Por Reinaldo Azevedo
Dilma Rousseff está no poder há dez dias, e já se pode dizer que há uma nova mitologia em construção, combinada, sim, com a que deu o tom das narrativas do governo anterior, mas, em boa medida, oposta àquela. Como toda mitologia política, também essa é falaciosa, destinada a substituir a realidade por uma leitura do real, cujo objetivo último é engrandecer a biografia do chefe; no caso, "da" chefe - talvez haja no Planalto quem prefira "chefa", para adequar o vocábulo à metafísica influente. Lula era falastrão e buliçoso; Dilma, serena e discreta. Lula opinava sobre qualquer assunto, usando a tragédia ou a comédia para engrandecer a sua pantomima pessoal; Dilma prefere ser esfíngica, falando por meio de assessores. Lula sempre foi o seu próprio coordenador político; Dilma delega a Antonio Palocci as conversas incômodas - ela nem mesmo seria do tipo que suja as mãos com a política.
Noto que a presidente já começa a ser elogiada, e isto é formidável, porque NÃO GERA NOTÍCIAS. O fastio com aquela parafernália midiática lulista está na raiz de certa sensação de alívio, de volta à normalidade, que se experimenta agora, mas convém ir com calma. Não fosse por outra razão, cumpre lembrar que Dilma está só na fase do aquecimento. A nova mitologia, no entanto, já começa a tomar corpo. E, como sempre, a imprensa tem um papel central nessa construção. Na sua coluna de ontem, Elio Gaspari chega a afirmar que há pão (apesar de mais um programa contra a miséria…) e que as pessoas sentem mesmo é falta do circo. Elogio maior não poderia haver. Não se afirma isso de um governo, creio, desde a Roma Antiga - aliás, nem na Roma Antiga, é óbvio…
Ensaia-se até mesmo arranjar uma “mini-herança maldita” para a nova presidente, que, de fato, terá de se haver com algumas dificuldades, e o descontrole nos gastos públicos é uma delas. Tudo muito bem! Mas o governo que finda não era, como se anunciou na campanha eleitoral, fruto da parceria Lula-Dilma? A gastança não foi fundamental para consolidar a sua candidatura? Logo, a herança indubitavelmente maldita para os cofres públicos foi, em tudo, bendita para a então candidata. Pouco importa. A realidade é chata. A fantasia de uma nova era da racionalidade, em substituição à farra impressionista do lulismo, dá o tom da cobertura política. E notem: quanto menos Dilma fala, mais isso se confunde com uma estratégia política sofisticada.
O esforço para caracterizar a nova presidente como a continuidade de Lula, mas sem os defeitos daquele, é evidente. No caso, a sua suposta inexperiência (não ser uma política com trajetória eleitoral), um defeito para a então candidata, teria se tornado uma virtude para a presidente. É claro que se trata de uma rematada tolice. Destaque-se, de saída, que a inexperiência nunca ajudou ninguém. Ponto final. Se os inexperientes acabam bem-sucedidos, alcançam seus objetivos apesar dessa fragilidade, jamais por causa dela. Em segundo lugar, essa Dilma-toda-pura, virgem nos vícios da política, é outra dessas mentiras estúpidas, criadas para distrair certo jornalismo impressionista.
Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma que, na crise dos cartões corporativos, mobilizou a Casa Civil para produzir o dossiê contra FHC e Ruth Cardoso? Estou enganado ou está é aquela mesma Dilma a quem Israel Guerra, filho de Erenice, chamava de tia? Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma que chamou seu próprio apagão de blecaute, preferindo atacar, ora vejam…, o governo FHC? Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma do programa Minha Casa, Minha Vida, talvez o maior golpe publicitário da história republicana?
Ora, senhores cronistas, respeitem um pouquinho a inteligência dos leitores - ou, então, não respeitem e fiquem com os leitores que preferem a bobagem. Ninguém chega à condição de candidata à Presidência do maior partido do país - uma máquina gigantesca que junta os bilionários fundos de pensão e poderosas máquinas sindicais - porque é a Maria Imaculada, a Toda-Pura, a Sem-Pecados. A se dar crédito a alguns textos, parece que Lula é o fauno destrambelhado que, não obstante, carregava no dorso a ninfa da pureza e da razão.
Este blog, vocês sabem, lê a política e também lê a forma como outros lêem a política. Resistimos - e, em boa parte, a desconstruímos - à mitologia do Lula criador de mundos, capaz de mudar a realidade com uma simples palavra. E resistiremos à fantasia da presidente comedida, comprometida apenas com a eficiência, que jamais dá um passo em falso porque é séria, inteligente, compenetrada, severa, austera, pontual, econômica, estudiosa, rigorosa - em suma, uma verdadeira Pascal de tailleur.
Não caiam nessa conversa. Pode até acontecer de eu vir a elogiar Dilma algum dia neste blog. Mas isso só acontecerá em face de algo que ela venha a fazer. Espanto-me com os paparicos do colunismo porque, afinal de contas, até agora, ela preferiu ficar calada.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Noto que a presidente já começa a ser elogiada, e isto é formidável, porque NÃO GERA NOTÍCIAS. O fastio com aquela parafernália midiática lulista está na raiz de certa sensação de alívio, de volta à normalidade, que se experimenta agora, mas convém ir com calma. Não fosse por outra razão, cumpre lembrar que Dilma está só na fase do aquecimento. A nova mitologia, no entanto, já começa a tomar corpo. E, como sempre, a imprensa tem um papel central nessa construção. Na sua coluna de ontem, Elio Gaspari chega a afirmar que há pão (apesar de mais um programa contra a miséria…) e que as pessoas sentem mesmo é falta do circo. Elogio maior não poderia haver. Não se afirma isso de um governo, creio, desde a Roma Antiga - aliás, nem na Roma Antiga, é óbvio…
Ensaia-se até mesmo arranjar uma “mini-herança maldita” para a nova presidente, que, de fato, terá de se haver com algumas dificuldades, e o descontrole nos gastos públicos é uma delas. Tudo muito bem! Mas o governo que finda não era, como se anunciou na campanha eleitoral, fruto da parceria Lula-Dilma? A gastança não foi fundamental para consolidar a sua candidatura? Logo, a herança indubitavelmente maldita para os cofres públicos foi, em tudo, bendita para a então candidata. Pouco importa. A realidade é chata. A fantasia de uma nova era da racionalidade, em substituição à farra impressionista do lulismo, dá o tom da cobertura política. E notem: quanto menos Dilma fala, mais isso se confunde com uma estratégia política sofisticada.
O esforço para caracterizar a nova presidente como a continuidade de Lula, mas sem os defeitos daquele, é evidente. No caso, a sua suposta inexperiência (não ser uma política com trajetória eleitoral), um defeito para a então candidata, teria se tornado uma virtude para a presidente. É claro que se trata de uma rematada tolice. Destaque-se, de saída, que a inexperiência nunca ajudou ninguém. Ponto final. Se os inexperientes acabam bem-sucedidos, alcançam seus objetivos apesar dessa fragilidade, jamais por causa dela. Em segundo lugar, essa Dilma-toda-pura, virgem nos vícios da política, é outra dessas mentiras estúpidas, criadas para distrair certo jornalismo impressionista.
Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma que, na crise dos cartões corporativos, mobilizou a Casa Civil para produzir o dossiê contra FHC e Ruth Cardoso? Estou enganado ou está é aquela mesma Dilma a quem Israel Guerra, filho de Erenice, chamava de tia? Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma que chamou seu próprio apagão de blecaute, preferindo atacar, ora vejam…, o governo FHC? Estou enganado, ou esta é aquela mesma Dilma do programa Minha Casa, Minha Vida, talvez o maior golpe publicitário da história republicana?
Ora, senhores cronistas, respeitem um pouquinho a inteligência dos leitores - ou, então, não respeitem e fiquem com os leitores que preferem a bobagem. Ninguém chega à condição de candidata à Presidência do maior partido do país - uma máquina gigantesca que junta os bilionários fundos de pensão e poderosas máquinas sindicais - porque é a Maria Imaculada, a Toda-Pura, a Sem-Pecados. A se dar crédito a alguns textos, parece que Lula é o fauno destrambelhado que, não obstante, carregava no dorso a ninfa da pureza e da razão.
Este blog, vocês sabem, lê a política e também lê a forma como outros lêem a política. Resistimos - e, em boa parte, a desconstruímos - à mitologia do Lula criador de mundos, capaz de mudar a realidade com uma simples palavra. E resistiremos à fantasia da presidente comedida, comprometida apenas com a eficiência, que jamais dá um passo em falso porque é séria, inteligente, compenetrada, severa, austera, pontual, econômica, estudiosa, rigorosa - em suma, uma verdadeira Pascal de tailleur.
Não caiam nessa conversa. Pode até acontecer de eu vir a elogiar Dilma algum dia neste blog. Mas isso só acontecerá em face de algo que ela venha a fazer. Espanto-me com os paparicos do colunismo porque, afinal de contas, até agora, ela preferiu ficar calada.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Um comentário:
Eu já havia percebido esta estratégia da presidente eleita...os petralhões devem estar usando daquela máxima de que "só erra quem faz", assim, estagnada, sem se mexer aparentemente, estaria sempre livre de culpas...comigo esta estratégia não cola. Òbviamente que tudo de bom lhe será atribuído e o que fôr ruim ou impopular, deverá cair no lombo de seus porquinhos principais, como é comum entre êles.
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