Por Marco Antonio Villa
O julgamento do mensalão está chegando à sua
etapa decisiva. O processo, na verdade, começou quando da instalação da CPMI
dos Correios, em maio de 2005. A brilhante produção do relator Osmar Serraglio
e das sub-relatorias permitiu, depois de muitos meses de trabalho e inúmeras
pressões vindas do Executivo, aprovar, numa sessão muito conturbada, devido à
ação dos petistas, seu relatório em abril de 2006. Foi, sem sombra de dúvidas,
a mais importante e eficiente CPMI da história do Congresso.
Juntamente com o trabalho dos congressistas,
foi aberta em Minas Gerais investigação pelo Ministério Público Federal para
apurar as denúncias, pois dois braços do mensalão, o publicitário e o
financeiro, tinham lá sua base inicial. A somatória dos excelentes trabalhos
permitiu que, em agosto de 2007, o inquérito 2.245 fosse aceito pelo STF e se transformasse
na Ação Penal 470. Deve ser recordado que não foi nada fácil o recebimento do
inquérito. Foram 4 sessões de muito debate, porém o STF não se curvou.
Registre-se o triste papel do ministro Ricardo Lewandowski, que, em um
restaurante de Brasília, após a última sessão, foi visto falando ao celular,
muito nervoso, que não tinha sido possível amaciar (a expressão é dele) as
acusações contra José Dirceu. Falava com quem? Por que tinha de justificar-se?
A terceira - e mais longa - batalha do
processo foi o trabalho desenvolvido entre agosto de 2007 até julho de 2012
para a confecção da Ação Penal 470. Foram dezenas e dezenas de depoimentos,
documentos, laudos, registrados em milhares de páginas organizadas em mais de
duas centenas de volumes. Deve ser destacado o importante papel do Ministério
Público Federal, que permitiu apresentar o conjunto das provas e a acusação
efetuada com ponderação e argúcia pelo procurador-geral da República, Roberto
Gurgel. Mas nunca é demais ressaltar o papel central em todo este processo do
relator, o ministro Joaquim Barbosa. Não é exagero afirmar que, se não fosse a
sua determinação - apesar de tantas dificuldades -, os trabalhos não teriam
chegado a bom termo. Deve ser lembrada ainda a lamentável (e fracassada)
tentativa de chantagem contra o ministro Gilmar Mendes efetuada pelo
ex-presidente Lula.
Em 2 de agosto de 2012, finalmente, teve
início a quarta batalha - o julgamento propriamente dito. Foram 53 sessões.
Centenas de horas de debates. Com toda transparência, o Brasil assistiu a um
julgamento único na nossa história. Não foi fácil chegar ao final dos trabalhos
com a condenação de 25 réus. Algumas sessões foram memoráveis, especialmente no
momento da condenação do núcleo político liderado por José Dirceu, sentenciado
por formação de quadrilha - considerado o chefe - e nove vezes por corrupção
ativa, em companhia de mais três membros da liderança petista.
A quinta - e última - batalha é a que estamos
assistindo. Depois da publicação do acórdão e com os recursos apresentados
pelos advogados - inócuos, pois não foram apresentadas novas provas que
pudessem justificar alguma mudança nos votos dos ministros -, teremos
finalmente o cumprimento das sentenças. Mas, até lá, serão semanas tensas. Já
vimos várias tentativas de desmoralização do STF. A entrevista do quadrilheiro
e corrupto José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão, acusando o
ministro Luiz Fux de traidor, foi apenas uma delas. Os advogados de defesa, pagos
a peso de ouro, vão tentar várias manobras, mas dificilmente obterão algum
êxito. Outra tentativa de desmoralização foi a designação dos condenados José
Genoíno e João Paulo Cunha para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
É neste momento que cresce a importância dos dois ministros mais antigos do
STF: Celso de Mello e Marco Aurélio. Devem servir de escudo contra a tentativa
golpista do petismo de pressionar os ministros mais jovens da Corte para
conseguir, através de algum subterfúgio, a revisão das penas.
A sociedade não pode silenciar. Muito menos
perder o foco. É no STF que está sendo jogada a sorte do estado democrático de
direito. Os mensaleiros golpistas sabem que perderam, mas os democratas ainda
não perceberam que ganharam. No momento que os condenados ao regime fechado
estiveram adentrando o presídio, a democracia brasileira vai estar obtendo umas
das suas maiores vitórias. Era muito difícil, quase impossível, encontrar
alguém que, no início do processo, imaginasse a condenação dos mensaleiros. E
mais, que eles fossem (como irão) cumprir suas penas. A satisfação não advém de
nenhum desejo de vingança. Longe disso. É sentimento de justiça. Quando José
Dirceu estiver cruzando o portão de entrada do presídio - certamente com um
batalhão de jornalistas aguardando sua chegada - isto deverá servir de exemplo
para todos aqueles que continuam desrespeitando a legalidade, como se
estivessem acima das leis, cometendo atos que violam o interesse público, a
ética e a cidadania.
Estamos há mais de cem anos procurando homens
públicos republicanos. Não é tarefa fácil. Euclides da Cunha, em 1909, numa
carta ao seu cunhado, escreveu que "a atmosfera moral é magnífica para
batráquios". E continuou: "Não imaginas como andam propícios os tempos a todas
as mediocridades. Estamos no período hilariante dos grandes homens-pulhas, dos
Pachecos empavesados e dos Acácios triunfantes". A confirmação das sentenças e
o cumprimento das penas podem ser o começo do fim dos "homens-pulhas" e a
abertura da política para aqueles que desejam servir ao Brasil. Iniciaremos a
refundação da República.
Augusto Nunes, na coluna "Direto ao Ponto" diz que "vale a pena sublinhar um trecho da
análise brilhante: "A
sociedade não pode silenciar. Muito menos perder o foco. É no STF que está
sendo jogada a sorte do estado democrático de direito. Os mensaleiros golpistas
sabem que perderam, mas os democratas ainda não perceberam que ganharam."
Fonte: "O Globo", edição desta terça-feira, 16
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