Suas posições, conforme demonstrado, são irmãs siamesas das defendidas
por Francisco e pela religião que comanda. E dos dogmas vindos de Roma ninguém
reclama.
Pior: a maior TV do país
(bem como quase todos os outros veículos de imprensa) ajoelha-se ao mandatário
da tv católica. E não acredito ser esta uma decisão baseada somente pela
audiência. A missa de domingo está na grade da Globo há décadas - atualmente é
celebrada ao vivo pelo padre Marcelo. E a emissora, apenas recentemente, de
olho na perda de audiência e de dinheiro, começou um flerte institucional com
os evangélicos, inaugurado com o festival de músicas gospel Promessas.
Pare finalizar, deixo vocês
com algumas frases do primeiro bloco do Jornal Nacional desta segunda-feira.
Tentem imaginar Marco Feliciano ou qualquer outro líder evangélico sendo
tratado desta forma pelo noticioso visto por quase metade da população
brasileira toda noite:
"De papamóvel, fez um
passeio que vai ficar na memória dos fieis"
"Distribuiu simpatia"
"Mais perto do povo, do
jeito que o papa Francisco gosta"
Fiel: "Foi um presente de
Deus, eu consegui estar perto dele e pude constatar que ele realmente é esse
pastor humilde, amigo do povo e que veio pra resgatar mais fieis pra igreja
católica"
"Deixou uma legião de fieis
encantados"
"Santo, abençoado, humilde…
os elogios vão brotando"
Fiel: "Ele é gente como a
gente"
"A cada esquina ele faz
novos amigos"
"Os gritos pareciam saídos
de um show de rock"
"Se fosse só isso, já
valeria a pena, e o papa Francisco acabou de chegar"
* Lino Bocchini é jornalista da "Carta Capital" Fonte: www.pragmatismopolitico.com.br
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