Por
Dora Kramer
Marcos
Valério demorou anos para se revoltar. Só quebrou o código de silêncio firmado
com José Dirceu e Delúbio Soares para proteger Lula quando se viu diante da
evidência de que lhe havia sido feita uma promessa vã.
Confiou
que as instituições seriam fiéis aos coronéis de turno e se renderiam às
conveniências do poder.
Isso
está dito na reportagem de capa da Veja: "Em troca do silêncio (Marcos
Valério), recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema
(do mensalão) teve suas entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da
República, de penas mais brandas".
E
quais seriam essas garantias? Vamos pensar juntos. Não é difícil percebê-las,
partindo do princípio de que o PT fez o que fez confiando que aquela concepção
de Lula sobre os "300 picaretas" que faziam e aconteciam no Congresso era o
retrato do Brasil.
Primeira
presunção de garantia: controlada pela maioria governista, comandada por um
presidente do PT (Delcídio Amaral) e um relator do PMDB (Osmar Serraglio), a
CPI dos Correios não daria em nada que pudesse produzir maiores e concretas
consequências.
Segunda:
a Polícia Federal sob as ordens do dublê de ministro da Justiça e advogado do
Palácio do Planalto, Márcio Thomaz Bastos, cuidaria de limitar as investigações
sem levá-las a inconvenientes profundezas.
Terceira:
indicado e reconduzido ao cargo pelo presidente da República, o
procurador-geral se apresentasse denúncia não o faria de maneira consistente.
Quarta:
de composição majoritária teoricamente "governista" e de inescapável apego a formalidades,
o Supremo Tribunal Federal não abriria processo.
Quinta:
complexa e ampla demais, a denúncia não se sustentaria na fase judicial e
poderia se estender à eternidade em decorrência de manobras da defesa.
Sexta:
o julgamento não ocorreria tão cedo e, quando acontecesse, crimes estariam
prescritos.
Sétima:
permeável à influência dos comandantes da banda, a Corte de "maioria
governista" teria comportamento de poder subordinado. Seja para absolver os
acusados ou para lhes abrandar as punições, conforme a promessa feita a Marcos
Valério sobre o pior que lhe poderia acontecer se calado ficasse.
Como
a realidade mostrou e ainda não se cansou de demonstrar, o Brasil não é tão
arcaico, desorganizado, institucionalmente desqualificado nem tão apinhado de vendidos
como supunha o PT ao assumir a Presidência da República.
Há
juízes em Brasília, como se repete agora a toda hora. Mas também há deputados,
há senadores, há delegados, há agentes de polícia, há procuradores, há,
sobretudo, uma sociedade a quem todos eles respondem em grau de
responsabilidade muito maior que a lealdade supostamente devida ao modelo do
"coronelato" que o PT pretendeu copiar.
Cópia
cuja matriz é uma visão equivocada do País. Talvez o erro crasso do PT tenha
sido acreditar que o Brasil era pior do que de fato é.
Lambuzou-se
no melado ao imaginar que a posse do Estado lhe conferia poderes ilimitados
para tratar a tudo e a todos como devedores de obediência total e reverência
absoluta a uma hierarquia que só existia na cabeça autoritária do PT.
Caldo
de galinha - Nota-se pela cautela da
reação às declarações de Marcos Valério para Veja, que Lula e companhia não
sabem exatamente o quê, mas percebem com nitidez o que vem mais pela frente.
Assim
como não compartilham da ilusão da militância de internet de que o mineiro não
tenha falado à revista já que as frases foram alegadamente ditas a terceiros,
um expediente comum na preservação do sigilo da fonte de informações.
Diante
do imponderável e da óbvia existência de lastro (gravações), acham melhor não
provocar.
O
esperneio de Valério revela que a história real é mais feia que a ora narrada
pelo Supremo Tribunal Federal.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, edição
desta terça-feira, 18
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