Por Ruth de Aquino
Os 35 anos do Partido dos Trabalhadores não poderiam ser comemorados sob
nuvens mais negras. O número do PT é 13 e também são 13 os anos no Poder.
Fundado no auditório de um colégio de freiras em 1980, o PT parece a bela
adormecida. Alheio ao caos a sua volta, num sono profundo, enfeitiçado pela
bruxa e à espera de um príncipe encantado que resgate sua vida, sua moral, seus
valores, seus súditos e seus sonhos. O príncipe não aparecerá. Ele já abandonou
o castelo e se juntou aos aliados amotinados, que sentiram algo de podre no
reino.
O tesoureiro foi
recolhido em casa por policiais que precisaram pular o muro. Ele não explica
como o PT tesourou o Brasil em cerca de US$ 200 milhões em propinas para
entregar tudo ao rei e à rainha - caso sejam verdadeiras as denúncias do
delator. Como erguer com orgulho, no aniversário, o punho e a estrela vermelha
de cinco pontas? Em outros tempos, punho erguido era símbolo de luta, de
dignidade. Foi vulgarizado pelos condenados por improbidade. Hoje, o presidente
nacional do PT, Rui Falcão, não convence ao afirmar: "Não aceitamos o estigma
da corrupção, somos um partido honesto, que cumpre as leis". Palavras de pomba
ou de falcão?
Não há alegria na
constatação de que um partido de esquerda traiu de forma tão desavergonhada
seus ideais de ética e transparência. O deputado federal Chico Alencar, um dos
fundadores do PT, chorou em 2005 quando soube do caixa dois pago pelo operador
Marcos Valério e pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, ao marqueteiro
Duda Mendonça - para eleger Lula. O cartaz no Congresso, rabiscado por petistas
desiludidos, dizia: "Não em nosso nome".
Mal sabíamos que
era um episódio cândido, diante das perversidades com o dinheiro público que o
PT, em vez de frear, aprofundou. Em 2005, Lula disse: "Estou com o peito
doendo. A gente não precisava estar vivendo isso. Nunca participei de
arrecadação de campanha". Agora, uma década depois, Chico Alencar lembra versos
de Chico Buarque que o emocionaram durante anos após sair do PT. São da
canção "Meia-noite": Seu navio
carregado de ideais/que foram escorrendo feito grãos/as estrelas que não voltam
nunca mais/e um oceano para lavar as mãos.
"Durante um bom
tempo eu chorava quando ouvia essa música. Mas esses grãos nem existem mais. A
nau do PT é um navio pirata que não escolhe porto, saqueia o que vê pela
frente", disse o deputado federal do Psol do Rio de Janeiro, formado em
história. "No início do século passado, o sociólogo Robert Michels já falava da
degeneração dos partidos operários quando chegavam ao Poder, com suas
burocracias, nomenclaturas, oligarquias. O PT é mais um."
Em 2002, Lula, pela
quarta vez candidato a presidente, disse aos companheiros: "Cansei de disputar
eleição só para marcar posição. Que o partido se vire. Quero vencer". Duda
Mendonça era conhecido como "o bruxo das campanhas", um marqueteiro capaz de
fazer o Maluf parecer honesto. Petistas éticos pediram a Delúbio que publicasse
os gastos da campanha com transparência. "Transparência demais é burrice",
respondeu Delúbio numa reunião do diretório.
Burrice foi, depois
do mensalão, continuar a tesourar o país usando sua maior estatal, a Petrobras,
em conluio com empreiteiras. "Nem o mais desvairado dos privatistas conseguiria
fazer com a Petrobras o que o PT fez", diz Chico Alencar. Os programas sociais
do Brasil não rivalizam nem de longe com os desfalques que vêm à tona na
Operação Lava Jato. É constrangedor para o PT comemorar aniversário como se
fosse uma vítima das circunstâncias.
Aniversário deve
servir para rever a vida, mudar atitudes nefastas, posturas egoístas, descuidos
com a saúde. Em seus 35 anos, o PT deveria retomar uma tradição esquecida da
esquerda e fazer profunda autocrítica. Se continuar nessa de celebração,
desagravo público e chororô de perseguido pela mídia, aprofundará a decadência.
Não adianta culpar antecessores e tucanos. O pecado do pregador choca muito
mais que o pecado do pecador. O PT traiu suas promessas. Entre sua eleição e a
posse, Lula disse: "Não temos o direito de errar". Abusou do erro. Hoje, o PT é
engolido até por aliados.
Uma multidão de
militantes interpreta as críticas a Dilma como "golpe". Isso é "falta de
assunto", como disse Zé Dirceu em 1999 ao pedir o impeachment de Fernando
Henrique Cardoso por manobrar o câmbio em seu favor. Sem Graça Foster de
para-raios, Dilma está mais vulnerável sim. O que não é nada bom para o Brasil.
O petrolão é péssimo não só para os partidos e a economia, mas para a
deterioração de nosso cotidiano e nossa autoestima. A bandidagem de cima
estimula a bandidagem de baixo. O desencanto com o Brasil é ruim para a
saúde.
Fonte: Revista "Época"
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