Por
Augusto Nunes
Tanto pelo número de páginas quanto pela
abrangência dos delitos, que vão de A a Z nos atropelamentos do Código Penal, o
prontuário de Renan Calheiros lembraria um dicionário caso fosse transformado em
livro. Se a lei valesse para todos, o cangaceiro de terno e gravata teria
perdido há muito tempo o direito de ir e vir. No Brasil do lulopetismo, vai e
vem em aviões da Força Aérea Brasileira. De graça.
Nesta quarta-feira, descobriu-se que Renan,
valendo-se das prerrogativas de presidente do Senado, requisitou um jatinho da
Aeronáutica para comparecer ao casamento da filha de Eduardo Braga, líder do
governo na Casa do Espanto. Embora represente o Amazonas e more em Manaus,
Braga decidiu que a noiva Brenda merecia uma festança na praia de Trancoso, no
litoral baiano.
No dia 15 de junho, o cliente VIP da FABTur
decolou de Maceió no fim da tarde, pousou em Porto Seguro menos de uma hora
depois, foi de carro oficial para Trancoso, comeu do bom e do melhor, bebeu sem
medo de leis secas, voltou para o aeroporto no carro chapa-branca, embarcou na
madrugada rumo a Brasília, desfrutou do sono dos sem-remorso e acordou achando
que a vida vale a pena. Principalmente para portadores de salvo-conduto para
delinquir.
"Dois casos de polícia vão chefiar o
Carandiru sem grades", informou o título do texto aqui publicado em 16 de
janeiro, quando ficou assegurada a eleição de Renan e de Henrique Alves. A
farra aérea que acaba de devolver a dupla ao noticiário exige a reprise
do post:
“Em nações politicamente adultas, Renan
Calheiros e Henrique Alves não passariam da primeira anotação no prontuário:
antes da segunda patifaria, seriam transferidos da tribuna para um tribunal,
teriam o mandato cassado e só voltariam ao Congresso para depor em alguma CPI
ou, depois da temporada no presídio, fantasiados de turistas. Num Brasil com
cara de clube dos cafajestes, o senador alagoano vai presidir a Casa do Espanto
e o deputado potiguar vai administrar o Feirão da Bandidagem. Faz sentido.
A seita lulopetista aprendeu que folha
corrida é currículo, integridade é defeito e honra é coisa de otário. Como nas
disputas promovidas mensalmente pela coluna para a escolha do Homem sem Visão
do Ano, a eleição do presidente da Câmara ou do Senado comprova que os
congressistas votam no candidato que lhes pareça o pior entre os piores. A
galeria dos eleitos depois do advento da Era da Mediocridade confirma que,
quanto mais alentado for o prontuário, maior será a chance de vitória.
Indicados pelo PMDB, com o endosso de
partidos da base alugada e o apoio da oposição oficial, Renan e Henrique Alves
estão à altura dos atuais ocupantes do cargo. José Sarney só não foi despejado
da presidência do Senado porque Lula o promoveu a Homem Incomum e os
oposicionistas estão em férias há 10 anos (veja o post reproduzido na seção Vale Reprise). Renan teve
de renunciar ao posto para escapar da cassação que até seus comparsas achavam
inevitável. Marco Maia acha muito natural que um deputado condenado pelo STF
passe o dia no plenário e a noite na cadeia. Henrique Alves já avisou que, se
José Genoíno precisar de um coiteiro, é só chamar o presidente.
Contemplada do lado de fora, a sede do
Parlamento brasileiro é uma bela criação da grife Niemeyer. Visto por dentro,
sobretudo por quem conhece a face escura dos inquilinos, o lugar onde deveria
haver um Congresso é reduzido a um acampamento de meliantes com um terno escuro
que não se dá com a gravata, sorriso de aeromoça e a expressão confiante de
quem confunde imunidade parlamentar com licença para pecar.
O Congresso virou um Carandiru sem
grades. É natural que seja dirigido por casos de polícia."
Fonte: "Direto ao Ponto"
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