Há aí um importante erro de premissa. Para afirmar que os “gênios da direita” (como ele diz de forma jocosa) não passam nesses concursos, forçoso seria que eles disputassem as vagas. E não disputam. Com as exceções de praxe, os cursos das chamadas “humanas” (de fato, filosofia, letras e ciências humanas) são monopólio da esquerda. Então, não há essa disputa. E, se houvesse, a “direita” perderia - ou seja: seria rejeitada nos concursos de acesso. Por quê? Porque essas áreas do conhecimento quase nunca têm um núcleo objetivo que possa ser cientificamente testado, de modo a se endossar ou refutar uma tese. Ao contrário: lidam, antes de tudo, com valores, que, na origem, já são escolhas também ideológicas.
Por que o establishment da área de humanas das universidades é esquerdista? Há nisso o que já poderíamos chamar de “uma tradição”, que remonta aos anos 60. E que se note: não apenas no Brasil. É assim em praticamente todos os países democráticos. Esses cursos abrigam os descendentes daquele pensamento “de resistência” que anteviu, há quatro décadas, o “fim do capitalismo”. Como o capitalismo, é claro, não acabou, o pensamento “resistente”, de matriz socialista, migrou para a proteção e exaltação do que chamo de “vários parcialismos”: passou a defender a mobilização de parcelas da sociedade que não mais falam em nome da sociedade universal - velha ambição da esquerda -, mas de verdades particulares: mulheres, negros, homossexuais, africanismos, orientalismos... Sigamos.
Nas universidades públicas em especial, não basta ter vocação acadêmica ou querer ascender na carreira. É preciso que o estudante que tenha concluído o curso demonstre interesse - e tenha condições financeiras para tanto - pelos vários estágios da pós-graduação e que haja alguém disposto a orientá-lo. Não é possível ascender na carreira acadêmica sem que haja uma espécie de adoção intelectual. Essa já é uma primeira peneira importante. E outras vão se estabelecendo ao longo do caminho. Seria perfeitamente possível uma banca liquidar com as pretensões de um não-alinhado com o establishment na defesa de uma tese. Mas isso nem chega a acontecer porque o não-alinhado já é barrado muito antes.
Nessas áreas do conhecimento, repudia-se a novidade e se busca a reiteração, perpetuado-se esquemas de poder e de influência ideológica. Nas carreiras que são atravessadas pelas demandas de mercado, por mais que a força do velho tente barrar a novidade, esta se impõe porque depende menos da arbitragem subjetiva. Nas chamadas ciências humanas, ou o sujeito paga o preço de endossar a metafísica influente ou está fora do jogo.
Nas universidades privadas, a realidade não é muito distinta, embora se deva atentar para um dado particular. Com raras exceções, quase nunca ela é formadora da, como chamarei?, “mao-de-obra intelectual primitiva”. Explico-me: o celeiro de “pensadores” e “humanistas” que seguirão carreira acadêmica e se dedicarão ao ensino são as universidades públicas, que formam a maioria dos mestres e doutores.
Estabelecida a competição entre eles - todos, já então, de um mesmo lado ideológico - pelos postos nas universidades públicas, o excedente opta pelo ensino privado, onde acaba reproduzindo os mecanismos de poder que o originaram. E que se note: os que não são aproveitados nem no ensino público nem no privado acabam se integrando a ONGs ou a instituições de grandes empresas que resolvem investir em cultura. O "comunismo" mais radical do Brasil, hoje - radicalismo de gabinete -, saibam, está nos institutos culturais financiados por grandes bancos. É gente que lastima a moderação de João Pedro Stedile e que acha o capitalismo uma porcaria...
Voltemos à velha questão: vão criar o comunismo no Brasil? Não, é claro. O comunismo, na forma que se conheceu, subsiste apenas em Cuba e na Coréia do Norte - vale dizer: acabou. Nem a China, hoje uma tirania do capitalismo de estado, é mais exemplo. O que essa gente faz, com sua militância contra os valores universais da democracia, é flertar com formas veladas de autoritarismo, impostas por grupos de pressão que se assenhoram do estado e de seus instrumentos de coerção para impor a vontade de minorias organizadas como se fosse a realização plena da democracia.
Um comentário:
Excelente! Uma análise perfeita. Reinaldo Azevedo é completamente didático. Ainda assim, a maioria não compreende a questão.
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