Por André Setaro
A decadência do cinema contemporâneo se reflete também nos trailers, que se caracterizam por uma pulsação de imagens rápidas que não oferecem nenhuma possibilidade de
contemplação. Falo dos trailers dos filmes oriundos
da indústria cultural de Hollywood. A estética do videoclip, que tanto mal está a fazer ao espetáculo cinematográfico, está também
inserida nos trailers.
Gostava muito de ver trailers e, muitas vezes, ficava para a outra sessão apenas para vê-los novamente
(num tempo em que era permitido se ficar para quantas sessões se quisesse - o
cinéfilo podia entrar duas da tarde e sair meia-noite depois da última sessão).
A velocidade, que castiga sobremaneira a contemplação, leva tudo de roldão. Não
há, no chamado cinemão, mais espaço para a reflexão e a contemplação, exceção
se faça a alguns filmes privilegiados com a vida inteligente atrás das câmeras,
a exemplo de Fausto, de Sukurov, A Troca e Gran Torino, ambos de Clint
Eastwood, Sangue Negro, de Paul Thomas
Anderson, as fitas dos fratelli Coen, os filmes de
Martin Scorsese, entre poucos. E os derradeiros Resnais
Mas estava a falar
dos trailers. Antes do atual "tsunami" da "videoclipação", os trailers eram pensados como se fossem um
curta-metragem e possuíam estilos, ritmos, e, em alguns casos, uma marca
pessoal muito forte, como os trailers dos filmes de Alfred
Hitchcock, que eram todos dirigidos por ele. O mestre aparecia a comentar, a
fazer piadas, a anunciar o filme de maneira surpreendente e genial. Em Anatomia de um Crime, de Otto Preminger,
este, que não trabalha no filme, aparece no tribunal vazio a chamar, um por um,
os atores do filme. Na atualidade, porém, os trailers se descaracterizaram, e são praticamente todos iguais feitos pela
"linha de montagem" dos estúdios, a perder, com isso, a originalidade
que possuíam.
E por falar em trailers, é absolutamente insuportável a quantidade destes que algumas
distribuidoras de DVDs colocam antes do filme propriamente dito. A finalidade,
que seria a de promover os filmes, para mim surte efeito contrário. E dá
trabalho avançar para não vê-los e cair diretamente no filme.
Mas o público pouco
ou quase nada está a ligar para isso. Seria interessante se fazer uma mostra de
como eram os trailers de antigamente para
se ter uma idéia da engenhosidade com que eram feitos. O trailer original de Cidadão Kane, que pode ser
encontrada no DVD distribuído pela Warner (o da Continental não deve ser visto,
pois a cópia, como de hábito nesta distribuidora, é muito ruim), é muito
original, e tem um microfone como condutor de sua realização. Aliás,
"Kane", de Welles, é um filme bem radiofônico (Rogério Sganzerla
aproveitaria o gancho em O Bandido da Luz Vermelha, que é um filme
radiofônico sem deixar de ser extremamente cinematográfico).
Na época em que as
imagens em movimento estavam restritas às salas exibidoras e, para vê-las,
tinha-se que pagar um ingresso (hoje as imagens podem ser vistas em diversos suportes
e a criança já nasce vendo a televisão ligada no quarto da maternidade), havia
uma maior magia, um maior encantamento. Na época em que os cinemas tinham quase
dois mil lugares, cortinas, e a abertura de uma sessão se fazia de forma
pomposa, com gongos, luzes de variadas cores que se acendiam e apagavam, a
cortina que se abria com cerimônia. Um programa cinematográfico, por exemplo, "circa 1960", comportava primeiro o cine-jornal de atualidades (Canal 100, Atualidades Atlântida, Herbert Richers etc), e, logo a
seguir, dois “trailers” (não mais que isso). E as sessões eram sempre em
horários certos: 14, 16, 18, 20 e 22 horas. Quando acontecia de o filme ter
metragem maior: 14, 16.30, 19 e 21.30. Neste caso, para preencher o horário,
além do cine-jornal e dos dois "trailers", havia um documentário chato
(geralmente de I. Rozemberg, Primo Carbonari, entre outros). Havia também um
cine-jornal estrangeiro, e quem ia ao cinema nos anos 50 e 60 deve estar
lembrado das Atualidades Francesas, principalmente, e O Mundo em Notícia, de
Günter Bohm.
Os cine-jornais
desapareceram com o advento do jornalismo televisivo, porque, em tempos idos,
quando as emissoras televisivas ainda não possuíam um jornalismo eficiente, a
única maneira de se ver as celebridades e as personalidades da política e da
sociedade era através das atualidades. Conhecia-se, por
exemplo, os presidentes da República por elas. Havia, no final, sempre um jogo
de futebol, que era apresentado um mês depois de sua realização.
Os trailers que vemos atualmente nos cinemas é um pálido reflexo daqueles do passado.
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