Por Reinaldo Azevedo
O conteúdo da delação premiada de Ricardo Pessoa,
da UTC, que veio a público na edição de VEJA desta semana, é de estarrecer. O
que se viu ali é a expressão da privatização não de estatais, com regras
transparentes, mas do estado brasileiro. O PT se organizou, e já escrevi isso
aqui tantas vezes, para ser uma espécie de gerente do capitalismo nacional. O
partido, que sempre foi autoritário, posando de socialista, se juntou a um
setor do empresariado, que sempre foi autoritário, posando de capitalista, e,
juntos, promoveram o aggiornamento do patrimonialismo. Luiz Inácio Lula da
Silva já é o maior coronel da história do Brasil. E isso, é óbvio, nada tem a
ver com suas raízes nordestinas. Até porque ele é um coronel urbano.
O que a Operação Lava Jato, nos seus aspectos
virtuosos - e há muitos aspectos viciosos também -, revela? Um partido que
operou e opera com extrema intimidade com os potentados nacionais. Atenção!
Estão sendo desvendadas as relações do partido com as empreiteiras - um setor
que nunca gozou de boa reputação na imprensa porque constituiu, sem trocadilho,
um dos pilares do regime militar, com a sua conhecida propensão para o concreto
armado. A má fama, justa ou injusta, vem de lá.
E se fôssemos desvendar as outras intimidades? Será
que as relações do PT com o setor financeiro sempre foram as mais republicanas?
E com algumas expressões da agroindústria? E com alguns eleitos da área
industrial propriamente?
A verdade é que, sob as vestes de um partido
socialista e igualitário, o PT se aproveitou para tomar de assalto não apenas o
estado, mas também o capital privado. Lula percebeu a fragilidade teórica dos
nossos empresários. Lula percebeu que, com raras exceções, eles se deixam
conduzir por um pragmatismo bronco e viam e continuam a ver o estado como extensão
de seus interesses. Então o PT olhou para esses senhores e disse: "O estado
financiador de grandezas é o caminho, e nós somos o pedágio". E o empresariado
topou pagar. Notem que todo o grande capital brasileiro estava "petista" até
anteontem.
Nota à margem: é por isso que o PT odeia tanto a
classe média - o que já foi vocalizado por Marilena Chaui e sua vassoura
teórica. Lula não se conformava que os banqueiros gostassem tanto dele, que os
empreiteiros gostassem tanto dele, que muitos empresários do setor industrial e
agroindustrial gostassem tanto dele, mas não as camadas médias. Daí o ódio que
petistas no geral tem ao Estado de São Paulo.
A origem
De
onde vem isso? É claro que o PT assustava parte do empresariado brasileiro.
Sabem como é… As pessoas levavam Lula a sério, embora ele próprio não se
levasse - o que, felizmente, descobri quando tinha 16 anos. Contei aqui: já fui
de esquerda, sim! Lulista, nunca! Sempre foi uma fraude como convicção. É um
falastrão que contou com circunstâncias favoráveis, dono, isto sim, de notável
inteligência para entender o jogo político. Ainda bem que é preguiçoso. Tivesse
se instruído também, teria sido um perigo maior. Adiante.
O PT teve de assinar a tal "Carta ao Povo
Brasileiro" em 2002, na qual se comprometia com os fundamentos da economia de
mercado. Funcionou como um primeiro chamariz para empresariado. Aos poucos,
setores do capital perceberam que Lula queria apenas ter a sua máquina no
controle - e a muitos isso pareceu positivo, desde que pudessem fazer negócios.
Um empresário realmente liberal tem, sim, por objetivo o lucro e a expansão dos
seus negócios, mas segundo valores. Um empresário sem valores se contenta com o
lucro e não vê mal nenhum em contar com um ente de razão como sócio - no caso,
o PT.
O que é que a delação de Ricardo Pessoa revela
senão isto? O PT se tornou um parceiro dos empresários, e, juntos, se
apropriaram do estado. Não é que essa comunhão não renda benefício nenhum ao
país. De tudo, como diria o poeta, sempre fica um pouco, também para os pobres.
Aos trancos e muitos barrancos, o país avançou em alguns indicadores. Posso
apostar que há muita gente que achava a tal parceria muito "natural". Mas
atenção: dentro das regras e sem roubalheira, teríamos avançado muito mais.
A conversão do PT à economia de mercado, em suma,
tinha um preço. E amplos setores do empresariado brasileiro decidiram pagar
apenas porque parecia positivo para os negócios. E tudo teria ido muito bem - porque, afinal, não há mal nenhum em que um governo mantenha uma interlocução
com o capital - se essa parceria não tivesse se dado à custa da degradação
institucional, da ilegalidade, do compadrio e da mais descarada e aloprada
corrupção.
Não existe mais crise mundial. A crise é
brasileira. E o nome da crise é o "Custo PT". Enquanto essa gente estiver no
poder, o país está condenado ao atraso. E ponto.
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