Na edição passada, uma
reportagem de VEJA revelou com exclusividade parte das confissões feitas pelo
empresário Marcos Valério, o operador financeiro do mensalão,
sobre as engrenagens do maior escândalo de corrupção política da história do
país. Além de confirmar a participação decisiva no suborno a parlamentares dos
petistas José Dirceu e Delúbio Soares, que figuram como réus no processo em
curso no Supremo Tribunal Federal (STF), Valério implicou o ex-presidente Lula
no esquema - e no papel de protagonista. Valério diz que Lula era o verdadeiro
comandante da organização criminosa denunciada pelo Ministério Público. Afirma
que a quadrilha do mensalão contava com um caixa de 350 milhões de reais, o
triplo, portanto, do valor identificado pela Polícia Federal. Além disso,
ressalta que desde a eclosão do escândalo, em 2005, teve Paulo Okamotto como
interlocutor no PT. Amigo do peito e pagador de contas pessoais do
ex-presidente da República, Okamotto era fiador de um acordo que previa a
impunidade em troca do seu silêncio. O empresário desabafou: "Não podem
condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio
e o Zé não falamos".
Valério sempre ameaçou relatar em detalhes o
funcionamento do mensalão. E sempre foi contido - segundo contou a pessoas
próximas - pela promessa do ex-presidente e do PT de ajudá-lo na Justiça. Esse
acordo se manteve de pé até o início do julgamento no STF. Já condenado por
corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro, crimes que podem resultar numa
pena de mais de 100 anos de prisão, Valério resolveu compartilhar seus segredos
com um grupo seleto de confidentes. A revelação dessas conversas por VEJA desnorteou
o PT, conforme mostra
reportagem publicada na edição desta semana. Lula, um notório
entusiasta do debate em público, preferiu o silêncio ao ser confrontado com as
novas informações. Não rechaçou o que Valério contou nem tentou
desqualificá-lo. Dirceu e Delúbio seguiram o chefe. Não foi à toa. Segundo
aliados, Lula não quer desafiar Valério, que não teria mais nada a perder. Além
disso, teme que o empresário revele mais detalhes se provocado. Rebatê-lo
agora, sem saber do arsenal à disposição de Valério, seria uma estratégia de
altíssimo risco. A palavra de ordem é não comprar briga com o pivô financeiro
do mensalão. Contra-ataques, só em cima dos alvos de sempre, aqueles aos quais
os petistas recorrem, como uma conveniente muleta, toda vez que são pilhados em
irregularidades.
Essa estratégia foi seguida à risca. Na
segunda-feira, o PT divulgou uma nota conclamando a militância para "uma
batalha do tamanho do Brasil" - no caso, a defesa do partido e do ex-presidente.
O texto não faz menção às confissões de Valério. Ou seja: não explica do que
Lula deve ser defendido. Na quinta-feira, outra nota foi publicada. Ela retoma
a tese de que o mensalão e seus desdobramentos não passam de uma conspiração
urdida pela oposição e por setores da imprensa para tirar o PT do comando do
país por meio de um golpe. Esse golpe seria alimentado com a divulgação de
denúncias sem provas. Quais denúncias? A redação petista não teve coragem, de
novo, de citar as confissões de Valério, providencialmente esquecido. Fala de
uma "fantasiosa matéria veiculada pela Revista Veja". Fantasiosa, por ora, só a
nota do PT. Ela foi elaborada pelo presidente da sigla, Rui Falcão. Em seguida,
ele ligou para os presidentes de cinco partidos e pediu-lhes que subscrevessem
o texto. Não se tratou de uma solidariedade espontânea. Muito pelo contrário. O
presidente do PMDB, senador Valdir Raupp, assinou sem ler e nem sequer
consultou seus correligionários - entre eles, o vice-presidente da República, Michel
Temer. "Não concordo com a nota, mas não podia recusar um pedido do presidente
Lula", revelou um dos signatários.
O PT fabricou uma manifestação de apoio a
Lula por saber que as confissões de Valério podem ser investigadas. O
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou importantes as
revelações e declarou que poderá analisar o envolvimento de Lula no mensalão,
tal qual relatado por Valério, depois do julgamento do processo no STF. Os
petistas também esperam usar a nota assinada por presidentes de partidos
aliados no horário eleitoral gratuito. A ideia é alegar que o PT está sendo
vítima de uma conspiração de setores conservadores, os quais estariam
pressionando o Supremo - que teve sete dos seus atuais dez ministros nomeados
pelo governo petista - a condenar os réus do mensalão. O processo no STF tem
influenciado de forma negativa o desempenho dos petistas nas disputas
municipais. Imposto ao partido por Lula, Fernando Haddad está na terceira
colocação na corrida pela prefeitura paulistana. Na semana passada, num recurso
à Justiça Eleitoral, a equipe dele disse ser "degradante" a associação da
imagem de Haddad à de Dirceu e Delúbio, como tem feito o PSDB. Mais sintomático
dos efeitos do mensalão, impossível.
O PT sempre desdenhou dos impactos políticos do
caso. Numa conversa com aliados dias antes do início do julgamento no STF, Lula
disse que o processo teria "influência zero" sobre o partido e seus candidatos.
Com a mesma confiança do líder messiânico que prometera aos réus livrá-los da
condenação judicial, Lula lembrou que foi reeleito em 2006, um ano depois de
ser acossado pela ameaça de um processo de impeachment, e fez de Dilma Rousseff
sua sucessora em 2010. O mensalão seria uma mera "piada de salão". Piadinha sem
graça.Leia mais na edição de VEJA desta semana
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