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domingo, 30 de setembro de 2012

"Mensalão: Chegou a vez de José Dirceu e companhia"


Depois de condenar os políticos que receberam propina
e sepultar definitivamente a versão de caixa dois eleitoral,
o Supremo Tribunal Federal julga nesta semana
o núcleo do PT acusado de montar e operar
o maior esquema de corrupção da história

 
CÚPULA MENSALEIRA - O STF vai julgar os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino por crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha (Montagem sobre fotos Caio Guatelli/Folhapress/Cristiano Mariz e Dorivan Marinho)
Falta apenas a viga mestra no edifício legal que vem sendo construído pelo Supremo Tribunal Federal (STF ) nos trabalhos de julgar o milionário esquema de compra de apoio parlamentar comandado pelo PT no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Essa peça fundamental começa a ser delineada nesta semana, quando os ministros passam a julgar o núcleo político do esquema, os cabeças do alto comando do partido do governo, os principais réus do mensalão. Uma importante fase foi superada na semana passada, quando os ministros condenaram por corrupção passiva réus de quatro partidos que receberam dinheiro do maior escândalo de corrupção política da história do Brasil.
Punições foram impostas a mensaleiros de proa, entre eles Roberto Jefferson, presidente do PTB e delator do esquema, e Valdemar Costa Neto, deputado mandachuva do PR (antigo PL ). O STF tirou do horizonte a tese da defesa de que as montanhas de recursos repassados a parlamentares faziam parte de compromissos de campanha que estavam sendo saldados com dinheiro oriundo do caixa dois do PT e, assim, abriu o caminho jurídico para punir os responsáveis ativos pelo suborno de parlamentares, o que deverá ocorrer a partir desta semana.
Depois de 29 sessões de julgamento, já foram comprovados os desvios de recursos dos cofres públicos, a contratação de empréstimos fraudulentos para esconder a origem e o destino do dinheiro sujo e a venda de apoio político de parlamentares ligados ao PP , PMDB , PTB e PR . Resta punir quem articulou a ação criminosa e atuou como corruptor, papéis que, segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, foram desempenhados pelos integrantes da cúpula petista.
Ou seja, chegou a hora da verdade para José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, José Genoino, ex-presidente do PT , e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido. Eles serão julgados em primeiro lugar pelo crime de corrupção ativa. Dado o veredicto, os ministros vão analisar as responsabilidades da trinca petista por formação de quadrilha, crime pelo qual também respondem o empresário Marcos Valério e outros operadores do mensalão.
Chegou a fase crucial do processo. As condenações dos companheiros são dadas como certas pelos petistas, antes iludidos com a miopia de que a biografia e o legado de Lula ficariam livres dessa mancha. Ninguém mais compra aquela história da carochinha de que o PT e Lula são vítimas de uma conspiração das elites em que a imprensa e o STF se uniram para dar um golpe e blá-blá-blá…
Convenhamos que golpe em ex-presidente é uma contradição em termos. Mas, para salvar a hagiologia lulista, desprezar a lógica é apenas a parte menos obscena das manobras. Os petistas de sempre retomaram as ameaças às instituições. André Vargas, deputado paranaense encarregado do setor de desinformação do PT , vem atacando o STF com o argumento de que a transmissão ao vivo do julgamento é "uma ameaça à democracia".
Outro deputado petista, José Guimarães, mais conhecido por ter tido um assessor preso com dezenas de milhares de dólares escondidos na cueca, anda dizendo que a elite quer derrotar o PT "via Judiciário e via mídia". Esses senhores deveriam dar uma olhada em volta para constatar que o Brasil não aceita mais o retrocesso bolchevique de implantação de um sistema político sem Justiça independente nem imprensa atuante, à moda de Cuba e da Coreia do Norte - países vitimados pela miséria moral do totalitarismo e em que nossos Vargas e Guimarães enxergam democracias.
Os petistas têm motivos para se preocupar. A situação de Dirceu, Genoino e Delúbio Soares complicou-se não apenas pela condenação dos subornados, mas porque ministros do Supremo Tribunal Federal foram contundentes ao rechaçar a tese do caixa dois de campanha - a chicana pela qual os petistas sonhavam em escapar do julgamento por crimes do colarinho-branco insistindo na tese de que tudo o que fizeram foi bater umas carteiras, o que, sustentam eles, todo político fez e faz no Brasil.
A semana passada foi crucial para o sepultamento dessa manobra. "Nunca se viu caixa dois com dinheiro público. Quando se verifica a presença de dinheiro público, não há que se falar em caixa dois", disse o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo. O ministro Gilmar Mendes manifestou a mesma convicção: "A inventiva tese do caixa dois não se sustenta devido à origem ilícita dos recursos.
Falar de recursos não contabilizados é o eufemismo dos eufemismos. Sem argumento para explicar o inexplicável, a defesa se viu obrigada a admitir a prática de um crime menor". Por sua vez, o ministro Luiz Fux afirmou ter ficado perplexo "com a leveza com que se disse que esse dinheiro não poderia aparecer porque era caixa dois".
Uma referência aos advogados de defesa, que sustentaram essa tese da tribuna, ou ao revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, o único que, até agora, parece ter encampado a tese da defesa.
Lewandowski foi categórico ao defender a tese de que os repasses de recursos foram fruto de "um acordo de financiamento de campanhas" e a acusação de compra de votos não passou de "mera inferência ou simples conjectura". Os ministros do STF abordam os casos que lhes chegam às mãos com base em seu saber jurídico, sua experiência passada em tribunais inferiores ou sua atuação como advogados.
É natural que alguns enxerguem um copo vazio onde outros o vejam transbordando. É assim nas supremas cortes de todos os países onde a Justiça funciona em sua plenitude. Foi o que ocorreu na semana passada no STF , em Brasília. No mesmo fato em que outros ministros viram a prova inequívoca de um crime maior, Lewandowski divisou apenas um delito corriqueiro.
Ele contou que em 2003, pouco depois da morte de José Carlos Martinez, então presidente do PTB , o deputado Roberto Jefferson pediu a Delúbio Soares 200 000 reais que pretendia repassar à namorada do falecido, a qual, nas palavras dele, "estava desamparada".
Delúbio autorizou o saque, e o pai da moça foi ao banco pegar o dinheiro. Lewandowski viu nessa história um fato que desqualifica a amplitude política do mensalão. Disse ele: "Isso mostra que esse dinheiro não financiou apenas campanha nem suposta compra de votos, mas se prestou a amparar uma ex-namorada". Uma análise leiga, baseada apenas no senso comum, diria que "pau que dá em Chico dá em Francisco" - a farra era tanta que o dinheiro desviado dos cofres públicos servia a diversas finalidades.
Quem sabe a "desamparada" não tenha usado os recursos para comprar remédios ou um pedaço de pão? Os depoimentos de testemunhas mostram que é correta a convicção da maioria do STF , para quem o mensalão é um crime bem mais complexo e profundo do que quer admitir o ministro Lewandowski.
Disse Gilmar Mendes: "Essa história da namorada só comprova que havia privatização desses recursos. Não era para atividade partidária". Lewandowski, o revisor do processo, e Joaquim Barbosa, o relator, são os que divergem mais forte e ruidosamente.
Em debate acalorado, Barbosa acusou Lewandowski de ignorar provas. Foi rebatido pelo revisor e até por colegas. A tensão deve se manifestar mais uma vez nesta semana, quando para os corruptores ativos chegar a hora da verdade.
"O DINHEIRO ERA PARA TUDO"
A secretária Rosa Alice Valente é uma das centenas de testemunhas do processo do mensalão ora em julgamento pelo STF. Apesar de ter sido escalada pelo ex-líder do PP José Janene, já falecido, para ajudar na defesa dos réus, seu depoimento acabou contribuindo para sepultar a farsa do PT segundo a qual o megaescândalo de corrupção não passava de um esquema de caixa dois eleitoral.
Rosa é taxativa. Confirma que o dinheiro desviado pelos petistas era usado para o pagamento de despesas pessoais do ex-patrão, e não para quitar dívidas de campanhas políticas. O dinheiro era dado mesmo como propina em troca de apoio político. A pedido de José Janene, Rosa Alice abriu e administrou uma conta bancária especificamente para receber, por meio da corretora Bônus Banval, a mesada proveniente da parceria financeira ilícita montada entre o PT e o empresário mineiro Marcos Valério.
Qual foi a participação da senhora no esquema do mensalão?
Eu nunca tinha ouvido falar em mensalão. O José Janene me mandou abrir uma conta no Banco do Brasil. Eu era tipo um office boy dele. Não tinha noção da quantidade de dinheiro que passava por essa conta. Quando estourou tudo, fiquei chocada com o valor. Não sei se foi inocência minha, burrice, mas hoje vejo tudo com muito mais clareza.
Quanto essa conta recebeu em recursos?
Acho que foi em torno de 1 milhão e meio de reais. Eu só emprestava a conta para o Janene. Nunca recebi benefício algum. Nunca peguei nada para mim. Assim que o dinheiro entrava, eu pagava despesas para ele. Sempre tive conta no Banco do Brasil, minha, particular, mas abri essa conta paralela, na mesma agência, para não misturar (o dinheiro dela com o do mensalão).
De onde vinha o dinheiro?
O Janene me deu um cadastro, para eu preencher, da corretora Bônus Banval. Nunca tinha ouvido falar nela. Ele me disse que era para telefonar avisando e que o dinheiro apareceria, mas nunca imaginei que existisse um esquema. Nunca tinha ouvido falar de Marcos Valério. O dinheiro passou a chegar à conta. O Zé (José Janene) sempre foi um cara rico.
O que a senhora fazia quando o dinheiro era repassado pela Bônus Banval?
Pagava as contas do Janene. Contas de tudo o que você imagina. Grande parte do dinheiro foi para aquela casa dele em Londrina. Eu fazia uma planilha e colocava o que tinha de pagar - funcionários, leasing de carro, insumos para a fazenda dele, arame e até supermercado, tudo. Ele me perguntava de quanto eu ia precisar numa determinada semana. Eu respondia. Aí, ele me mandava ligar para a Bônus Banval e pedir o dinheiro. No fim da semana, eu prestava contas, mostrava os recibos.
A senhora chegou a distribuir dinheiro a candidatos no estado?
Não. Eu nunca saí aqui de Londrina.
A vida da senhora mudou depois do mensalão?
Estou com os bens bloqueados. Não sei quando isso vai se resolver. Recebi uma multa pesada da Receita por causa da movimentação financeira naquela conta paralela. Minha vida virou de cabeça para baixo, mas não quero falar muito sobre esse esquema, porque essas coisas só sobram para os pequenininhos. O Zé sempre foi uma pessoa muito boa para mim. Eu sofri muito com a morte dele.
Fonte: "Veja"

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