Por Celso Arnaldo Araújo
O Portal do
Planalto, fornecedor oficial da coluna, anunciou agora à tarde, sem aviso
prévio na agenda presidencial do dia, um novo e promissor item: "Discurso da
Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura da Exposição O olhar que
ouve, de Carlinhos Brown - Brasília/DF".
Olhar que ouve,
Dilma Rousseff, Carlinhos Brown? Manchete que naturalmente convida a uma
excursão aos domínios do dilmês oficial, o dilmês de palácio. É no Palácio do
Planalto, glória da arquitetura brasileira, que Carlinhos Brown expõe a partir
de hoje sua mostra de pinturas intitulada "O Olhar Que Ouve”. Niemeyer se fez
de morto para não saber disso. O tal “olhar ouvinte”, se pudesse, se faria de
surdo, porque lá vem Dilmalada:
"Eu queria começar
comprimentando o Carlinhos Brown. E eu estava dizendo para ele que as pessoas
que têm talento, como ele tem, acham normal ter talento. E acham normal
inventar a caxirola".
Caxirola? Sim, ela
decorou bem o neologismo trava-língua criado por Carlinhos Brown, que acaba de
superar fuleco - e isso parecia simplesmente impossível - como a pior palavra
já criada pela espécie humana desde o advento da fala. É isso mesmo: caxirola.
Mas, voltando ao início do discurso da Dilma, há algo a ser dito: o mundo tem 7
bilhões de habitantes. É provável que 6.999.999.000 não achem normal inventar
alguma coisa que não tenham a menor ideia do que seja, como a caxirola.
Aliás, o que vem a
ser a caxirola? Vindo de Carlinhos Brown, poderia muito bem ser uma combinação
de caixa com caçarola. Mas quem leu o título deste post, e verá o vídeo em
seguida, já sabe: Carlinhos criou a caxirola para ser, nos estádios da Copa de
2014, sobretudo quando o Brasil estiver em campo, o que foi a vuvuzela na Copa
da África do Sul. Tão ensurdecedor e exasperante como? Em tese, menos. Aquela
era instrumento de sopro, terrível para os tímpanos, mesmo pela TV. Esta, de
percussão bem discreta, pelo menos quando sozinha. Mas a impressão de Dilma
sobre a caxirola é entusiástica:
"Nós, a mim me
provoca, na minha ausência de talento musical, provoca uma surpresa que eu acho
que todos aqui compartilham. A surpresa diante de uma coisa tão bonita, tão
simples, tão sintética e tão representativa do Brasil".
Ok, Dilma,
confessadamente, surpreendendo a todos, tem "ausência" de talento musical - a par
de suas múltiplas ausências de talento. Mas, embora tão simples para ela, a
caxirola pareceu-lhe realmente mágica: Carlinhos Brown criou um surpreendente
instrumento, representação da alma musical brasileira - inclusive nas cores,
tão inusitadas para uma Copa do Mundo no Brasil: verde e amarelo.
Mas espere:
Carlinhos, no vídeo, começa a sacudir a caxirola, Dilma e Marta ensaiam agitar
desajeitadamente a caxirola, e…surpresa de verdade: ela soa como um chocalho.
Talvez porque seja um chocalho. Um prosaico chocalho em forma de sino.
Carlinhos Brown reinventou o chocalho. Um chocalho com status - vai chacoalhar
a Copa no Brasil. Imagine 100 mil caxirolas, em uníssono, nas arquibancadas: a
vuvuzela soava como uma serenata de Mozart.
Mas espere de novo:
no texto do Planalto que acompanha a notícia da cerimônia, o redator descreve a
pretensa vuvuzela da Copa de 2014 como "um tipo de chocalho inspirado no
caxixi". Caxixi? Segundo o Wikipedia, "um pequeno cesto de palha trançada, em
forma de campânula, contendo pedaços de acrílico ou sementes, para fazê-lo
soar. No Brasil, é usado principalmente como complemento do berimbau".
Agora ligou o nome
à figura? Você já viu um tocador de berimbau segurar esse instrumento com a
mesma mão que empunha a vareta, de modo que cada pancada da vareta sobre a
corda seja acompanhada pelo som seco e vegetal do caxixi? Já? Então você já viu
e ouviu a caxirola bem antes da Copa: sim, era o caxixi. Carlinhos Brown não
apenas reinventou o chocalho como copiou o caxixi. E, num laivo de criatividade,
pintou-o de verde e amarelo, rebatizando-o de caxirola - já marcando um golaço
na estreia oficial, no Palácio do Planalto: ver Marta Suplicy sacudindo sem
graça duas caxirolas e cantando o Hino Nacional enquanto Carlinhos Brown "caxirola" a bandeira brasileira, não tem preço.
Mas Dilma parece
nunca ter ouvido um caxixi ou nem mesmo um chocalho antes. Continua tão
impressionada com o novo símbolo sonoro da Copa que não acreditou em Carlinhos
quando ele lhe disse, antes da cerimônia, que era normal fazer uma caxirola.
Normalíssimo: era só fazer um chocalho em forma de caxixi.
"O Carlinhos é um
autor e um grande artista. E ele expressa um mundo diverso, mas muito
específico, do Brasil, e especialmente da Bahia. A pluralidade, o fato de que
esse mundo tem milhões de aspectos. E agora o Carlinhos nessa sua quase ingênua
aceitação de que 'ah, não, é muito fácil fazer uma caxirola', nos encanta
porque ele combina aí a imagem, essa imagem lá, verde e amarela da caxirola,
esse fato que nós estamos falando de um plástico verde, de um país que tem a
liderança da sustentabilidade no mundo e ao mesmo tempo é um objeto capaz de
fazer duas coisas: de combinar a imagem com som e nos levar a gols".
Já posso ouvir José
Silvério gritando na final da Copa, no Maracanã: "Caxirola chacoalha as redes
da Espanha!".
Poucas coisas, além
do Edison Lobão do Diário da Dilma, mexeram tanto com ela como a caxirola:
"Eu tenho certeza
que principalmente as crianças desse país vão ter uma experiência muito
fantástica com a caxirola. O Carlinhos não disse, mas ele me falou que a
caxirola também tem um sentido transcendental de cura, de enfim, de paz com o
mundo, de estar, de fato em sintonia com a natureza e com todos os orixás".
Imagino babás
chacoalhando a caxirola diante de crianças indóceis. Também imagino médicos do
Sírio-Libanês vibrando a caxirola diante dos leitos dos seus doentes. E pais de
santo jogando minicaxirolas em vez de búzios. A coisa realmente chacoalhou
Dilma:
"Eu acredito que a
caxirola faz parte não só do futebol, mas da imensa capacidade do nosso país de
fazer um instrumento muito mais bonito que a vuvuzela".
Neste exato
momento, faltam 414 dias, 2 horas, 11 minutos e 13 segundos para começar a Copa
de fuleco, caxirola e Dilma Rousseff.
Fonte: "Direto ao Ponto"
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