Sophie Charlotte e Luisa Arraes em "Reza a Lenda"
Foto: Divulgação
Por Roberto Sadowski
O longa "Reza a Lenda", com Cauã Reymond, tenta abrir espaço
para um novo cinema de ação nacional. Mas consegue fracassar espetacularmente
em todos os aspectos. Em um cenário dominado por comédias candidatas a
blockbuster e filmes "autorais" (com milhões de aspas) que, não raro,
são vistos por ninguém, a iniciativa de apostar em um gênero que geralmente se
dá muito bem nas bilheterias no Brasil é louvável. De boas intenções, porém....
A mecânica de um filme de ação é relativamente simples. Tirando as
exceções que endossam a regra, são premissas simples amarradas por uma execução
impecável. E uma execução impecável, claro, custa caro.
Além disso, o artesanato que compõe um filme do gênero é como um balé, uma
coreografia precisa que necessita de profissionais calejados no ofício - seja
uma perseguição automobilística, uma cena de luta ou simplesmente coisas
explodindo para estimular os sentidos e disparar a adrenalina em quem está do
lado de cá da tela.
"Reza a Lenda" não tem nada disso. A começar pelo básico: uma
premissa fácil de seguir. A história gira em torno de um grupo de cangaceiros
modernos que singram pelo sertão do Nordeste fazendo... nada. Mas eles
precisam se apossar da imagem de uma santa que aparentemente trará a chuva, mas
está em posse de um fazendeiro malvado porque... bom, vai saber. Ainda existe
um grupo de hippies (ao menos eu acho que são hippies) no meio do sertão que
aparentemente são sábios, mas também são nada confiáveis porque... bom, também
nunca fica claro.
O filme abre com uma perseguição em uma rodovia vazia - ou quase, já que
duas garotas, uma delas prestes a se envolver na trama toda, estão passeando
pelo meio do nada. A execução da cena é tão tosca que, de cara, "Reza a
Lenda" estilhaça uma regra do cinema de ação: é preciso capturar a atenção
da plateia de imediato! Depois somos apresentados ao herói da aventura, Ara
(Cauã Reymond), que podia ser um personagem bacana se existisse qualquer
preocupação em desenvolvê-lo melhor.
Reymond é esforçado e injeta credibilidade ao sujeito dividido entre religião e
violência, mas a ele nunca são dadas as ferramentas para que ele dê
personalidade ao motoqueiro do cangaço.
O roteiro, por sinal, é a pedra fundamental de todo filme - inclusive de
um filme de ação. Personagens precisam ter arcos bem definidos, mostrar quem
são, como mudam e evoluem ao longo da trama. Mas "Reza a Lenda" não
se preocupa com estes detalhes. Humberto Martins é um vilão mau porque... bom,
porque ele é mau, seu pai era mau e, pelo andar da carruagem, seu filho será
igualmente mau. Sophie Charlotte (uma motoqueira do bando de Ara) e Luisa
Arraes (a tal mocinha que cai de paraquedas na história) protagonizam um
triângulo amoroso canhestro com Reymond, que parece existir por alguém dizer
"é bacana a gente ter um triângulo amoroso aí", mesmo que em nada
ajude a narrativa.
"Narrativa" é a palavra-chave. Nos bons filmes de ação, a
violência, o sexo, a pirotecnia, as armas, lutas e explosões servem para ajudar
a fluidez da história. Por isso que "Duro de Matar", de John
McTiernan, funciona como um relógio. Por isso que, mesmo filmes de ação
menores, como a série "Busca Implacável", com Liam Neeson, conseguem
agilidade, apesar do texto pobre: as peças se encaixam, a coisa termina por
fazer sentido. Em "Reza a Lenda", a preocupação em pincelar um ou
outro estereótipo dos filmes de ação é mais importante com a história que
precisa ser contada.
Dinheiro, claro, é outro fator. Só em 2015, o público foi brindado com
filmes de ação do quilate de "Mad Max: Estrada da Fúria" e
"Missão Impossível: Nação Secreta". É possível ver que cada
centavo do orçamento milionário está em cena. Com valores de produção assim, o
nosso cinema, mais mirradinho, precisa ao menos buscar a excelência nos
detalhes. "Tropa de Elite" é um drama de ação com guerrilha urbana - e seus realizadores foram atrás de Phil Neilson, que trabalhou em "Falcão
Negro em Perigo", de Ridley Scott, para dirigir a segunda unidade e
"ensinar" aos profissionais brasileiros como criar uma guerra entre
os muros de uma cidade.
Mesmo filmes fora do circuito ianque, como "Operação Invasão",
de 2011, rodado por pouco mais de 1 milhão de dólares na Indonésia, parecem
custar vinte vezes mais pelo cuidado com a produção. O pulo do gato foi
concentrar a narrativa nas habilidades marciais de seu protagonista, um
policial infiltrado em um edifício dominado por um chefão das drogas - e onde,
aparentemente, todo mundo tem um pouco de Bruce Lee. Recentemente, Keanu Reeves
protagonizou "De Volta ao Jogo", um filme de ação irritante em sua
simplicidade: ex-assassino volta à profissão que abandonara em uma trama de
vingança. Ponto. Os diretores, dois coordenadores de dublês que trabalharam com
Reeves em "Matrix", capricham justamente onde eles são mestres, mas
sem nunca esquecer que existe um fiapo de narrativa amarrando a coisa toda.
Dinheiro, afinal, é parte do jogo, mas não o culpado pelo resultado
pobre de "Reza a Lenda". Na pressa em fazer um filme de ação com
elementos brasileiros - um "Mad Max do sertão", como muita gente se
apressou em rotular, errando o alvo por quilômetros –, os realizadores
esqueceram que o texto, por mais bobo e simplista, precisa fazer sentido. É
trabalhar com o roteiro do começo ao fim, fazendo com que a trama, por mais
estapafúrdia, seja um bom pano de fundo para as cenas de ação. Que, no fim das
contas, não passam de perfumaria, de uma moldura bacana para abraçar uma
história sobre vingança e redenção.
"Tentar" não entra na cartilha do gênero, e sim uma boa administração
dos recursos em mãos, um roteiro que tenha poucos e bons personagens e o
talento para realizar tudo com o papel de parede que o gênero pede.
Fonte:
http://cinema.uol.com.br/
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