Está na revista "Época":
Não há resposta exata para esta pergunta, mas pode-se dizer que ser deputado hoje custa mais caro do que antes do último escândalo parlamentar – a farra das passagens aéreas –, porém menos do que vai custar depois da próxima revelação. A profissão de político, digamos assim, é cada vez mais rentável para os espertos e menos respeitável para os honestos. Rever as regras de acesso à carreira e os custos de manutenção do mandato tornou-se vantajoso para os dois tipos de político.
Somente esse raciocínio pragmático, na realidade um cálculo amoral, autoriza a expectativa de que, desta vez, o Congresso se anime a promover uma reforma política e eleitoral básica. Coisa mínima: financiamento público de campanhas eleitorais e o voto em listas de candidatos elaboradas pelos partidos políticos. Não se trata de questões doutrinárias, mas de uma angústia que vem tomando conta da “massa” de deputados, aquela porção majoritária da Câmara que só aparece nos jornais quando sai uma nova lista de desmandos, nomeações suspeitas, votações manobradas pelo Executivo. Uma questão de sobrevivência, irmão.
É ilusório resumir o custo da eleição ao que o candidato recebe como contribuição de terceiros para a campanha – seja a parte declarada à Justiça Eleitoral, seja o que entra pelo caixa dois, se isso fosse eventualmente registrado. A reprodução do mandato parlamentar está vinculada a uma série de “serviços prestados” pelo deputado a seus eleitores e às corporações e grupos econômicos a que está vinculado. Isso inclui desde o esforço (muitas vezes remunerado) pela aprovação de um projeto ou de uma emenda ao Orçamento até favores comezinhos, como a distribuição de passagens aéreas, o pagamento da conta da farmácia do eleitor mais pobre, o jogo de camisas para o time de futebol da cidade.
Falou-se na semana do deputado que deu passagens para a delegação do time do Ceará, mas já houve um, de Goiás, que contratou metade de um time de futebol, do meio-campo ao ponta-esquerda, como “funcionários do gabinete”. Era o glorioso Itumbiara. O que se comenta agora nos corredores da Câmara é que esse tipo de “serviço” é cada vez mais solicitado. Ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil prestá-lo sem ser apanhado nas muitas redes de fiscalização dos gastos públicos. A imprensa é só uma das peças dessa rede, que inclui ONGs, o Ministério Público e os adversários políticos.
Por sobrevivência, os parlamentares podem se animar a fazer uma reforma política básica
Se algum deputado lhe disser que o financiamento público é o remédio para acabar com a corrupção eleitoral e com o abuso do poder econômico, mande-o cantar noutra freguesia. Esses males só vão acabar quando a eleição for decidida por sorteio, se ninguém viciar a gôndola. Mas o financiamento público vai proporcionar uma base mínima de recursos para os candidatos e pode reduzir os desequilíbrios nas eleições. Da mesma forma, não acredite em quem diz que o voto em listas fortalece os partidos e aumenta a qualidade da representação. Na prática, ele transfere para a vida interna dos partidos a carnificina atual, em que candidatos de uma mesma legenda se destroem, competindo em público pelo mesmo eleitorado.
Com todas as limitações, essas duas mudanças contribuem para tornar mais higiênica a disputa eleitoral. É melhor adotá-las do que deixar o carro seguir na direção do abismo. Há dois anos, quando o voto em lista e o financiamento foram submetidos ao plenário da Câmara, faltaram menos de 50 votos para que fossem aprovados. Depois do escândalo das passagens, as chances de mudança subiram 100%. O instinto de sobrevivência pode empurrar nessa direção os chefes de bancadas e os comandantes da Câmara e do Senado, mas, tratando-se do Congresso, apostar no melhor é sempre um risco.
Para concluir, um pouco da inteligência do jornalista Alon Feuerwerker sobre o paradoxo do Legislativo no Brasil. “Vinte anos depois de a Constituinte desenhar um sistema que deveria fortalecê-lo, o Congresso está mais fraco do que nunca esteve. Uma possível explicação está em analisar até que ponto na política a força em excesso e a ausência de controles conduzem paradoxalmente a situações de fraqueza.” Nosso Congresso, diz Alon, parece o computador Hall 9000, de 2001 – Uma odisseia no espaço: criado para ser perfeito e poderoso, transformou-se em perigoso desastre.
Somente esse raciocínio pragmático, na realidade um cálculo amoral, autoriza a expectativa de que, desta vez, o Congresso se anime a promover uma reforma política e eleitoral básica. Coisa mínima: financiamento público de campanhas eleitorais e o voto em listas de candidatos elaboradas pelos partidos políticos. Não se trata de questões doutrinárias, mas de uma angústia que vem tomando conta da “massa” de deputados, aquela porção majoritária da Câmara que só aparece nos jornais quando sai uma nova lista de desmandos, nomeações suspeitas, votações manobradas pelo Executivo. Uma questão de sobrevivência, irmão.
É ilusório resumir o custo da eleição ao que o candidato recebe como contribuição de terceiros para a campanha – seja a parte declarada à Justiça Eleitoral, seja o que entra pelo caixa dois, se isso fosse eventualmente registrado. A reprodução do mandato parlamentar está vinculada a uma série de “serviços prestados” pelo deputado a seus eleitores e às corporações e grupos econômicos a que está vinculado. Isso inclui desde o esforço (muitas vezes remunerado) pela aprovação de um projeto ou de uma emenda ao Orçamento até favores comezinhos, como a distribuição de passagens aéreas, o pagamento da conta da farmácia do eleitor mais pobre, o jogo de camisas para o time de futebol da cidade.
Falou-se na semana do deputado que deu passagens para a delegação do time do Ceará, mas já houve um, de Goiás, que contratou metade de um time de futebol, do meio-campo ao ponta-esquerda, como “funcionários do gabinete”. Era o glorioso Itumbiara. O que se comenta agora nos corredores da Câmara é que esse tipo de “serviço” é cada vez mais solicitado. Ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil prestá-lo sem ser apanhado nas muitas redes de fiscalização dos gastos públicos. A imprensa é só uma das peças dessa rede, que inclui ONGs, o Ministério Público e os adversários políticos.
Por sobrevivência, os parlamentares podem se animar a fazer uma reforma política básica
Se algum deputado lhe disser que o financiamento público é o remédio para acabar com a corrupção eleitoral e com o abuso do poder econômico, mande-o cantar noutra freguesia. Esses males só vão acabar quando a eleição for decidida por sorteio, se ninguém viciar a gôndola. Mas o financiamento público vai proporcionar uma base mínima de recursos para os candidatos e pode reduzir os desequilíbrios nas eleições. Da mesma forma, não acredite em quem diz que o voto em listas fortalece os partidos e aumenta a qualidade da representação. Na prática, ele transfere para a vida interna dos partidos a carnificina atual, em que candidatos de uma mesma legenda se destroem, competindo em público pelo mesmo eleitorado.
Com todas as limitações, essas duas mudanças contribuem para tornar mais higiênica a disputa eleitoral. É melhor adotá-las do que deixar o carro seguir na direção do abismo. Há dois anos, quando o voto em lista e o financiamento foram submetidos ao plenário da Câmara, faltaram menos de 50 votos para que fossem aprovados. Depois do escândalo das passagens, as chances de mudança subiram 100%. O instinto de sobrevivência pode empurrar nessa direção os chefes de bancadas e os comandantes da Câmara e do Senado, mas, tratando-se do Congresso, apostar no melhor é sempre um risco.
Para concluir, um pouco da inteligência do jornalista Alon Feuerwerker sobre o paradoxo do Legislativo no Brasil. “Vinte anos depois de a Constituinte desenhar um sistema que deveria fortalecê-lo, o Congresso está mais fraco do que nunca esteve. Uma possível explicação está em analisar até que ponto na política a força em excesso e a ausência de controles conduzem paradoxalmente a situações de fraqueza.” Nosso Congresso, diz Alon, parece o computador Hall 9000, de 2001 – Uma odisseia no espaço: criado para ser perfeito e poderoso, transformou-se em perigoso desastre.
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