Por J. R.
Guzzo
O deputado federal Romário de Souza Faria, do
Rio de Janeiro, destacou-se nos seus tempos de jogador profissional de futebol
por ser um craque e por duas características pessoais. A primeira é que tinha o
hábito de pensar. A segunda é que costumava dizer exatamente o que pensava.
Entre o muito que disse, uma de suas melhores frases ficou gravada até hoje: "O
Pelé calado é um poeta". Foi a sua maneira de recordar um velho e sábio ditado:
"O silêncio é de ouro". As palavras do deputado poderiam ser perfeitamente
aplicadas, hoje, à presidente Dilma Rousseff. Em diversas ocasiões, ela achou
melhor não falar nada em relação a assuntos delicados - não chegou a ser,
nesses casos, uma poeta, mas mostrou-se certamente uma boa chefe de Estado.
Nunca disse uma palavra, por exemplo, sobre a
hostilidade contra a imprensa livre que o PT, guiado pelo ex-presidente Lula,
faz questão de ficar exibindo em público o tempo todo. Seu silêncio, aí, tem o
peso de 1 tonelada - informa ao comitê central do partido, ao manter a boca
fechada, que ela está fora dessa e que é melhor não contarem com seu apoio na
cruzada pelo "controle social" da mídia. Tem guardado, também, um silêncio de
carmelita sobre o julgamento do mensalão. O recado, no fundo, é o mesmo: não
esperem que eu convoque as "forças populares" para pressionar o STF nem queiram
que eu tente salvar o couro de ninguém.
Quando a presidente resolve falar, porém,
muita gente logo lembra a frase de Romário em relação a Pelé. Dilma, em muitos
desses momentos, continua não sendo uma poeta - e deixa de ser uma boa chefe de
Estado. Ainda recentemente, por exemplo, teve a ideia de vir com um documento
oficial - uma nota da Presidência da República - para repreender um artigo do
ex-presidente Fernando Henrique em O Estado de S. Paulo no qual ele
refletia sobre a herança horrorosa que Lula deixou para o atual governo. Para
que isso? A nota até foi educada, mas Dilma perdeu, aí, uma bela oportunidade
de acrescentar uma terceira medalha de ouro à sua coleção. Sua função é
presidir o Brasil, e não ficar respondendo a artigos de jornal - afinal de
contas, Fernando Henrique pode ser um ex-presidente muito benquisto, mas,
tecnicamente, é hoje um mero cidadão comum. Além disso, não escreveu nada de
mais; deu apenas algumas opiniões, sem ofender ninguém. Se Dilma ficar
aborrecida com esse tipo de coisa, vai passar o resto de seu governo escrevendo
notas de protesto.
A maior chance recente que perdeu de ficar
calada, porém, apareceu na presente campanha eleitoral. Dilma, no programa
obrigatório de propaganda na televisão, e investida de toda a majestade de seu
cargo, disse que há nos cofres do Governo Federal muita verba destinada a São
Paulo - e que, se o candidato do PT à Prefeitura ganhar, tais recursos serão
entregues ao município. Como assim? De duas, uma: ou esse dinheiro não existe,
e aí a presidente mentiu; ou existe, e aí ela tem a obrigação de entregá-lo já,
pois pertence à população de São Paulo, e não a seu patrimônio pessoal. Segurar
recursos públicos devidos a um município, sobretudo à sua população mais pobre,
e ameaçar os eleitores de só soltar a verba se votarem em quem ela quer, é
provavelmente contra a lei e certamente contra a decência comum. Estaria a
presidente dizendo que há dois tipos de pessoa no Brasil - as que votam no PT e
são bem tratadas por seu governo e as que votam contra e tornam-se cidadãos de
segunda classe?
Dilma nunca se lembra de que quase 44 milhões
de brasileiros não votaram nela na eleição presidencial, a única em que foi
candidata. Seria bom que lembrasse de vez em quando, pois essas pessoas não
podem ser desintegradas e sumir no espaço; continuam sendo cidadãos do Brasil,
pagam impostos e têm exatamente os mesmos direitos dos outros 56 milhões que
lhe deram seus votos. A presidente pode não gostar disso, mas tem pouco a
ganhar deixando tão claro que não gosta. É só recordar as virtudes do silêncio.
Fonte:
Revista "Exame", edição desta quinzena
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