Por Gustavo Nogy
"LULA MORREU". Vou conferir
a notícia e, sigh!, Lula não morreu. Nem mesmo "esteve ontem" no Sírio-Libanês.
Para alegria de muitos e desespero de tantos outros, ele continua entre nós e
deve contribuir sobremaneira para a reeleição do títere que ora nos preside.
(Quem morreu parece ter sido
o José Serra, mas isso são histórias outras).
Nelson Mandela morre dia
sim, dia não, há pelo menos dois meses. Eu chorei sua morte ao menos cinco
vezes, e ele, que nunca foi exatamente santo - amistosas atividades antes da "canonização" política não me deixam mentir - prossegue, vivo e são, até sua
próxima morte em data a ser acordada. E basta trocar os nomes - de Nelson
Mandela por Sílvio Santos - que tudo se passa da mesma maneira.
Outra publicação me avisa
que "papa Francisco suspende a excomunhão do padre Beto", aquele homossexual
(confere?) disfarçado de sacerdote. E lá vou eu gastar dois minutos da minha
vida para confirmar que não, a excomunhão não foi suspensa coisíssima nenhuma,
e tudo não passa de mais um conto ilustrado com a foto do saudoso e nunca assaz
louvado Sérgio Malandro. Dois minutos para conferir a bobagem e mais dez para
prevenir três ou quatro amigos da mentira.
Meses atrás, Helena
Ramirez, histórica líder do movimento feminista no Brasil, teria deixado a
audiência da TV Globo estarrecida, ao declarar no programa do humorista Jô
Soares que "mulher que se submete a fazer sexo na vexatória posição 'de quatro'
está jogando no lixo as décadas de luta das mulheres conscientes". Certas posições sexuais não seriam dignas da
fêmea contemporânea e bípede. Polêmica. Consternação nas redes sociais.
Feministas libertárias criticam a feminista puritana, e a feminista puritana
criticaria as feministas libertárias, tenho certeza. Se existisse.
Ocorre que não houve
entrevista polêmica, Helena Ramirez é personagem tão histórica quanto a
inteligência do Emir Sader e, pensando
bem, aquele pernóstico também não é entrevistador, e a audiência da TV Globo
não fica impressionada com porcaria alguma, há muito tempo. Mas o boato imita a
vida (as senhoras e senhoritas estejam avisadas que, até segunda ordem, a
posição em questão está liberada). Hoje, uma mentira contada uma única vez já
se torna verdade sacrossanta e virtualmente indesmentível.
Ainda na semana passada
circulava um escabroso post que
mostrava chineses comendo (literalmente) criancinhas no jantar. Era picadinho
de criança com batatas, criança ao molho madeira, criança-atolada. O mundo
ficou horrorizado com os chineses e os chineses responderam ao mundo (em
chinês), e ninguém entendeu nada. Mas há um problema: não que os chineses sejam
incapazes disso (sorry, chineses), mas o escândalo é escandalosamente
falso. Eles preferem cachorros.
Pedro Doria, n'O Globo,
comenta de forma bastante pertinente o fenômeno:
O entusiasmo pelo advento
da Internet e pelas liberdades quase ilimitadas que ela promove deve ser
temperado, mais do que nunca, com doses generosas de prudência e seriedade. Ler
e ler novamente. Cruzar as fontes. E ler ainda uma vez mais.
Se o jornalismo tradicional
nunca foi das atividades mais confiáveis - em virtude das preferências
ideológicas, das urgências da profissão, das pressões ora econômicas, ora
estatais que a mídia mainstream sofre
e exerce -, isso não há de ser diferente na mídia heterodoxa, independente
e colaborativa.
O caso do coletivo Fora do
Eixo (Mídia Ninja) é exemplar. Alguns militantes nas ruas, câmeras nas mãos e
falta de ideias na cabeça. Pablo Capilé, um dos mentores da trupe, fez fama e
fortuna com esse jornalismo-verdade - que de verdade não tem rigorosamente
nada, e de jornalismo tem o pior.
O fato é que nunca a
verdade (sai pra lá com seu Pilatos interior!) esteve tão exposta e, a um só
tempo, tão escondida sob pilhas de mentiras virtuais. Andrew Keen, em seu livro
O Culto do Amador (recomendo),
questiona a liberalidade com que despejamos bobagens na rede, anonimamente. Ele
é bastante pessimista. Eu sou menos pessimista. Mas temos inegavelmente um problema.
Na prática, não é preciso
suprimir uma informação que se queira suprimida. Basta que produzamos centenas
de milhares de ruídos, e a verdade acaba esmagada e insignificante, sob o peso
de milhões de nano-Goebbels geradores de, aspas, conteúdo. O maior problema é
que a irresponsabilidade de muitos arruaceiros virtuais termine por justificar
a sanha autoritária dos nossos legisladores. Dizer a verdade - ou, no mínimo,
ter o cuidado de distinguir entre uma informação e um hoax - é, mais do que civilizado,
uma justificativa para manter os burocratas longe de nós.
A propósito: Oscar
Niemeyer, aparentemente, morreu. Mas se me contassem que tudo não passou de uma
brincadeira, eu acreditaria piamente. Sem conferir.
Publicado no blog Ad Hominem.
Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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