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domingo, 21 de setembro de 2008

Estão pensando que eu sou bobo

Por João Ubaldo Ribeiro
Esta vida é um rude golpe atrás do outro. A gente pensa que conseguiu algum tempo de sossego e aí lá vem perturbação no juízo. E confesso a vocês que não esperava a revelação que me fizeram de chofre e sem misericórdia, na semana que passou. Dirão talvez muitos entre vocês que isto mostra como ando alienado, pois o que me contaram não devia ser surpresa para ninguém, muito menos para mim. Mas talvez alguma defesa inconsciente me viesse bloqueando a visão durante todo este tempo. Terei sido, ai de mim, o pior dos cegos, aquele que não quer ver.
O que me disseram foi ainda mais cruel, por simples e certeiro: “Você está fora da moda”. Convenhamos que o sujeito ainda mal desperto, com uma certa ressaca do café-da-manhã e a perspectiva de um mais um dia enfarruscado e frio, ouvir uma dessas é nocauteante. Como, eu estava fora da moda? Estava, estava. Estava, não; está. Já deu no jornal, já é conversa quase unânime, vai entrar para o politicamente correto em breve. Fazer oposição não está com nada mesmo, está inequívoca, inegável e ridiculamente fora da moda.
Creio haver saído cambaleante, em direção aqui ao escritório. Sim, sim, aquelas palavras ricocheteavam pelas paredes, ziguezagueavam pelo oco que parecia ser meu crânio. Podia esperar de tudo, até mesmo que o Bahia contratasse a Marta e a Cristiane e ganhasse o Brasileirão, mas isso era demais. Eu, um sujeito tão esforçado, que faz questão de cumprir sua obrigação com o maior empenho possível, estava assim fora da moda, um rebotalho, um fósforo queimado atirado no chão, como no samba-canção que Ângela Maria cantava?
Pois é, inútil tapar o sol com uma peneira. Agora que o fim está próximo, acho que posso abrir o peito com vocês sem reservas. Durante toda a minha vida, desde o menino tímido de calças curtas e óculos redondos até o - como direi? - estranho senhor que ora escreve para um público talvez demasiado indulgente, meu sonho sempre foi estar na moda. Ser chique, então, nem se fala, sempre foi tudo o que secretamente quis.
Sentei-me, o travo amargo da desilusão e da derrota na boca, o teclado agora me parecendo um traste transmissor de bobagens para o computador, a vida um deserto sem sentido. Avaliei deprimidamente o passado. Com todo o cuidado, fiz a coisa certa, ou o que fazem os ineptos e malfadados do meu quilate. Procurei para onde ia o barco dos bem-pensantes e dos que ficam na moda, embiquei o meu também para lá, na mais pura obediência a meus interesses pessoais, querendo - meu Deus, será tão grave pecado assim? - desesperadamente entrar na moda ou ficar nela. E tive a paga dos vilões de novela, agora num mato sem cachorro, sem poder abrir o bico, para não ser vaiado, esnobado ou expulso da mesa do boteco. Isto para não falar nos que clamam por ostracismo ou exigem degredo. Acho que nem de escuta telefônica tenho mais que ter medo, nadir da degradação e da decadência, no Brasil.
Mas ainda tenho meus trunfos na manga. Se cair, caio de pé, o que não sei bem como se faz, mas já ouvi gente dizendo, de maneira que deve estar certo. E espero ser chique também, não esquecer que quero muito ser chique. E, assim, já estudo projetos para não fazer oposição. Acho algumas idéias um pouco exageradas, tais como a que me deu uma ex-fã (foi assim mesmo que ela assinou o e-mail), segundo a qual eu deveria subir a pé até o Redentor e de lá cantar “Errei, sim” o domingo inteiro. A caminhada até Brasília, para exibir ao público o cartaz “Perdão, Brasil”, logo antes de beijar os pés do presidente, se ele deixar, também me pareceu um pouco forçada.
Não, creio que há caminhos mais simples e mais eficazes. Escrevo um livro com um título singelo como “Memórias de um Carreirista”. Não será difícil, porque até nisso, sem eu perceber e muito menos agradecer, ele já vinha me ajudando. Porque meu modelo, mesmo fisicamente inexistente como livro, seria o volume que ele talvez pudesse escrever, com a diferença de que ele deu certo e que o título dele seria “Memórias de um Pelego”. No meu, contarei toda a minha luta inglória para estar na moda, inclusive durante o governo Fernando Henrique, do qual também burramente falei mal.
Será que ele me perdoa? Podia perguntar “eles”, me referindo ao PT, mas não tem mais PT. Será que encontrará lugar, em seu grande coração, de me dizer qualquer coisa tal como “Sim, te acolho e te perdôo, porque viste a Verdade e não é dado a quem encarna a Verdade negar o perdão a quem A reconhece”. E, mais tarde, que me mande falar “vem, meu filho, que te darei o que dou a todo o meu rebanho: queres uns dois bolsas famílias ou um emprego num dos muitos lugares que reservo e crio todo dia, a fim de abrigar minhas ovelhas desgarradas?”
Sei que meus desafetos já previam o meu fim. Mas não contavam com a minha astúcia. Tão certo como, lá caladinhos e metendo a mão num rico faturamentozinho, estão secando o Rio São Francisco; tão certo como roubaram, roubam e roubarão no e do governo e ninguém vai preso; tão certo quanto vivemos bem e à tripa forra, principalmente em matéria de educação, saúde e segurança; tão certo como agora, com o pré-sal, vamos ter dinheiro até para comprar os Estados Unidos inteiros, se eles começarem a incomodar demais; tão certo quanto estou achando esse governo a solidificação de uma ditadura galhofeira dos poderosos de sempre, sobre a mesma massa ovina. Tão certo quanto tudo isso e muito mais, podem ter certeza de que voltarei triunfalmente à moda. Aderi. Oposição, meu caro amigo, minha encantadora amiga, vão procurar num lugar fora da moda por aí. Poderei ter de mentir um pouco, mas estarei na moda. Aliás, mentir também está, não está?

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