Por
Reinaldo Azevedo
Jamais votaria em Marina Silva. Já expus aqui alguns dos meus
motivos. E também na minha coluna de sexta na Folha. Vou avançar. Desde que
me ocupo da política, como jornalista, meu esforço é para tirá-la do terreno da
mitologia e trazê-la para o da razão - inclusive o da razão pratica. "Poderia
votar em Dilma contra Marina, Reinaldo?" Também é impossível. Os petistas me
incluíram numa lista negra de jornalistas. Eles querem a minha cabeça e, se
pudessem, pediriam a meus patrões que me botassem na rua. Desconfio até que já
tenha pedido - não sei. Mas não levaram. Não sou suicida. Não me ofereço
àqueles que se pretendem meus feitores. Mas, reitero, nem tudo o que não é PT
me serve - e Marina não me serve. Mais: acho que alguns de seus ditos "conselheiros" estão perdendo o juízo e querendo se comportar como os Catões da
República. Já chego lá.
Os cardeais da papisa
Marina Silva não é candidata a presidente da República, mas a papisa de uma seita herética - e suas heresias são praticadas contra a democracia representativa. Ela não concede entrevistas. Seus cardeais falam por ela. À Folha, quem garantiu a independência do Banco Central foi Maria Alice Setúbal. Já expliquei e insisto: se o sócio de um grande banco viesse a fazer tal promessa como porta-voz do tucano Aécio Neves ou da petista Dilma Rousseff, nós, da imprensa, não perdoaríamos o deslize. Como se trata de Marina, parece evidência de sabedoria. Tenham paciência! Banqueiros não podem fazer política? Podem e devem. Mas convém não misturar carne com leite nessas coisas. E ponto.
Marina Silva não é candidata a presidente da República, mas a papisa de uma seita herética - e suas heresias são praticadas contra a democracia representativa. Ela não concede entrevistas. Seus cardeais falam por ela. À Folha, quem garantiu a independência do Banco Central foi Maria Alice Setúbal. Já expliquei e insisto: se o sócio de um grande banco viesse a fazer tal promessa como porta-voz do tucano Aécio Neves ou da petista Dilma Rousseff, nós, da imprensa, não perdoaríamos o deslize. Como se trata de Marina, parece evidência de sabedoria. Tenham paciência! Banqueiros não podem fazer política? Podem e devem. Mas convém não misturar carne com leite nessas coisas. E ponto.
Na Folha desta segunda, mais um cardeal
do "marinismo", Eduardo Giannetti, fala em nome de Marina. Também ele acena
para os mercados com a independência do Banco Central, mas o centro de sua
entrevista é outro: quer a conciliação política "dos bons", entendem? Marina,
diz ele, pretende governar com o apoio de Lula e de FHC. Ninguém lhe perguntou - e não sei se vão perguntar - por que não se fez antes se é tão fácil. A
rigor, em todos os conflitos do mundo, dos mais amenos aos mais sangrentos,
sempre se poderia fazer esta indagação: "Por que não, então, juntar os opostos,
juntar os litigantes?"
Giannetti teve uma ideia que poderia, enfim, ter evitado todas as
guerras, até a de Troia, como num poema de Mário Faustino: "Estava lá Aquiles,
que abraçava/ Enfim Heitor, secreto personagem/ Do sonho que na tenda o
torturava". No seu mundo, como no do poema, Saul não briga com Davi, os
seteiros não matam Sebastião, e o "Deus crucificado" beija uma segunda vez o
enforcado (Judas). Pode ser literatura. Pode ser religião. Uma coisa é certa:
política não é.
Há mais: Giannetti resolveu, em sua entrevista, todas as
dificuldades e só ficou com as facilidades. Imaginar que PT e PSDB possam estar
juntos num governo implica ignorar, logo de cara, o fato de que esses partidos
têm vocações e fundamentos que são inconciliáveis. Se o ideário, hoje, dos
tucanos é um tanto nebuloso aqui e ali - especialmente na área de valores -, os
do PT são muito claros. Ora, ora, ora… Então Marina Silva, a Puríssima, não
aceita nem mesmo subir no palanque com Geraldo Alckmin ou com Beto Richa -
acordos feitos por Eduardo Campos -, mas aquele que se candidata a ser seu
orientador intelectual (já que diz não querer cargo caso ela se eleja) sonha
com um governo que possa unir… Aquiles e Heitor. Giannetti é uma pessoa lida,
que tem experiência com as palavras. Uma tolice dita por ele parece de
qualidade superior à dita por um petista tosco qualquer. Mas é apenas isto: uma
tolice dita com charme.
O PMDB
E o homem vai adiante. O sonho de Giannetti - que não me parece muito distante, mutatis mutandis, de todos aqueles que sonharam com um Rei Filósofo, com um Déspota Filósofo… - é juntar os bons de um lado para isolar os maus de outro. Ele pega carona na fácil demonização do PMDB. Dá a entender que essa é a força que tem de ficar do outro lado da trincheira. Marina, então, seria eleita pelo PSB, com o apoio de FHC e Lula e outras almas superiores do Congresso, uma conspiração dos éticos se formaria e pronto! Tudo estaria resolvido. Tão fácil que a gente lamenta que tantos estúpidos não tenham pensado nisso antes, né?
E o homem vai adiante. O sonho de Giannetti - que não me parece muito distante, mutatis mutandis, de todos aqueles que sonharam com um Rei Filósofo, com um Déspota Filósofo… - é juntar os bons de um lado para isolar os maus de outro. Ele pega carona na fácil demonização do PMDB. Dá a entender que essa é a força que tem de ficar do outro lado da trincheira. Marina, então, seria eleita pelo PSB, com o apoio de FHC e Lula e outras almas superiores do Congresso, uma conspiração dos éticos se formaria e pronto! Tudo estaria resolvido. Tão fácil que a gente lamenta que tantos estúpidos não tenham pensado nisso antes, né?
É mesmo? Será que o PMDB, ao longo da história, tem sido só um
problema? Então vamos ver. Marina Silva apoia o Decreto 8.243, aquele que nem é
exatamente de Dilma, mas de Gilberto Carvalho. No horizonte da turma que
defende esse lixo autoritário, está, inclusive, o controle da imprensa, sim,
senhores!, por conselhos populares. Marina não vê mal nenhum nisso porque,
afinal, já deixou claro, não dá bola para partidos ou para instâncias formais
de representação. O PMDB pode não ser exatamente um convento de freiras dos pés
descalços, mas lembro que o partido, em seu congresso, apoiou uma das mais
claras e fortes resoluções contra qualquer forma de censura à imprensa. Sugerir
que o PMDB atrapalha a democracia ou a torna ingovernável é mais do que um
erro; é uma mentira.
O avião
Hoje é dia 25 de agosto. Eduardo Campos morreu no dia 13. Até agora, ninguém sabe a quem pertence o avião. Marina, que voou muitas vezes naquele jatinho e que herda, pois, os instrumentos aos quais recorreu o PSB para fazer campanha, se nega a falar do assunto, como se ele não lhe dissesse respeito. Diz, sim!
Hoje é dia 25 de agosto. Eduardo Campos morreu no dia 13. Até agora, ninguém sabe a quem pertence o avião. Marina, que voou muitas vezes naquele jatinho e que herda, pois, os instrumentos aos quais recorreu o PSB para fazer campanha, se nega a falar do assunto, como se ele não lhe dissesse respeito. Diz, sim!
Quem se pronunciou foi Beto Albuquerque, candidato a vice.
Curiosamente, cobra explicações da Polícia Federal. Como? Aquele que era um dos
homens mais próximos do presidenciável morto está exigindo respostas em vez de
dá-las? O PSB, vejam vocês, inventou o avião sem dono.
Marina, a mais ética entre os éticos, não aceita doação, no caixa
um - o oficial e registrado - de empresas disso e daquilo, mas faz ares de
santa da floresta quando se questiona a quem pertencia um jatinho que custava
alguns milhões. É essa a "nova política" de que tanto se fala? Vamos ver o que
vem por aí: candidaturas e mandatos já foram cassados por muito menos. Que se
apure tudo, mas há um cheiro fortíssimo de caixa dois na campanha, não é mesmo?
Messianismo
Marina carrega nas tintas de uma espécie de messianismo pós-moderno, assim, meio holístico-maluco-beleza. A VEJA desta semana a traz na capa. A reportagem, qualquer um pode constatar, não lhe é nada hostil. A figura desenhada nas páginas chega a ser simpática. Um trecho, no entanto, chamou especialmente a minha atenção.
Marina carrega nas tintas de uma espécie de messianismo pós-moderno, assim, meio holístico-maluco-beleza. A VEJA desta semana a traz na capa. A reportagem, qualquer um pode constatar, não lhe é nada hostil. A figura desenhada nas páginas chega a ser simpática. Um trecho, no entanto, chamou especialmente a minha atenção.
No dia 18, 30 membros da Rede se reuniram em São Paulo para
discutir a morte de Campos. Debate político? Claro que não! Isso é coisa
superada. Era um papo de outra natureza. Depois de cada um dizer o que sentia,
eles se dividiram em trios para escrever palavras para confortar… Marina!!! É,
gente… Na Rede - que Giannetti quer ver no governo com o apoio de Lula e FHC -,
não existem vitoriosos e derrotados quando se debate uma ideia. Há um troço
chamado "consenso progressivo". A exemplo do Cassino do Chacrinha, a reunião "só acaba quando termina" - e todos ganham. Em maio, para definir os dois
porta-vozes da Rede, eles ficaram reunidos por 18 horas. Tinha de ser um homem
e uma mulher para contemplar as diferenças de gênero… Tenham paciência!
Conheço gente que já frequentou esse círculo de iniciados. A coisa
parece ser mesmo do balacobaco. Marina é o Pablo Capilé da floresta, e sua Rede
lembra, em muitos aspectos, o tal grupo Fora do Eixo. As pessoas lhe dedicam um
silêncio reverente e estão certas de que ela mantém mesmo uma certa comunicação
com entes que não estão exatamente entre nós.
Estou fora
Não caio nessa, sob pretexto nenhum - nem mesmo "para tirar o PT de lá". Na democracia, voto útil é voto inútil. Se Deus me submetesse à provação - espero que não aconteça - de ter de escolher entre Dilma e Marina, escolheria gloriosamente "nenhuma"! Se a turma do coquetel Molotov estava sem candidata e agora encontrou a sua, eu, que sou um partidário da democracia representativa e das instituições democráticas, deixarei claro, nessa hipótese, que estarei sem candidato no segundo turno. Mas torço e até rezo para que o Brasil seja poupado.
Não caio nessa, sob pretexto nenhum - nem mesmo "para tirar o PT de lá". Na democracia, voto útil é voto inútil. Se Deus me submetesse à provação - espero que não aconteça - de ter de escolher entre Dilma e Marina, escolheria gloriosamente "nenhuma"! Se a turma do coquetel Molotov estava sem candidata e agora encontrou a sua, eu, que sou um partidário da democracia representativa e das instituições democráticas, deixarei claro, nessa hipótese, que estarei sem candidato no segundo turno. Mas torço e até rezo para que o Brasil seja poupado.
De resto, vou insistir numa questão: Marina Silva é governo no
Acre há 16 anos. Seu marido deixou um cargo no secretariado de Tião Viana na
semana passada. Mas a sua turma está lá, aboletada na gestão petista. Digam-me
cá: quando Viana, seu aliado, começou a despachar haitianos para São Paulo, de
uma maneira indigna, escandalosa, Marina disse exatamente o quê, além de nada?
Qualquer bagre teria merecido dela mais atenção! Pareceu-me uma reação muito
pouco caridosa a sua.
E não tenho como esquecer o fato de que, há menos de dois anos,
Marina estava lutando por um Código Florestal que iria reduzir a área plantada
no país. Como alternativa para seu desatino, ela tirava das dobras de seus
numerosos xales um certo "ganho de produtividade" que compensaria a perda.
Propunha isso, com o desassombro e a retórica caudalosa de sempre, como se o
Brasil não tivesse hoje uma agricultura e uma pecuária entre as mais produtivas
do mundo. Do mesmo modo, incentivou a crítica verdolengo-obscurantista a Belo
Monte, num país que enfrenta escassez de energia.
Marina Silva? Não! Muito obrigado! Não quero! "Ah, mas ela pode
ser eleita e fazer um grande governo…" É, tudo pode acontecer. Não tenho bola
de cristal. Quando voto, levo em conta o passado dos candidatos, suas utopias,
suas prefigurações, sua visão de mundo, o apreço que têm pela democracia, a
factibilidade de suas propostas.
Se eu tivesse alguma dúvida - já não tinha -, ela teria se
dissipado com a entrevista concedida por Giannetti nesta segunda: Marina quer
governar com o apoio de FHC e Lula… Então tá! É até possível que os dois, por
elegância ou sei lá o quê, venham a dizer que, se isso acontecer, tudo bem.
Ocorre que o Brasil não é um país comandado por aqueles líderes de clãs do
Afeganistão. O Brasil sofreu um bocado para ter uma democracia gerida por
partidos e por instituições. Ainda não chegou a hora de sermos um Brasilstão,
governado por uma santa rodeada de conselheiros de fino trato. Isso nada tem a
ver com democracia. Isso é só mais um delírio de intelectuais, ainda e sempre
os mais suscetíveis às tentações autoritárias.
Os idiotas que acham que sou antipetista a ponto de votar até num
sapo se o PT estiver do outro lado nunca entenderam direito o que penso. Em
dilemas que são de natureza moral, não havendo o ótimo, a obrigação é escolher
o caminho menos danoso. Na democracia, felizmente, temos a possibilidade de
recusar o ruim e o pior.
De todo modo, espero que a onda passe e que o destino do país não
seja definido pelo cadáver de alguém que não havia se explicado o suficiente em
vida. É isso.
#prontofalei
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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