Por Reinaldo Azevedo
A escola brasileira acabou, morreu, foi para o ralo. Virou lixo.
Foi vítima de "progressiste" aguda. A "progressiste" é uma infecção provocada
por um vírus cuja letalidade se deve à mente torta de Paulo Freire, que muita
gente considera um santo. Não é que ele tenha criado o bichinho original. Mas
foi quem o espalhou. A "progressiste" - que é o progressismo na sua fase
terminal - inverte a lógica da educação: em vez de o professor ter algo a
ensinar ao aluno, é o aluno que deve levar a sua experiência ao professor. Ou,
então, ter-se-ia uma "relação autoritária" e "não dialógica", compreendem? No
domingo, eu assistia ao Fantástico e fui até o ponto em que uma reportagem
cantava as glórias de professores "criativos", sabem?, que resolvem entrar no
universo do "educando". Era a apologia da morte do conteúdo e do currículo.
Cada um brinca do que quiser em sala de aula. Confesso que não aguentei a
conversa torta até o fim. Tinha mais o que fazer. Não sei se vi, mas é
possível, uma senhora, professora talvez, gingando em ritmo de funk ao algo
assim. Ok. Não é aprendendo oboé que os pobres vão parar no "Esquenta" da
Regina Casé, tá certo?
Vejo agora que um professor de filosofia do Centro de Ensino Médio
3 de Taguatinga, no Distrito Federal, aplicou uma prova de filosofia - teste!!! - a seus alunos e resolveu, como direi?, "incorporar" Valesca Popozuda, que
virou uma questão. Pois é… Até Dilma Rousseff estava dando "beijinho no ombro"
no Twitter outro dia. A Dilma Popozuda é a Dilma Bolada em ritmo de funk. A
questão é esta:
Dá preguiça debater o mérito da escolha, entrar nas "paulo-freirices" sobre o universo do educando. O que acho mais espantoso, se
querem saber, é a formulação. Não sei se a prova trazia a letra, a saber:
Desejo a todas inimigas vida longa
Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória
Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba
Aqui dois papos não se cria e nem faz história
Desejo a todas inimigas vida longa
Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória
Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba
Aqui dois papos não se cria e nem faz história
Como se vê, a resposta não demanda nem mesmo interpretação de
texto. Se a letra, no entanto, não estava disponível, muito pior porque, para "acertar", seria preciso tê-la na memória. O que o professor, Antônio
Kubitschek é nome dele (não sei se parente do ex-presidente), queria testar?
Não sei.
No dia 27 de setembro de 2011, escrevi aqui um post texto intitulado "O Brasil precisa de menos sociólogos e filósofos e
de mais engenheiros que se expressem com clareza". Notem que
escrevi "precisa DE menos"
e não "precisa MENOS".
São coisas distintas. Como há por aí filósofos e sociólogos que precisam DE
MAIS LEITURA, muita gente não entendeu o que leu. Fazer o quê? Eu nunca neguei
que escrevo para pessoas alfabetizadas. O texto me rende ataques bucéfalos até
hoje.
Eu criticava, então, uma proposta estúpida que alguém fez à
Secretaria de Educação de São Paulo, sugerindo que o ensino médio desse menos
aulas de matemática e língua portuguesa em benefício da filosofia e da
sociologia. Felizmente, o governador Geraldo Alckmin repudiou a ideia e pôs um
fim à conversa mole.
Qual é o busílis? Seja na escola pública, seja na escola privada,
os currículos de filosofia e de sociologia ainda não estão definidos. Cada um "ensina" o que quiser. Não raro, as aulas se transformam em meros pretextos
para o proselitismo ideológico - na esmagadora maioria das vezes, de esquerda. "SE FOSSE DE DIREITA, VOCÊ IRIA GOSTAR, REINALDO AZEVEDO?" Não também! Professor
não é pregador; não é líder partidário; não é pastor; não é sacerdote.
Hoje, são poucos os alunos que não levam na ponta da língua o
discurso - e não mais do que o discurso - da igualdade e da justiça, mas não
sabem fazer conta; não dominam o instrumental básico da língua para se
expressar com clareza fora de suas "tribos". Não por acaso, o país fica sempre
nos últimos lugares nas provas do PISA, com um desempenho incompatível com o
tamanho de sua economia.
A escola brasileira é o reino do vale-tudo.
E estamos piorando. Vou reproduzir um trecho de uma entrevista que o poeta Bruno Tolentino, meu querido amigo, concedeu à VEJA na edição nº 1436, de 20 de março de 1996 - HÁ LONGOS 18 ANOS, PORTANTO. Bruno morreu no dia 27 de junho de 2007 sem ver o fundo do poço. Leiam. Volto para encerrar
E estamos piorando. Vou reproduzir um trecho de uma entrevista que o poeta Bruno Tolentino, meu querido amigo, concedeu à VEJA na edição nº 1436, de 20 de março de 1996 - HÁ LONGOS 18 ANOS, PORTANTO. Bruno morreu no dia 27 de junho de 2007 sem ver o fundo do poço. Leiam. Volto para encerrar
VEJA - Por que tantas brigas ao mesmo tempo?
TOLENTINO - Para ver se o pessoal cai em si e muda de mentalidade.
O Brasil é um país vital que está caindo aos pedaços. Não quero sair outra vez
da minha terra, mas não posso ficar aqui sem minha família, que está na França.
Não posso educar filho em escola daqui.
VEJA - Por que não?
TOLENTINO - Foi minha mulher quem disse não. Educar um filho ao
lado de Olavo Bilac, última flor do Lácio inculta e bela, que aconteceu e
sobreviveu, ao lado de um violeiro qualquer que ela nem sabe quem é, este
Velosô, causou-lhe espanto. A escola que ela procurou para fazer a matrícula
tem uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond,
Manuel Bandeira e Caetano. O menino seria levado a acreditar que é tudo a mesma
coisa. Ele nasceu em Oxford, viveu na França e poderá morar no Rio de Janeiro.
Ele diz que seu cérebro tem três partes. Mas não aceitamos que uma dessas
partes seja ocupada pelo show business.
VEJA - Qual o problema?
TOLENTINO - Minha mulher já havia se conformado com os seqüestros e
balas perdidas do Rio, mas ficou indignada e espantada pelo fato de se
seqüestrar o miolo de uma criança na sala de aula. Se fosse estudar no Liceu
Condorcet, em Paris, jamais seria confundido sobre os valores do poeta Paul
Valéry e do roqueiro Johnny Hallyday, por exemplo. Uma vez entortado o pepino,
não se desentorta mais. Jamais educaria um filho meu numa escola ou
universidade brasileira.
VEJA - Não é levar Caetano Veloso a sério demais? Ele não é
só um tema de currículo, entre tantos outros?
TOLENTINO - Não. Ele está também virando tese de professores
universitários. Tenho aqui um livro, Esse Cara, sobre Caetano, uma espécie de
guia para mongolóides, e a mesma editora desse livro me pede para escrever um
outro, sob o título Caetano Se Engana. É preciso botar os pingos nos is. Cada
macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que
seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura.
VEJA - O que você tem contra a música popular?
TOLENTINO - Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa,
Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar
que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de
alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países,
mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de
música vai se confundir com poesia?
(…)
(…)
Retomo
Caetano em sala de aula? Pois é… Já lá se vão quase 20 anos. Poderia valer por um Kant, não é mesmo? Não duvidem: a vaca foi para o brejo. Todas as tentativas feitas, em qualquer esfera, de botar alguma ordem na educação brasileira, dando-lhe, quando menos, um currículo esbarram no gigantismo da estrutura, nas corporações sindicais e da ideologia rombuda.
Caetano em sala de aula? Pois é… Já lá se vão quase 20 anos. Poderia valer por um Kant, não é mesmo? Não duvidem: a vaca foi para o brejo. Todas as tentativas feitas, em qualquer esfera, de botar alguma ordem na educação brasileira, dando-lhe, quando menos, um currículo esbarram no gigantismo da estrutura, nas corporações sindicais e da ideologia rombuda.
A escola brasileira é o reino em que tudo é possível. Por lá, "todas as experiências são válidas". Há 18 anos, como aponta Bruno, as coisas
já estavam tortas. Depois pioraram. O que se manifestava como um "trabalho de
resistência" virou ideologia oficial.
Ao comentar a sua prova, o professor ainda empresta um certo
sotaque feminista à coisa, entendem? Leiam o que disse ao Estadão: "A prova foi uma
provocação. Recebemos várias críticas, e muitas pessoas nem sabem o conteúdo da
prova. Colocaram (a Valesca) como um ser que não é pensante, só porque é mulher
e funkeira. Se fosse o Mano Brown ou o Gabriel, o Pensador, não teria dado esta
polêmica".
É, talvez não tivesse dado essa polêmica… Notem que, no seu
discurso, Mano Brown e "Gabriel, o Pensador" já se tornaram, como posso dizer?,
referências "conservadoras".
A escola brasileira morreu. Teremos de recomeçar do zero.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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