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No Domingo de Páscoa

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sábado, 10 de dezembro de 2016

Filinto Bastos: "Visita à Terra Natal"


"Com a velhice, acentuaram-se certos traços da personalidade de Filinto. Amor a Feira de Santana; exagerada independência; vibração, nervosismo e carinho pelas belas letras. Um dêsses traços foi revelado pelo Prof. Nestor Duarte: 'A fria judicatura que lhe refreava os ímpetos, já castigados pela orientação conservadora de sua crença, do catolicismo filosófico, não mais lhe tolhia os ímpetos e os surtos outros da sensibilidade de professor e do mestre da mocidade. Êsses contrastes, como bem salientou, com humor comovido, um dos seus ilustres filhos, se retratavam fisicamente na fisionomia do juiz sereno, que amortece os excessos e os lampejos, e na do professor e orador, já vibrante e nervoso, a tentar mastigar o bigode, que os dedos agitados repassam e machucam, no instante mesmo em que nele explodem os vivos anseios da liberdade, simpatia humana e franca solidariedade pelas grandes causas e por seus combatidos seguidores'.
Quando de sua temporada na terra de ruas alexandrinas, o impenitente trabalhador investigou a ascendência de Maria Quitéria de Jesus, a heroína da nossa independência, e produziu um dos mais belos estudos sobre a Feira de Santana, em benefício dos melhoramentos da Igreja Matriz a pedido, talvez, da comissão dos festejos da excelsa padroeira da cidade.
Trabalho repassado de profunda saudade. Esculpe o admirável escritor as figuras do seu tempo. E elas passam numa evolução de poeta. Beijo sentido e venerável de um filho órfão que, não podendo oscular a face do que há de mais sacrossanto no mundo, se debruça saudoso sobre a terra de seu berço e sepulcro de seus pais.
Com os olhos tristes e magoados vê o contraste dos seus dias de menino de preto, quando frequentava os cursos do Professor Lupério e Padre Ovídio, e os atuais.
Deseja assistir ao maior espetáculo de sua terra natal, a famosa feira. Desde domingo à tarde, chegavam os sertanejos de todos os pontos vizinhos e mesmo de certos pontos longínquos. Grande tropel de animais pelas estradas de Jacobina, Irará, Santo Amaro, Cachoeira, e de uma infinidade de vilas e logarejos. Lavradores conduzindo produtos de suas roças; criadores açoitando porcos, carneiros, jumentos e cavalos. E, superando os lavradores e criadores, os vaqueiros. Tostados pelo sol, envergando brônzeos fatos, derreados na sela, aboiando nostàlgicamente, desciam os vaqueiros, e, na frente e dos lados, calçando alpercatas de couro crú, vara no ombro, os salta-moitas. No meio dêsses homens, as grandes boiadas de mansos, cançados e gordos bois. Esse mundo de coisas convergia para o Campo do Gado e para a praça da feira.
A cidade, que vivera pacatamente durante seis dias, se transformava. Não mais lojas, vendas e ruas paradas. Intenso borborinho de pedestres e milhares de cavalarianos sob a música de dezenas de carros de bois cantando. A praça da feira atopetada de tudo que o solo produz e o reino animal. Capoeiras atestadas de galinhas, perús aos milhares, pilhas de todas as frutas e verduras e caça da rica fauna. Porém a vida não estava na praça da feira. Estava no Campo do Gado, onde toda a Feira se concentrava no imenso campo arborizado de gigantescas gameleiras. Quatro mil e tantas cabeças de gado vacum, milhares de cavalos e centenas de carneiros. Compradores sem vintém fechando grandes compras de boiadas e a pesada na perna, isto é, calculado o peso matemático sem balança. De quando em quando, desgarrava um boi. Era uma festa na cidade. Vaqueiros e cavaleiros correndo atrás da alimária. Então, toda a Feira se concentrava nesse espetáculo extraordinário. Não só os vaqueiros, como também os filhos da terra, montando fogosos cavalos, disparavam todos no encalço da rês tresmalhada, para ver quem a derrubava primeiro. Passado o movimento, a agitação, o borborinho, tudo voltava à paz.
Filinto Justiniano Ferreira Bastos aspirava tudo aquilo como o mais devotado botânico que tivesse penetrado numa floresta densa e milenar.
E, ao findar do dia, quando o sol pendia para além do Jacuipe e seus reflexos iluminavam a serra de S. José, a praça quase vazia, o juiz se aproximava de um cruzeiro.
Que dizia aquêle cruzeiro do Campo do Gado? Não conhecia o convicto católico centenas de cruzeiros e cruzes espalhadas pela católica Bahia? Entretanto, aquela marcava um fato importantíssimo na vida de Filinto Bastos. Era o cruzeiro erguido no local onde fora enforcado Lucas da Feira, o maior salteador da Bahia. Morreu perdoando e, ao que parece, a hora da execução foi prorrogada, a fim de servir de exemplo ao próximo. Lucas morrera limpo da alma e também dos bolsos, pois, muito embora roubasse vinte anos seguidos, nada se encontrou em seu poder.
O velho juiz volve, novamente à Capital, deixando os extremos tabuleiros de sua infância, cheio de alecrins e candeias perfumosas."
Capítulo do livro "A Justiça Através de um Juiz", de Fernando Alves, editado em 1956 pela S. A. Artes Gráficas. Trata-se de uma biografia. O autor também lançou pela Editora Progresso, "Biografia de Maria Quitéria de Jesus", em 1952.

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