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sexta-feira, 27 de abril de 2007

Urna não é pia batismal

(Texto de Lucia Hippolito, postado nesta sexta-feira, 27, no Blog do Noblat)

O Conselho de Ética da Câmara aprovou o arquivamento do processo contra três deputados: dois acusados de envolvimento com o mensalão (Waldemar da Costa Neto e Paulo Rocha) e um de envolvimento na máfia das sanguessugas (João Magalhães).
Os três deputados fazem parte da base governista.
Suas excelências, membros do Conselho de Ética, concordaram com o parecer do relator, que afirma que os três deputados foram reeleitos, portanto absolvidos pelo eleitorado.
E a soberania popular, segundo este argumento, não pode ser cassada pela Câmara.
Lamento muito, mas este argumento não fica em pé. Suas excelências estão confundindo urna eleitoral com pia batismal. Como se bastasse ser eleito para ser absolvido de todas as malfeitorias.
O sistema eleitoral brasileiro elege deputados federais pelo voto proporcional. Isto significa que o eleitor vota num candidato e pode eleger outro, completamente diferente. Isto porque as coligações distorcem a vontade do eleitor. Sem contar o mecanismo perverso de distribuição das sobras eleitorais.
No limite, o eleitor brasileiro pode votar em alguém da extrema esquerda e seu voto servir para eleger um candidato da extrema direita.
Segundo dados do TSE, dos 513 deputados federais eleitos em outubro de 2006, apenas 39 foram eleitos com seus próprios votos, atingindo o quociente eleitoral de seus estados.
Os restantes 474 deputados foram eleitos com votos de legenda, das coligações e das sobras eleitorais.
Isto mesmo: apenas 39, entre os quais não estão os três deputados cujos processos foram arquivados, foram eleitos com votação própria. Portanto, alegar que as três Excelências foram absolvidas pela vontade do eleitorado é tratar a soberania popular de forma torta e maliciosa.
Se o voto no Brasil fosse distrital, ainda se poderia insistir no argumento, mas com voto proporcional é apenas cinismo.
O papel do eleitor não é condenar ou absolver ninguém. Isto cabe aos organismos políticos, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário.
Até porque, segundo a lei brasileira, um cidadão pode ser candidato a qualquer cargo eletivo enquanto não for julgado culpado em última instância.
Por isso é que a atividade política passou a constituir enorme atrativo para acusados de estupro, assassinato, formação de quadrilha, quebra de sigilo bancário de cidadão indefeso, peculato, corrupção. E por aí vai.
Não se deve jogar nas costas da soberania popular uma responsabilidade que não é dela.
Isto tem ar de deboche.
Pois é. O deputado federal feirense Colbert Martins Filho, com certeza, não está entre os 39 eleitos com seus próprios votos. Assim, ele foi eleito com votos do partido, o PPS. Pela traição cometida, indo para o PMDB, tem mais é que perder o mandato, que não é dele.

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