Editorial
Luiz Inácio Lula da
Silva é realmente um prodígio na nem sempre delicada arte de sofismar, que os
dicionários definem como o exercício de "raciocínio vicioso, aparentemente
correto e concebido com a intenção de induzir em erro". Haverá quem prefira
substituir o verbo sofismar por outro mais contundente: mentir. Qualquer dos
verbos cai como uma luva para definir o desempenho de Lula em entrevista
televisiva de 40 minutos concedida ao jornalista Roberto D'Ávila, na qual se
definiu como "o mais republicano dos presidentes que este país já teve" e negou
categoricamente que esteja tentando de algum modo interferir no governo Dilma,
nem mesmo no que diz respeito ao ministro Joaquim Levy, ao ajuste fiscal e à
política econômica, porque "um ex-presidente tem que ter muito cuidado para não
dar palpite".
Lula serviu-se de
um rombudo argumento para dar um puxão de orelha nas centenas de milhares de
brasileiros que votaram em Dilma e hoje se voltam contra ela. É como se fosse o
caso de "um pai cujo filho está doente, com febre, mas em vez de cuidar dele
prefere jogá-lo fora". Quer dizer: Dilma está "doente, com febre", mas ninguém
se dispõe a ajudá-la. Nem ele próprio, que garantiu mais de uma vez: "Não dou
palpite no governo". Não corou um minuto. Não empalideceu jamais.
O ex-presidente não
perdeu nenhuma oportunidade para discorrer sobre as "extraordinárias
conquistas" dos governos petistas, durante os quais "o trabalhador, a classe
média, os empresários, os banqueiros, todos ganharam". Pressionado pelo
entrevistador, admitiu, apenas implicitamente, que hoje o país enfrenta uma
crise econômica que ameaça comprometer as conquistas sociais. Mas explicou que
essa crise é devida a dois fatores sobre os quais o governo petista não tem
responsabilidade. O primeiro é a crise financeira internacional provocada por
capitalistas "irresponsáveis".
O segundo
responsável pela atual crise econômica, segundo Lula, é a "grave crise
política". Mergulhado nessa crise, o Congresso Nacional, "com total apoio da
Imprensa", se tem recusado a aprovar as medidas propostas pelo governo para
botar suas contas em ordem. Essa esfarrapadíssima desculpa omite o fato de que,
após eficiente toma lá dá cá - única providência que a elite palaciana consegue
concluir com sucesso -, os parlamentares acabaram aprovando praticamente todo o
pacote de medidas de interesse do Planalto. Mais grave, no entanto, é Lula
fingir que a "grave crise política" não foi criada pelo próprio governo
petista, a começar pela desastrada tentativa de impedir a eleição de Eduardo Cunha
para a presidência da Câmara. Pois foi exatamente para tentar corrigir
grosseiros erros políticos praticados por Dilma que Lula, que jura que não dá
palpites, a convenceu a trocar os coordenadores políticos do governo, tirando
da Casa Civil e das Relações Institucionais dois ministros nos quais ela
confiava e os substituindo por outros que a ele são fiéis.
Mas foi no capítulo
da corrupção que Lula se mostrou um verdadeiro artista. Começou, em tom
dramático, definindo-se como um político de formação moral rígida e reputação
absolutamente ilibada: "Só tenho um valor na minha vida, não são dois, apenas
um: vergonha na cara, o que aprendi com uma mãe analfabeta". Em relação ao
escândalo da Petrobras - que lhe causou "um susto" -, saiu-se pela tangente
afirmando que sempre foi favorável à investigação, repudiando apenas o "vazamento seletivo" de delações premiadas, e lançando a responsabilidade da
esbórnia sobre "antigos funcionários" da estatal, que estavam lá "há muito
tempo". Tentando afastar qualquer suspeita sobre eventual envolvimento seu na
devastação da empresa, garantiu, em seu melhor estilo palanqueiro: "Duvido,
duvido muito, que algum empresário possa afirmar ter conversado comigo qualquer
coisa que não fosse possível de ser concretizada em qualquer lugar do mundo".
Trata-se de
argumento que funciona para quem tem fé inabalável na retidão moral de quem o
enuncia. Mais ou menos como a garantia que deu em 2005, de que não sabia da
existência do mensalão: "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das quais
nunca tive conhecimento". Depois de ter sido reeleito no ano seguinte, mudou o
discurso partindo, como de hábito, do princípio de que o brasileiro é idiota: "O processo do mensalão é uma farsa". Certamente, um dia dirá o mesmo sobre o
petrolão.
Fonte: "O Estado de S. Paulo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário