A
presidente-candidata Dilma Rousseff e, em larga medida, o PT e seu marqueteiro
estão mexendo com forças que não conhecem e podem, do seu ponto de vista, fazer
uma grande bobagem. O partido decidiu esmagar Marina Silva. A candidata do PSB
à Presidência reclamou da truculência e das mentiras levadas ao horário
eleitoral - até Rodrigo Janot considerou que elas passam da conta e pediu que o
TSE retire uma peça de propaganda do ar. Em resposta à adversária, Dilma
sustentou que a Presidência não é para os fracos. Uma fala burra nos dias que
correm. Lula deu de ombros e ainda esnobou, truculento: Marina não precisa
chorar por ele. Manifestações arrogantes como essas podem ser fatais numa
eleição.
Ontem,
o PSB levou ao ar um trecho muito contundente de um discurso de Marina. Ao
comentar que o PT espalhava por aí que, se eleita, ela vai acaba com o Bolsa
Família, a candidata do PSB mandou um recado direto a Dilma, chamando-a pelo
nome. Falou fino, porque é de sua natureza, mas falou grosso, com voz embargada
e pausa dramática, tudo muito bem encaixado:
"Dilma,
você fique ciente. Não vou lhe combater com suas armas; vou lhe combater com a
nossa verdade. Tudo o que minha mãe tinha para oito filhos era um ovo e um
pouco de farinha e sal com umas palhinhas de cebola picadas. Eu me lembro de
ter olhado para o meu pai e minha mãe e perguntado: 'Vocês não vão comer?' E
minha mãe respondeu: 'Nós não estamos com fome'. Uma criança acreditou naquilo.
Mas depois entendi que eles há mais de um dia não comiam".
A
candidata indagou, em seguida, como é que ela poderia, com aquela história,
acabar com o Bolsa Família.
Pois
é… Lula inventou uma categoria que vai ficar na política brasileira por muito
tempo: os "Silvas". É aquela gente que teve uma infância difícil, que lutou
contra as vicissitudes da sorte e que venceu, sem esquecer suas origens.
Verdade ou mentira, a construção é politicamente poderosa. Acontece que Marina
pertence a essa família Silva. Em certa medida, sua história pode ser mais
meritória - e meritocrática - do que a do próprio Lula. Afinal, adicionalmente,
além de pobre, foi analfabeta por mais tempo do que o chefão petista, é mulher
e negra.
Já
adverti aqui e volto a fazê-lo: não tentem despertar o poder das vítimas. Os
fortes e os brutos não entendem o seu potencial. Talvez Dilma devesse dar um
pulinho correndo na Galleria Borghese, em Roma, e olhar aquela que é, para mim,
a obra mais impressionante obra de Caravaggio: Davi segurando a cabeça de
Golias (foto no
alto).
Tudo ali é demasiadamente humano: o ar plácido do mais fraco, que se sagrou
vencedor, e a incompreensão que restou no rosto de Golias, o morto. Não há ódio
nem sangue. Só um fato. A reprodução não dá conta. Quem puder tem de ver de
perto. Mas retomo o fio.
Como
construção de personagem e como narrativa a incendiar o imaginário, Marina sabe
ser Lula, mas Dilma só sabe ser Dilma, e a personagem, convenham, não desperta
grande interesse. Mesmo o aspecto que vendem como heróico de sua trajetória
está muito longe da vida do brasileiro comum. É evidente que o PT, na política
e, entendo, na lei, foi muito além dos limites aceitáveis. Marina está a um
passo de se tornar o Davi que ainda vai segurar, com ar piedoso, mas firme, a
cabeça de Golias.
O
desespero chegou com tal violência nas hostes companheiras que a artilharia
pode ter sido usada precocemente. O que mais pretendem usar contra Marina, que
seja compreensível para as massas? No segundo turno, caso as duas mulheres
realmente cheguem lá, o tempo na TV será o mesmo, e Dilma já terá perdido há
muito o troféu fair-play.
Dilma
é uma esquerdista que veio das camadas superiores. Como diria Monteiro Lobato,
da casa de pobre, ela não conhece nem o trinco - ou a falta de trinco. Lula
conserva aquele charme popular, mas ele foi talhado, na medida, ao longo de
vinte anos, para atacar tucanos. Assisti ontem ao programa do PT no horário
eleitoral: está chato, repetitivo, tentando convencer os brasileiros de que o
paraíso é aqui. Tenho certeza de que João Santana se pergunta que diabos ele
tem a fazer com todo aquele tempo.
Vamos
ver o que vai dizer a pesquisa Datafolha. Considerando só a pesquisa Ibope, a
única com motivos para se preocupar é mesmo Dilma, que caiu três pontos em uma
semana: de 39% para 36%. Sim, é verdade, estando certos os números, Aécio
Neves, do PSDB, ainda está distante de um segundo turno, mas subiu quatro
pontos, passando de 15% para 19%. Marina oscilou um para baixo e aparece com
30%. No segundo turno, a petista ameaçou tomar a liderança numérica na semana
passada, ficando apenas um ponto atrás da rival (43% a 42%), mas a distância
pode ter-se alargado: 43% a 40%. Como já vimos, Aécio melhorou, Marina resistiu
e pode ter ascendido no segundo turno, e Dilma murchou nas duas etapas.
As
barbaridades cada vez mais cabeludas da Petrobras certamente interferem nas
escolhas dos eleitores. Mas creio que há mais: é crescente o repúdio à
truculência do PT no trato com os adversários. Já houve um tempo em que Lula
sabia ter o fabuloso poder da vítima. Hoje, ele só consegue entender a
truculência dos algozes. Pode ser vítima, sim, mas da própria soberba.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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