Por Flávio Moreira da Costa
"Quando Eliza aprendeu a palavra
crepúsculo, também pensou que só depois de um sol pra lá de brilhante, o fim do
dia teria direito de ter esse nome." É o que diz a narradora desta ficção
sobre a poesia da infância ou sobre a infância da poesia. E mais: "andava a
soletrar cre-pús-cu-lo, bem devagar, sílaba por sílaba, convicta de que, no
céu, à cada uma das quatro cores mais fortes de um crepúsculo, correspondia uma
sílaba dessa palavra."
Com todas as sílabas e cores, eis Fim
tem fim? ( Hexis, Rio de Janeiro, 2015), livro em prosa da poeta
Maria Lúcia Martins. Aleilton Fonseca, sobre o título anterior da autora, A
tarefa (ilustrado por Rui de Oliveira), escreveu que MLM produziu um
livro capaz de encantar leitores dos dez a noventa anos. A tarefa
participou do IV Salão do Livro de Paris, e foi incluído entre os melhores
livros juvenis de 1968/1998, pela Feira Internacional de Bolonha.
Regina Yolanda, ilustradora desse novo
Fim tem fim?, encantou-se pelas dúvidas de Eliza sobre o
infinito – a repetição do eco, do espelhos, do fractal da estampa na lata de
oliva e, por último, pela própria sombra. (Maria Lúcia Martins foi aluna de
matemática do escritor Malba Tahan.)
Sim, Fim tem fim? é "um
livro sobre o mistério do tempo" (Maria Luiza Lacerda). A brevidade, a leveza
poética e a simplicidade nada simples se mesclam na cabecinha de Eliza. Ela
insiste em chegar ao sem-fim das coisas que não se cansa de
observar. A criança, e a criança em nós – que nos salva em nossa vida
finita – é, também, poesia inalcançável? Assim, Eliza soma a infância
ao "conceito" (talvez poético) de infinito, jamais nomeado, em diversos
aspectos da vida, amor e morte.
(...) Eu, velha-que-sou, sei que o
meu pai - engano: o pai de Eliza - nessa época, escrevia um romance onde o
personagem – operário de uma fábrica de soldadinhos de chumbo de uma cidade da
Rússia –, todos os dias, assim que entrava em casa, de volta do trabalho, ia direto
ao espelho da sala, olhava demoradamente sua figura, e dizia: "vai, me diz o
que a sua imaginação produziu hoje!". (...) será que a menina ainda precisava
do espelho, para seguir construindo o seu imaginário? (...) mas eu não
entendo nada de imagens ou de espelhos!")
A leitura de Fim tem fim? caminha
pela curiosidade da criança Eliza (em-todo-nós). Ante a morte da avó, ela
pergunta, "alma existe mesmo, pai?" Criança que dá humor à voz tríplice da
narradora - Velha-que-sou, Menina-que-fui e da própria Eliza.
Não entendo nada de imagens ou
espelhos, mas aqui, com infância e crepúsculo, eu diria que a poesia contamina
a ficção e a vida.
Flávio Moreira da Costa é escritor
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