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domingo, 16 de dezembro de 2007

É preciso separar o joio do trigo

Transcrito do Blog Reinaldo Azevedo:
Viram só? A CPMF foi rejeitada, e, por incrível que pareça, o mundo não acabou. E nem vai acabar quando o país começar a viver os efeitos práticos da medida. Apenas ficaram claras algumas falácias. A maior delas é esta: com CPMF e tudo, o Brasil está sendo varrido por um surto inédito de dengue, por exemplo. Com CPMF e tudo, não se consegue fazer remédio chegar aos indiozinhos. O ministro José Gomes Temporão apareceu na mídia mais associado à obsessão em descriminalizar o aborto, o que iria onerar ainda mais o sistema de Saúde, do que ao combate ao mosquito. O governo Lula tem sorte, mas é incompetente. Gasta mal. Durante todo o tempo, parte da imprensa tratou a CPMF como se fosse uma nova contribuição, a solução definitiva. Ela já existia e, no entanto... Quanto mais dinheiro se der na mão do governo, mais irresponsavelmente ele vai gastar. É um truísmo. Não requer demonstração.
Leitores, vejam as análises com cuidado e separem as várias qualidades de joio. Há o joio do adesismo explícito, aquele dos anões e mascates, dos tocadores de tuba. É fácil de identificar. Seus próceres são tão escancaradamente lulistas, que não resta margem para dúvida. E há o outro joio, aqueles que são um tanto críticos ao governo porque o querem ainda mais à esquerda. O que deploram em Lula? O fato de que ele teria cedido ao mercado. Estes são os “dualéticos”. Lastimam que o Apedeuta seja a continuidade de FHC, mas, ao mesmo tempo, dizem que o ex-presidente tem “inveja” do petista. Inveja do quê? De ter havido uma continuidade na economia? São diferentes. Mas, é certo, eles se confundem e abraçam causas comuns. No caso da CPMF, saíram rosnando contra os senadores tucanos e o DEM. Os dois partidos teriam sido incoerentes. Um e outro grupo acham que incoerência deve ser um monopólio de Lula e do PT.
Mais uma coisa os une: a satanização da política. Mas não de qualquer política. Apenas daquela que seria feita pelo que chamam “direita”. E elegeram um inimigo a ser combatido ferranhamente: o DEM. Vejam que formidável: o PT estaria querendo recriar a CPMF em razão das necessidades objetivas da Saúde. Não haveria nisso escolha, mas uma espécie de determinação dos fatos - um fatalismo mesmo. Aprovar a contribuição seria um desdobramento lógico, fruto do processo, um evento caído da árvore dos acontecimentos. Por contraste, tentar barrar a CPMF, então, corresponderia a marchar na contramão da história, a uma reação - à manifestação de um reacionarismo. Não se faz jornalismo assim, não, senhores: apenas peroração ideológica.
Em um ano, a elevação da arrecadação, num economia que está crescendo - e, portanto, ela continuará alta -, garantiu ao governo Lula não só o valor correspondente à CPMF, como uma sobra de R$ 6 bilhões. Isso é fato, não é gosto; é um dado da realidade, não uma escolha. Se é verdade que se quer mesmo diminuir a carga tributária, então nunca melhor momento do que este. Mas isso ainda é uma questão por demais geral, só de lógica. É o argumento fácil. Tio Rei gosta de argumentos difíceis.
Se, entre os motivos do DEM e do PSDB para votar contra a CPMF estiver a tentativa de tirar a sobra de caixa de Lula para promover gastança suplementar - já que dinheiro não falta -, qual é o problema? É uma escolha política. Não vejo por que as oposições devam criar facilidades para Lula já que, nos cinco anos em que governa sobre o palanque, não houve dia (e ele fala todo dia, várias vezes por dia) em que ele não tenha feito tabula rasa do governo que o antecedeu. Ele seria destituído de qualquer virtude. Ao contrário: Lula afirma ter herdado apenas problemas, jamais soluções. E vocês sabem que é mentira.
Por que facilitar a vida de Lula? “Isso é apostar no ‘quanto pior, melhor’”. Bobagem. Isso corresponde a não arcar com a tarefa de ser linha auxiliar do governo nas medidas impopulares e de ser expropriado da própria história quando se trata de exaltar as virtudes do país. O que quer o Apedeuta? Os votos do DEM e do PSDB para que possa, com mais facilidade e mais dinheiro, achincalhar o PSDB e o DEM? Ora, diabos! Por que não trata de organizar a sua própria e gigantesca base, parte dela, não custa lembrar, comprada com o dinheiro público do mensalão?
Será que tudo o que se opõe, então, ao governo Lula é evidência de resistência democrática? Nem tudo (ver abaixo). No caso da CPMF, sim. E a razão é muito simples: quis-se tirar do Congresso, mais uma vez, o direito de escolher. Construiu-se uma racionália política em que a única coisa legitima e democrática a fazer era aprovar a CPMF. A despeito dos números, a despeito dos fatos. José Gomes Temporão precisa de mais competência, não de mais dinheiro.
E para finalizar: que moral tem para rejeitar a CPMF um Senado que absolve Renan? Epa! Vamos começar a debater a política “desde as musas”, como diria o poeta Horácio? Então terei de perguntar: que moral tem para pedir a CPMF quem torra R$ 1 bilhão numa TV que ninguém vê? Que moral tem para pedir a CPMF quem foi o principal beneficiário do mensalão? Ou só o Legislativo estaria obrigado a ser moral?

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