Depois de condenar os políticos
que receberam propina
e sepultar definitivamente a versão de caixa dois
eleitoral,
o Supremo Tribunal Federal julga nesta semana
o núcleo do PT acusado
de montar e operar
o maior esquema de corrupção da história
Falta apenas a viga mestra no edifício legal
que vem sendo construído pelo Supremo Tribunal Federal (STF ) nos trabalhos de
julgar o milionário esquema de compra de apoio parlamentar comandado pelo PT no
primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Essa peça fundamental começa a ser delineada
nesta semana, quando os ministros passam a julgar o núcleo político do esquema,
os cabeças do alto comando do partido do governo, os principais réus do
mensalão. Uma importante fase foi superada na semana passada, quando os
ministros condenaram por corrupção passiva réus de quatro partidos que
receberam dinheiro do maior escândalo de corrupção política da história do
Brasil.
Punições foram impostas a mensaleiros de
proa, entre eles Roberto Jefferson, presidente do PTB e delator do esquema, e
Valdemar Costa Neto, deputado mandachuva do PR (antigo PL ). O STF tirou do
horizonte a tese da defesa de que as montanhas de recursos repassados a
parlamentares faziam parte de compromissos de campanha que estavam sendo
saldados com dinheiro oriundo do caixa dois do PT e, assim, abriu o caminho
jurídico para punir os responsáveis ativos pelo suborno de parlamentares, o que
deverá ocorrer a partir desta semana.
Depois de 29 sessões de julgamento, já foram
comprovados os desvios de recursos dos cofres públicos, a contratação de
empréstimos fraudulentos para esconder a origem e o destino do dinheiro sujo e
a venda de apoio político de parlamentares ligados ao PP , PMDB , PTB e PR .
Resta punir quem articulou a ação criminosa e atuou como corruptor, papéis que,
segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, foram
desempenhados pelos integrantes da cúpula petista.
Ou seja, chegou a hora da verdade para José
Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, José Genoino, ex-presidente do PT , e
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido. Eles serão julgados em primeiro lugar
pelo crime de corrupção ativa. Dado o veredicto, os ministros vão analisar as
responsabilidades da trinca petista por formação de quadrilha, crime pelo qual
também respondem o empresário Marcos Valério e outros operadores do mensalão.
Chegou a fase crucial do processo. As
condenações dos companheiros são dadas como certas pelos petistas, antes
iludidos com a miopia de que a biografia e o legado de Lula ficariam livres
dessa mancha. Ninguém mais compra aquela história da carochinha de que o PT e
Lula são vítimas de uma conspiração das elites em que a imprensa e o STF se
uniram para dar um golpe e blá-blá-blá…
Convenhamos que golpe em ex-presidente é uma
contradição em termos. Mas, para salvar a hagiologia lulista, desprezar a
lógica é apenas a parte menos obscena das manobras. Os petistas de sempre
retomaram as ameaças às instituições. André Vargas, deputado paranaense
encarregado do setor de desinformação do PT , vem atacando o STF com o
argumento de que a transmissão ao vivo do julgamento é "uma ameaça à
democracia".
Outro deputado petista, José Guimarães, mais
conhecido por ter tido um assessor preso com dezenas de milhares de dólares
escondidos na cueca, anda dizendo que a elite quer derrotar o PT "via
Judiciário e via mídia". Esses senhores deveriam dar uma olhada em volta para
constatar que o Brasil não aceita mais o retrocesso bolchevique de implantação
de um sistema político sem Justiça independente nem imprensa atuante, à moda de
Cuba e da Coreia do Norte - países vitimados pela miséria moral do
totalitarismo e em que nossos Vargas e Guimarães enxergam democracias.
Os petistas têm motivos para se preocupar. A
situação de Dirceu, Genoino e Delúbio Soares complicou-se não apenas pela
condenação dos subornados, mas porque ministros do Supremo Tribunal Federal
foram contundentes ao rechaçar a tese do caixa dois de campanha - a chicana
pela qual os petistas sonhavam em escapar do julgamento por crimes do
colarinho-branco insistindo na tese de que tudo o que fizeram foi bater umas
carteiras, o que, sustentam eles, todo político fez e faz no Brasil.
A semana passada foi crucial para o sepultamento
dessa manobra. "Nunca se viu caixa dois com dinheiro público. Quando se
verifica a presença de dinheiro público, não há que se falar em caixa dois",
disse o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo. O ministro Gilmar
Mendes manifestou a mesma convicção: "A inventiva tese do caixa dois não se
sustenta devido à origem ilícita dos recursos.
Falar de recursos não contabilizados é o
eufemismo dos eufemismos. Sem argumento para explicar o inexplicável, a defesa
se viu obrigada a admitir a prática de um crime menor". Por sua vez, o ministro
Luiz Fux afirmou ter ficado perplexo "com a leveza com que se disse que esse
dinheiro não poderia aparecer porque era caixa dois".
Uma referência aos advogados de defesa, que
sustentaram essa tese da tribuna, ou ao revisor do processo, ministro Ricardo
Lewandowski, o único que, até agora, parece ter encampado a tese da defesa.
Lewandowski foi categórico ao defender a tese
de que os repasses de recursos foram fruto de "um acordo de financiamento de
campanhas" e a acusação de compra de votos não passou de "mera inferência ou
simples conjectura". Os ministros do STF abordam os casos que lhes chegam às
mãos com base em seu saber jurídico, sua experiência passada em tribunais
inferiores ou sua atuação como advogados.
É natural que alguns enxerguem um copo vazio
onde outros o vejam transbordando. É assim nas supremas cortes de todos os
países onde a Justiça funciona em sua plenitude. Foi o que ocorreu na semana
passada no STF , em Brasília. No mesmo fato em que outros ministros viram a
prova inequívoca de um crime maior, Lewandowski divisou apenas um delito
corriqueiro.
Ele contou que em 2003, pouco depois da morte
de José Carlos Martinez, então presidente do PTB , o deputado Roberto Jefferson
pediu a Delúbio Soares 200 000 reais que pretendia repassar à namorada do
falecido, a qual, nas palavras dele, "estava desamparada".
Delúbio autorizou o saque, e o pai da moça
foi ao banco pegar o dinheiro. Lewandowski viu nessa história um fato que
desqualifica a amplitude política do mensalão. Disse ele: "Isso mostra que esse
dinheiro não financiou apenas campanha nem suposta compra de votos, mas se
prestou a amparar uma ex-namorada". Uma análise leiga, baseada apenas no senso
comum, diria que "pau que dá em Chico dá em Francisco" - a farra era tanta que
o dinheiro desviado dos cofres públicos servia a diversas finalidades.
Quem sabe a "desamparada" não tenha usado os
recursos para comprar remédios ou um pedaço de pão? Os depoimentos de
testemunhas mostram que é correta a convicção da maioria do STF , para quem o
mensalão é um crime bem mais complexo e profundo do que quer admitir o ministro
Lewandowski.
Disse Gilmar Mendes: "Essa história da
namorada só comprova que havia privatização desses recursos. Não era para
atividade partidária". Lewandowski, o revisor do processo, e Joaquim Barbosa, o
relator, são os que divergem mais forte e ruidosamente.
Em debate acalorado, Barbosa acusou
Lewandowski de ignorar provas. Foi rebatido pelo revisor e até por colegas. A
tensão deve se manifestar mais uma vez nesta semana, quando para os corruptores
ativos chegar a hora da verdade.
"O DINHEIRO ERA PARA TUDO"
A secretária Rosa Alice Valente é uma das
centenas de testemunhas do processo do mensalão ora em julgamento pelo STF.
Apesar de ter sido escalada pelo ex-líder do PP José Janene, já falecido, para
ajudar na defesa dos réus, seu depoimento acabou contribuindo para sepultar a
farsa do PT segundo a qual o megaescândalo de corrupção não passava de um
esquema de caixa dois eleitoral.
Rosa é taxativa. Confirma que o dinheiro
desviado pelos petistas era usado para o pagamento de despesas pessoais do
ex-patrão, e não para quitar dívidas de campanhas políticas. O dinheiro era
dado mesmo como propina em troca de apoio político. A pedido de José Janene,
Rosa Alice abriu e administrou uma conta bancária especificamente para receber,
por meio da corretora Bônus Banval, a mesada proveniente da parceria financeira
ilícita montada entre o PT e o empresário mineiro Marcos Valério.
Qual foi a participação da senhora no
esquema do mensalão?
Eu nunca tinha ouvido falar em mensalão. O
José Janene me mandou abrir uma conta no Banco do Brasil. Eu era tipo um office
boy dele. Não tinha noção da quantidade de dinheiro que passava por essa conta.
Quando estourou tudo, fiquei chocada com o valor. Não sei se foi inocência
minha, burrice, mas hoje vejo tudo com muito mais clareza.
Quanto essa conta recebeu em
recursos?
Acho que foi em torno de 1 milhão e meio de
reais. Eu só emprestava a conta para o Janene. Nunca recebi benefício algum.
Nunca peguei nada para mim. Assim que o dinheiro entrava, eu pagava despesas
para ele. Sempre tive conta no Banco do Brasil, minha, particular, mas abri
essa conta paralela, na mesma agência, para não misturar (o dinheiro dela com o
do mensalão).
De onde vinha o dinheiro?
O Janene me deu um cadastro, para eu
preencher, da corretora Bônus Banval. Nunca tinha ouvido falar nela. Ele me
disse que era para telefonar avisando e que o dinheiro apareceria, mas nunca
imaginei que existisse um esquema. Nunca tinha ouvido falar de Marcos Valério.
O dinheiro passou a chegar à conta. O Zé (José Janene) sempre foi um cara rico.
O que a senhora fazia quando o
dinheiro era repassado pela Bônus Banval?
Pagava as contas do Janene. Contas de tudo o
que você imagina. Grande parte do dinheiro foi para aquela casa dele em
Londrina. Eu fazia uma planilha e colocava o que tinha de pagar - funcionários,
leasing de carro, insumos para a fazenda dele, arame e até supermercado, tudo.
Ele me perguntava de quanto eu ia precisar numa determinada semana. Eu
respondia. Aí, ele me mandava ligar para a Bônus Banval e pedir o dinheiro. No
fim da semana, eu prestava contas, mostrava os recibos.
A senhora chegou a distribuir
dinheiro a candidatos no estado?
Não. Eu nunca saí aqui de Londrina.
A
vida da senhora mudou depois do mensalão?
Estou com os bens bloqueados. Não sei quando
isso vai se resolver. Recebi uma multa pesada da Receita por causa da
movimentação financeira naquela conta paralela. Minha vida virou de cabeça para
baixo, mas não quero falar muito sobre esse esquema, porque essas coisas só
sobram para os pequenininhos. O Zé sempre foi uma pessoa muito boa para mim. Eu
sofri muito com a morte dele.
Fonte: "Veja"
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