Por Reinaldo Azevedo
A presidente Dilma
Rousseff não gosta quando tiro férias - ou, vá lá, ao menos um período de
descanso. Assídua leitora do blog, quando percebe que eu diminuo o ritmo para
conciliar nas areias da praia "o ser contra o não ser universal", ela chama
seus estafetas: "Vamos lá, cutuquem aquele preguiçoso!". E aí ocorre de ela
fazer coisas como a deste 1º de janeiro.
Dilma assina na Folha
o texto que vai disputar, neste 2016, o troféu "O Ridículo do Ano". A íntegra
está aqui. Eu doido para me dedicar aos uivos da "felicidade
diabólica", como escreveu Clarice, e lá vem a governanta a nos lembrar que 2015
só vai acabar quando ela deixar o Palácio do Planalto. Ela me arranca dos
abismos da metafísica. E talvez eu não a perdoe principalmente por isso.
De saída, cumpre
notar: a presidente manda dizer que, mesmo injustiçada, leitor, não está brava
nem com você nem comigo. No fim das contas, sabem como é, Dilmãe nos abraça,
apesar das nossas malcriações. Escreve ela: "Mesmo injustamente
questionada pela tentativa de impeachment, não alimento mágoas nem rancores. O
governo fará de 2016 um ano de diálogo com todos os que desejam construir uma
realidade melhor".
A primeira parte da
declaração nada mais é do que a linguagem balofa e pouco severa que marca fins
e começos de ano. A segunda já embute uma ameaça: haverá diálogo com quem
quiser construir uma realidade melhor; se diálogo não houver, então é porque a
outra parte é do tipo que quer construir uma… realidade pior! O raciocínio é um
brocado do pensamento autoritário que, não obstante, quer-se muito tolerante.
Na Coreia do Norte, em Cuba ou na China, governantes dialogam com os que
desejam "uma realidade melhor". Só mandam matar os que lutam em favor do
contrário.
O artigo se resume a uma
cascata que passaria, fosse ela ainda candidata, por mera bobagem eleitoreira.
Ocorre que esta senhora tomou posse há exatamente um ano. E está a descumprir
cada uma das palavras empenhadas justamente porque o diagnóstico que fez da
crise em 2014 era mentiroso. E, para espanto de um mínimo de bom senso, a
petista o repete agora. E isso nos dá, então, a certeza de que, enquanto
continuar a ocupar a cadeira presidencial, só o abismo nos espreita.
É evidente que não
esperava que Dilma admitisse os crimes fiscais que cometeu e os erros
grosseiros de operação de política econômica, contra advertências as mais
sensatas feitas até por quem está no campo governista, como é o caso de Delfim
Netto, para citar um nome. Mas chega a ser acintoso que a governante que vai
nos garantir dois anos seguidos de recessão (2015 e 2016), depois de um outro
com crescimento de 0,1% (2014), afirme o seguinte:
"Foi um ano no qual a necessária revisão da estratégia econômica do país
coincidiu com fatores internacionais que reduziram nossa atividade produtiva:
queda vertiginosa do valor de nossos principais produtos de exportação,
desaceleração de economias estratégicas para o Brasil e a adaptação a um novo
patamar cambial, com suas evidentes pressões inflacionárias."
Não há uma só verdade
na passagem. A "queda vertiginosa" das commodities se deu em 2012. Ainda que
tivesse acontecido posteriormente, seria só um elemento a agravar o abismo
fiscal em que ela própria e Guido Mantega nos meteram ao implementar uma
política em que despesa crescia continuamente acima da receita. Isso para não
falar nas oportunidades perdidas de operar reformas essenciais, enquanto o
outro abismo, o da crise política, ainda não nos espreitava. Ao contrário:
Dilma, seguindo os passos de Lula, demonizava as políticas de austeridade,
acusando-as de conspirar contra os interesses populares.
Já lembrei aqui e o
faço de novo: em dezembro de 2012, o Instituto Lula e uma entidade francesa
ligada às esquerdas promoveram um seminário na França. A nossa mestra deu um
pito em Angela Merkel e ofereceu o modelo brasileiro como alternativa. Em
janeiro de 2013, há meros três anos, esse portento da raça disse o seguinte em
rede nacional de rádio e TV:
"Aliás, neste novo Brasil, aqueles que são sempre do contra estão
ficando para trás, pois nosso país avança sem retrocessos, em meio a um mundo
cheio de dificuldades. Hoje, podemos ver como erraram feio, no passado, os que
não acreditavam que era possível crescer e distribuir renda.
Os que pensavam ser impossível que dezenas de milhões de pessoas saíssem da
miséria. Os que não acreditavam que o Brasil virasse um país de classe média.
Estamos vendo como erraram os que diziam, meses atrás, que não iríamos
conseguir baixar os juros nem o custo da energia, e que tentavam amedrontar nosso
povo, entre outras coisas, com a queda do emprego e a perda do poder de compra
do salário. Os juros caíram como nunca, o emprego aumentou, os brasileiros
estão podendo e sabendo consumir e poupar. Não faltou comida na mesa, nem
trabalho. E nos últimos dois anos, mais 19 milhões e 500 mil pessoas,
brasileiros e brasileiras, saíram da extrema pobreza."
Talvez nem fosse
necessário observar, mas o fato é que não há uma só corrente do pensamento
econômico que assegure ser impossível crescer e distribuir renda. Esses são os
inimigos imaginários que o PT combateu, enquanto destruía a economia do país.
E, como se nota, as "conquistas" das quais se jactava a presidente, que havia
acabado de selar o desastre no setor elétrico, foram para o ralo.
O tom do artigo desde
1º de janeiro de 2016 repete a ladainha mentirosa, arrogante e autorreferente
dos tempos em que o desastre estava contratado, sim, mas ainda não havia se
manifestado. É estupefaciente que um país que está na iminência de ganhar o
selo de "grau especulativo" da terceira grande agência de classificação de
risco seja exibido pela presidente como exemplo do destino de investimentos
estrangeiros.
O artigo, levado em
conta apenas o texto, é menos do que nada e não tem a menor importância.
Considerado o contexto, estamos diante de um indício de que viveremos,
infelizmente, dias turbulentos. A presidente decidiu fazer de conta que a
realidade é apenas uma narrativa distorcida pela má vontade de seus
adversários. E esse costuma ser um dos caminhos de diabólicas infelicidades.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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