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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

"Infância, crepúsculo, vida"



Por Flávio Moreira da Costa 
"Quando Eliza aprendeu a palavra crepúsculo, também pensou que só depois de um sol pra lá de brilhante, o fim do dia teria direito de ter esse nome."  É o que diz a narradora desta ficção sobre a poesia da infância ou sobre a infância da poesia. E mais: "andava a soletrar cre-pús-cu-lo, bem devagar, sílaba por sílaba, convicta de que, no céu, à cada uma das quatro cores mais fortes de um crepúsculo, correspondia uma sílaba dessa palavra."
Com todas as sílabas e cores, eis Fim tem fim? ( Hexis, Rio de Janeiro, 2015), livro em prosa da poeta Maria Lúcia Martins. Aleilton Fonseca, sobre o título anterior da autora, A tarefa  (ilustrado por Rui de Oliveira), escreveu que MLM produziu um livro capaz de encantar leitores dos dez a noventa anos. A tarefa participou do IV Salão do Livro de Paris, e foi incluído entre os melhores livros juvenis de 1968/1998, pela Feira Internacional de Bolonha.
Regina Yolanda, ilustradora desse novo Fim tem fim?, encantou-se pelas dúvidas de Eliza  sobre  o infinito – a repetição do eco, do espelhos, do fractal da estampa na lata de oliva e, por último, pela própria sombra. (Maria Lúcia Martins foi aluna de matemática do escritor Malba Tahan.)
Sim, Fim tem fim?  é "um livro sobre o mistério do tempo" (Maria Luiza Lacerda). A brevidade, a leveza poética e a simplicidade nada simples se mesclam na cabecinha de Eliza. Ela insiste em chegar ao sem-fim das coisas que não se cansa de observar. A criança, e a criança em nós – que nos salva em nossa vida finita – é, também, poesia inalcançável? Assim, Eliza soma a infância ao "conceito" (talvez poético) de infinito, jamais nomeado, em diversos aspectos da vida, amor e morte. 
(...) Eu, velha-que-sou, sei que o meu pai - engano: o pai de Eliza - nessa época, escrevia um romance onde o personagem – operário de uma fábrica de soldadinhos de chumbo de uma cidade da Rússia –, todos os dias, assim que entrava em casa, de volta do trabalho, ia direto ao espelho da sala, olhava demoradamente sua figura, e dizia: "vai, me diz o que a sua imaginação produziu hoje!". (...) será que a menina ainda precisava do espelho, para seguir construindo o seu imaginário?  (...) mas eu não entendo nada de imagens ou de espelhos!")  
A leitura de Fim tem fim? caminha pela curiosidade da criança Eliza (em-todo-nós). Ante a morte da avó, ela pergunta, "alma existe mesmo, pai?" Criança que dá humor à voz tríplice da narradora -  Velha-que-sou, Menina-que-fui e da própria Eliza.
Não entendo nada de imagens ou espelhos, mas aqui, com infância e crepúsculo, eu diria que a poesia contamina a ficção e a vida.      
Flávio Moreira da Costa é escritor


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