Por Dora Kramer
A aplicação do velho lema que aconselha adesão ao inimigo que não se
pode vencer é o que se evidenciou na convocação da militância petista às ruas
feita - e depois negada - pelo presidente do PT, Rui Falcão.
Ousado, foi o primeiro partido a tentar marcar presença nos protestos a
despeito do repúdio dos participantes a quaisquer
As ruas, no entanto, não receberam bem essa tentativa do PT de posar de
estilingue para se desviar das pedras atiradas nas vidraças. Não as reais, das
depredações cada vez mais difíceis de serem qualificadas como atos isolados
devido à constância com que têm ocorrido em praticamente todas as manifestações
país afora.
As pedras que o PT quer evitar são as simbólicas, atiradas como
expressão do descontentamento geral com serviços mal prestados pelo poder
público e o mau comportamento de representantes do poder político.
A estratégia é clara e já estava delineada no discurso da presidente
Dilma Rousseff logo após reunião de emergência para tratar dos protestos com o
ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana, o presidente do PT e o ministro
da Educação, Aloizio Mercadante, recentemente levado à condição de eminência
parda.
Dilma parou de chamar críticas de "terrorismo" e tratou de demonstrar
seu apreço à "mensagem direta das ruas", cuja essência, segundo ela, é "o
repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público".
Lula convocou para um encontro as centrais sindicais das quais ouviu - e
segundo consta anotou - queixas contundentes aos modos da pessoa que conseguiu
eleger convencendo a maioria de que seria a mais preparada para governar o
Brasil. Prometeu ajeitar o meio de campo, mas ao que se sabe não defendeu sua
criatura.
O partido e o governo fizeram questão de deixar patente a insatisfação
com o comportamento do prefeito Fernando Haddad, atribuindo a ele o desgaste
por não ter percebido a real dimensão dos movimentos e atuado politicamente no
sentido de obter dividendos. Como se qualquer outra autoridade tivesse notado e
estivesse preparada para reagir à altura sem prejuízos políticos. Haddad virou
o bode expiatório dos companheiros.
Juntem-se esses movimentos e o que se obtém é o desenho de uma manobra
na qual o PT é mestre: a transformação do malefício em benefício mediante a
manipulação de fatos e falas.
Fez isso diversas vezes ao longo dos últimos dez anos (para não falar da
época em que foi oposição na posse da bandeira ética chamada de "udenismo" quando levantada pelos adversários), com destaque para o escândalo do mensalão
que conseguiu disfarçar como "defeito do sistema" até o Supremo Tribunal
Federal rasgar essa fantasia.
Tentou agora de novo. Em sua nota convocatória, Falcão faz referências à
identidade do partido com os "movimentos populares" e diz que a participação do
PT impede que a "mídia conservadora" e a "direita" influenciem a pauta das
manifestações.
Seria engraçado se não fosse mais um exemplo da desfaçatez de um partido
que governa o Brasil há dez anos e agora tenta capitalizar insatisfações que
ele mesmo transformou em panela de pressão ao obstruir todos os canais de
expressão do contraditório mediante o uso abusivo dos instrumentos de poder.
A julgar pela reação das tão queridas ruas, a manipulação encontrou um
limite e o velho truque envelheceu.
Que dúvida... O mundo político insiste em dizer que desconhece as causas
dos protestos. Recorrendo ao de Nelson Rodrigues: se quem protesta não sabe
exatamente no que bate, seus alvos sabem perfeitamente por que apanham.
Fonte: Agência Estado
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