A imprensa baiana, principalmente a do jornalismo político, deveria fechar
as portas e atirar as chaves na baía de Todos
os Santos
Por Fernando Conceição
A
matéria com chamada de capa da edição de "Veja" desta semana, sobre o método
petista de administrar o poder, também na Bahia, é um furo de reportagem que
envergonha todos os jornalistas que atuam nos veículos desse Estado. Por sua
inoperância, medo, conivência e corpo-mole.
O
site da revista já atualizou a matéria publicando entrevista com o senador
petista baiano Walter Pinheiro, que tem seu nome envolvido na tramamoca.
Ele acusa o próprio PT baiano de querer acabar com sua reputação. Já Rui Costa,
ex-poderoso chefe da Casa Civil do governador Jaques Wagner, a quem este quer
ver na sua cadeira, atribui tudo a uma trama da revista. Ele que teria se
beneficiado com parte da grana desviada, segundo apurou a revista.
Sei,
sei, imprensa boa é aquela que fala bem da gente (como foi edição de "Veja" ano passado com Wagner nas
disputadas páginas amarelas). Se não, é lixo. É uma total inversão de valores
esta. A auto-intitulada "turma do Lula" ainda pensa ser possível subestimar a
inteligência das pessoas.
Talvez
consiga, entre os que dependem dos seus favores e assistencialismos. Ou os que
alegam que "no tempo de Paulo Souto - já não vale dizer mais carlismo, porque da escola carlista são
também o vice de Rui, João Leão, e seu senador, Otto Alencar - era a mesma
coisa ou pior". Se era, foi para acabar com isso que o povo baiano em 2006
elegeu Wagner…
Se
Lula, seu líder maior, quando confrontado com os mal-feitos de gente próxima,
nega os fatos - transformando em heróis condenados, como tentaram com José
Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno; dizer que tudo não passaria de mentiras
da imprensa livre - isso não dá ao Governo da Bahia imunidade.
A denúncia atual parte de figuras do próprio PT baiano. Por ser do
interesse público - afinal, Rui Costa pode vir a ser eleito governador - deve
ser investigada. Pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Justiça - instituições
autônomas ao governo. E pela imprensa economicamente saudável, de que a
Bahia se ressente, pela falta.
ERAM OS ANOS 90, eu jovem repórter. Tenho comigo a longa carta enviada ao então
diretor de redação do jornal "A Tarde", Jorge Calmon, com ameaças à credibilidade deste então
colaborador do jornal.
Assinada
por candidato ao Governo da Bahia, poderoso empresário e ex-prefeito da capital
baiana. A reportagem que fiz, publicada no jornal, era também sobre desvio
de dinheiro público. Também para construção de mais de 1.000 casas populares.
Para famílias carentes, também. Pela Prefeitura de Salvador, comandada por
Mário Kertèsz (1986-1988). Casas aquelas que ninguém viu. Dinheiro que "sumiu".
"Veja", a
mais importante revista semanal de informação do Brasil, traz matéria revelando
que a prática permanece. Dessa vez a acusação sobre os envolvidos no suposto
desvio de dinheiro que seria para casas para os pobres aponta para ninguém
menos que o candidato da coligação governista à sucessão de Jaques Wagner
(PT), Rui Costa, e outros elementos do comando petista na Bahia.
E
como reagem esses poderosos, surpreendidos pela independência de "Veja"? Atacando o jornalismo de "Veja". De modo similar àquele
ex-prefeito da capital: ameaçando os autores da reportagem e a publicação. É o
padrão comum dos que se acham intocáveis, porque no governo e com o poder nas
mãos. Também, o que lhes resta junto aos seus seguidores fazer, senão tentar
achincalhar a revista, acusando-a de a serviço dos opositores?
"Veja" tem
sido, no Brasil, desde antes da volta da democracia com a constituição de 1988,
o veículo de informação que mais tem contribuído para a independência do
jornalismo no país. Que mais tem fustigado os poderosos nos governos de plantão,
seja de quais coloração ideológico-partidárias sejam.
Não
deu trégua ao governo Sarney - há a estória do "boi-voador", no tempo dos fiscais de Sarney e do congelamento de preços nos supermercados. Foi assim com
Fernando Collor - a primeira grande publicação a mostrar a farsa do "caçador de
marajás", depois dando a bombástica entrevista com Pedro Collor, que
desencadeou o processo de impeachment do presidente eleito. Foi assim com
Fernando Henrique Cardoso, repercutindo a denúncia da compra de votos de
parlamentares para a emenda constitucional da reeleição, noticiada em
furo pela "Folha de S. Paulo".
Porque,
para relembrar Millôr Fernandes (1923-2012), "jornalismo é oposição - o resto é armazém de secos e molhados" -, "Veja" atrai para si o
ódio dos governantes atuais, como atraiu o dos passados.
É
por isso que na bibliografia obrigatória de uma das disciplinas que ministro na
Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, adoto a leitura
semanal de "Veja", para
discussões sobre temas da atualidade. Todos os meus alunos são obrigados a
ler e comentar a revista.
E
não vale tirar xerox. Quero ver cada um deles com seu exemplar debaixo do
braço, uma vez que sorteio de um a três alunos para debate sobre um tema a cada
aula. Em faculdade de jornalismo de "gente cabeça", "progressista", "muderninha" e "do bem", obrigar os estudantes a ler "Veja", como faço, assemelha-se a uma
heresia.
Alguns ou outros desses imberbes
jovens, que aprendem na escola o hábito de criticar o jornalismo "cão-de-guarda" que fica no calcanhar dos governos - de preferência,
doutrinados a odiar publicações como "Veja"
ou aquilo que gente da laia petista rotula, à falta de vergonha na cara, de PIG
(Partido da Imprensa Golpista) -, desistem e vão plantar cebolas por aí.
JORNALISMO QUE NÃO INCOMODA É PLACEBO
Se
os jornais empresariais baianos, todos, sem exceção, caíram na vala comum do
jornalismo que não investiga nem apura, deixaram de ter no jornalismo a sua
razão de ser.
Um
jornalismo deslumbrado com quem tem poder (econômico, político ou artístico).
Que não sai à rua para descobertas. Que não remexe arquivos à cata de
documentos. Que se compraz em construir textos apenas declaratórios, de assessorias
e por telefone. As faculdades de jornalismo têm a sua parcela de
responsabilidade pelo torpor do jornalismo na Bahia.
Aliás,
também nelas não se desenvolve o adestramento para o exercício profissional de
qualidade - pelo contrário. Ainda hoje, a Facom/Ufba enfrenta um debate que
transbordou para a esfera do Judiciário, exatamente pela reação refratária de seus dirigentes a um jornalismo menos
domesticado.
Há
pouco mais de dois anos, no próprio "A Tarde", um repórter que fugiu desse scritp foi demitido sob pressão de forças econômicas com
influência nas redações dos jornais.
À
época em que fui chamado à sua sala - quando entregou-me para ler a longa
missiva do então pré-candidato a governador, Jorge Calmon quis
certificar-se comigo.
Queria
saber se eu garantia, com certeza, as informações contidas na reportagem sobre
o desvio do dinheiro. Com minha resposta o diretor do jornal mandou eu seguir
em frente nas apurações.
Quanto
ao pré-candidato - à frente nas pesquisas do Ibope, tendo Antônio Carlos
Magalhães em sua chapa para o Senado -, sequer candidato conseguiu mais ser.
Então
ganhou uma carteira de radialista, tornou-se dono de veículos. Patrão de
jornalistas e professores de jornalismo. Que o chamam de "doutor". Semestre
passado uma aluna que inadvertidamente cometeu tal deslize em minha
sala, perdeu meio ponto. Até parece que não lê "Veja"!
Fonte: http://fernandoconceicao.com
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