Por Reinaldo Azevedo
Os
leitores sabem que não sou do tipo que fica criando onda na expectativa de que
esferas de opinião, de sentimentos ou de esperança possam mudar a realidade. Ao
contrário até. Conservo certo pessimismo prudente sobre todas as coisas,
deixando meu otimismo sempre para o longuíssimo prazo. A marquetagem me
incomoda. É uma forma vulgar e inferior de pensamento.
Nunca fui um Doutor Pangloss.
Prefiro "cultivar nosso jardim". Ou por outra: construo o meu otimismo de
pessimismos intermediários. Sou cético demais para entrar em êxtase com causas
coletivas. Até porque, meus caros, nós sabemos que, para as pessoas moralmente
saudáveis, só as questões realmente pessoais, que dizem respeito ao mundo dos
afetos, são importantes. Olho com suspeição para pessoas obcecadas por mudar o
mundo. "Você não quer mudar o mundo, Reinaldo?" Quero. Mas sou mais obcecado
por advérbios.
Por que isso? Recebo relatos, de
diversas fontes, segundo os quais a fatura está liquidada na Câmara. Tanto as
minhas fontes que atuam, digamos assim, na ponta do embate como as que se
resguardam, servindo mais como oráculos, me dizem que, a esta altura, o
resultado negativo para Dilma é inevitável.
A decisão do PP, que vinha se
mostrando um dos bastiões da resistência, soou para o governo como o sinal de
alerta, o que explica o discurso da presidente Dilma, completamente fora do
tom, como quem estivesse prestes a cair, mais uma vez, na clandestinidade. Com
a diferença nada irrelevante de que, desta feita, ela seria uma clandestina da
democracia.
Embora tenha cargos no primeiro e
no segundo escalões - Ministério das Cidades (Gilberto Occhi) e presidência da
Codevasf (Felipe Mendes) -, o partido decidiu anunciar oficialmente a sua
adesão ao impeachment. Vale dizer: está desembarcando da base. É a vontade da
maioria.
Nas últimas horas, o Planalto
assiste a uma debandada de deputados aliados. A fuga se explica porque ninguém
mais confia que Dilma tenha futuro, ainda que venha a sobreviver à votação de
domingo. Insisto neste ponto: nem tanto é a certeza de que o resultado será
negativo que está a provocar a debandada, mas a evidência de que a
sobrevivência implicaria dias ainda mais difíceis. Não! Esse não é um daqueles
casos cantados por Camões em "Os Lusíadas", em que o temor pode ser maior do
que o perigo. Ao contrário: o perigo é mesmo maior do que o temor.
E, mesmo diante da mais
desavergonhada compra de votos de que se tem notícia no país; mesmo diante do
maior leilão jamais realizado na política; mesmo diante da maior queima de
cargos estocados da República, ainda assim, tudo caminha para que o governo
obtenha um resultado negativo.
"E depois disso, Reinaldo, vem o
quê?" Ora, depois disso vêm mais luta, mais disputas, mais confrontos de
ideias, mais choque de posições… É assim que caminhamos para o melhor mundo…
possível. O melhor mundo "impossível" é o pai de todas as ditaduras.
Assim, meus queridos, eu espero,
com vivo entusiasmo, que Dilma seja apeada do poder. Todas as informações que
tenho me dizem que caminhamos para isso. E sabem o que terei de fazer na
segunda? De trabalhar. E se o resultado for o que não quero? Também terei de
trabalhar. Em qualquer caso, vou "cultivar o meu jardim".
Digo isso porque noto aqui e ali
certas paixões finalistas, independentemente do horizonte de cada um, que
parecem vislumbrar na votação de domingo o fim de um mundo e o nascer de outro.
Não! Teremos apenas a vida e seu ofício seguindo, segundo as regras do estado
de direito.
Se Dilma perder, vou vibrar
porque acho que se estará fazendo justiça. Se ela vencer na derrota - isto é,
se os pró-impeachment não obtiverem ao menos 342 votos -, vou lamentar pelas
dificuldades adicionais que isso trará aos brasileiros, especialmente aos mais
pobres.
Mas a minha teia de afetos e as
coisas que realmente me são muito caras estão blindadas contra essas
circunstâncias todas. Baudelaire tem um poema, procurem, sobre o rei de um país
chuvoso. Não vale por sua melancolia. Vale por sua crença de que somos um pouco
mais do que cadáveres adiados que procriam e, de vez em quando, brigam.
Que Dilma se vá! E acho que se
vai. E se não se for?
Ainda saberei de cor um monte de
poemas que justificam uma vida.
Fonte: http://veja.abril.com.br/
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