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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Livro reavalia heróis e conceitos do Brasil

Entrevista de Hagamenon Brito, no "Correio", edição desta quinta-feira, 28:


Ex-repórter da "Veja" e editor da "Superinteressante", o jornalista e pesquisador paranaense Leandro Narloch (Foto: Reprodução), 31 anos, gosta de fazer provocações, como prova o ótimo "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (Leya), que encontra-se no quarto lugar na lista dos livros de não-ficção mais vendidos no país.
Na obra, Leandro desconstrói alguns dos mitos e conceitos mais caros do Brasil. Santos Dumont, por exemplo, não teria sido o inventor do avião. Jorge Amado, quem diria, escreveu para um jornal pró-nazismo na juventude. E os escravos negros quando podiam, que contradição, tornavam-se donos de escravos.
A seguir, leia trechos de entrevista - por e-mail - com o jornalista, que, bem humorado, afirma: “Tentei irritar os baianos!”

Os EUA são mesmo os pais do comportamento politicamente correto que ganhou força em metade do planeta a partir dos anos 80/90?
Não sei se foram eles, mas certamente o comportamento politicamente correto ganhou nos EUA a força que tem hoje. A esquerda de lá parece bem influenciada pelo puritanismo. Talvez o politicamente correto sejaumtipodeherança das normas protestantes de conduta. Falo da patrulha quase religiosa sobre palavras e ações e da perseguição a quemnão segue esse código.
Devemos agradecer mais aos ingleses do que ao trabalho de personalidades como Joaquim Nabuco e Castro Alves pelo fim da escravidão no Brasil?
Sim, com certeza. Os dois foram influenciados pelo abolicionismo, uma ideologia que nasceu um século antes deles, na Inglaterra. O próprio O abolicionismo foi impresso em gráficas inglesas. Convenhamos: defender o abolicionismo no fim do século 19 era chutar cachorro morto. Cem anos antes deles, os ingleses faziam protestos contra a escravidão com quase um milhão de pessoas. É interessante que, enquanto o povo inglês lutava pelos negros do mundo, os negros brasileiroscompravam escravos para si próprios. Em Santiago do Iguape, aí na Bahia, 46% dos escravos eram propriedade de outros negros.
Imagino que você seja contra as cotas raciais no Brasil. Aliás, mesmo entre entidades e estudiosos negros há divisões sobre o assunto. Qual a sua opinião?
Sou contra, mas não tanto por motivos históricos. Falo no livro que a escravidão é sobretudo uma influência africana no mundo, que ex-escravos baianos voltavam à África para vender escravos, que os maiores traficantes eram negros etc. Mas as cotas se baseiam no fato de que houve uma opressão não de indivíduos particulares, mas do Estado, que autorizou a escravidão e agora deve pagar por isso. Desse ponto de vista, existe um argumento a favor das cotas. O que me leva a ser contra é que elas vão dividir o país e fazer muito mal aos negros.
Como diz o John Mc Whorter, um negro americano que luta contra as cotas, a pior coisa que pode acontecer aos negros é que os outros coloquem em dúvida se eles chegaram à faculdade por mérito próprio ou por causa de uma reparação histórica. As cotas fazem o preconceito e o estigma aumentar. O que me irrita profundamente é quando o Lula bota a culpa pelos problemas do país nos brancos.
Muitos brancos do Brasil têm ascendentes que chegaram aqui quando a escravidão terminava, e justamente para substituir os escravos. Foram jogados no meio do mato, sobreviveram a epidemias, à fome. Sobretudo os japoneses e poloneses enfrentaram muito preconceito. Muitos ainda são pobres - basta ver uma foto dos sem-terra do Paraná. Outros cresceram por seu próprio esforço. Hoje pagam impostos que sustentam vereadores e prefeituras de várias regiões do país. Pessoas assim não são culpadas, são heróis. Como os nordestinos, que vieram para São Paulo construir a cidade, são responsáveis pela grandeza do país.
Jorge Amado é um dos criadores dessa tal de baianidade. Você lembra que ele, comunista stalinista na juventude, também escreveu para um jornal pró-nazismo e chegou a convidar Oswald de Andrade (que recusou) para fazer o mesmo. Mesmo sendo graves, equívocos como esses não lhe parecem coisas da juventude de um intelectual passional?
Sim e não. Certamente ter apoiado Hitler e Stalin foi besteira de juventude (mesmo depois de Stalin matar sete milhões de ucranianos num único ano, num genocídio maior e mais intenso do que o dos judeus). Mas o Jorge Amado levou o nacionalismo para a vida toda. Esse negócio de baianidade, pernambucanidade, Centro de Tradições Gaúchas, por exemplo, é tudo herança de um nacionalismo bobo. Não entendo por que devemos valorizar uma música só por ela ser brasileira ou baiana.Um passo para o amadurecimento é admitir que o lugar onde nascemos não tem nada demais. Não gosto daquele pa pode“ temos que preservar nossas raízes”.
Quem precisa de raiz é árvore. Imagine, por exemplo, se você vivesse na Núbia, entre o Egito e o Sudão, na época do Império Romano. Estavam em Roma os melhores artistas e tecnologias de três continentes. Mas você ignoraria tudo isso para se concentrar na cultura núbia, na música popular núbia, nos poetas núbios. Perderia as melhores coisas do seu tempo. Por isso, dane-se a Núbia: vamos para Roma. Hoje podemos ir facilmente para Roma, para a cultura internacional: basta ver TV a cabo ou entrar na internet.
Os capítulos sobre Santos Dumont e Aleijadinho são irresistíveis. Dumont não teria inventado nem o avião (e, sim, os irmãos americanos Wright) e nem o relógio de pulso. Aleijadinho não teria sido o autor da maioria das obras que lhe são atribuídas. Quanto tempo você pesquisou para fazer essas, digamos, provocações?
Na verdade esses dois capítulos foram dos mais fáceis. Enquanto para o capítulo dos negros e dos índios levei meses em cada um, pesquisando em dezenas de livros, no do Santos Dumont e no do Aleijadinho tive a sorte de conhecer ótimos livros: a biografia Asas da loucura e a excelente tese Aleijadinho e o aeroplano, da filósofa Guiomar de Grammont. Eles quase que resolveram o capítulo todo.
Como contribuinte em dia comos abusados impostos, sou contra o fato de ex-guerrilheiros e esquerdistas receberem indenizações do Estado. Alguns casos merecem, mas a medida foi banalizada e virou bolsa-ditadura...
Aqui eu preciso trair minha posição politicamente incorreta e discordar um pouco. Quem apanha de policiais ou é torturado hoje em dia pode ganhar indenização, e isso é justo. Apesar de eu desprezar os tais“heróis da luta armada” com todas as minhas forças, preciso dizer que, se eles foram tratados sem direitos humanos pelo Estado, têm direito a indenizações.
Acontece que, se eles podem receber essa reparação, também deveriam ser julgados pelo que fizeram. Muitos adeptos da bolsa-ditadura mataram colegas, pessoas que passavam na rua, policiais. Se querem julgar a ditadura, que sejam julgados do mesmo modo.
Qual o governo mais politicamente correto: FHC ou Lula?
Aposto que o Lula, sozinho em casa, só para a Marisa ou algum amigo mais próximo, deve confessar que não tem a mínima paciência com os petistas politicamente corretos. Veja a história do Lula: ele era o sindicalista chamado de pelego, que mantinha os comunistas longe do sindicato e fazia alianças com os militares. Mas o petismo, que é maior do que o Lula, é muito mais politicamente correto do que os tucanos.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito interessante a entrevista e me deixa com vontade de ler o livro "Guia Polìticamente Incorreto da História do Brasil"!