Foto: Reprodução
Por Felipe Frazão, na VEJA.com
O sol a pino, o tempo seco e a temperatura diária por volta dos 38 graus castigam Teresina entre setembro, outubro e novembro, época do ano que os nativos apelidaram de "b-r-o-bró", sílaba final dos três meses mais quentes do ano na capital do Piauí. A condição é ainda mais penosa para os moradores da Vila Dilma Rousseff, uma favela formada por casebres de taipas na Zona Norte da cidade. A vegetação local, formada por cajueiros e palmeiras (ou pindobas, como são chamadas no Estado), oferece pouca proteção do sol. Caminhar nas vielas de terra durante o dia torna-se uma tarefa árdua. Apesar de levar o nome da presidente-candidata, líder de intenção de voto no Estado, a invasão, distante 18 quilômetros do centro, parece ainda mais longe do poder público: falta água encanada, energia elétrica e saneamento básico mínimo – banheiro em casa é um privilégio.
Criada há mais de três anos, a "vila" (um eufemismo local para
favela) abriga atualmente cerca de 1.000 famílias, segundo moradores ouvidos
pela reportagem. As palavras mais pronunciadas entre eles são "água", "energia"
e "gambiarra", um resumo das carências mais urgentes. No último levantamento,
em meados de 2013, havia 658 famílias e mais de 800 barracos de pé - os que
continuam vazios ou fechados pertencem a quem os vizinhos chamam de
aproveitadores. Os moradores construíram os casebres de cômodo único por conta
própria, erguidos com talo de babaçu preenchido com barro. A madeira fina,
típica da região, compõe a cerca. As folhas secas das palmeiras cobrem os
telhados - embora a maior parte dos moradores esteja comprando telhas para
evitar ataques incendiários na madrugada. A palha tem outra serventia: funciona
como tampão nos cercadinhos nos quintais, onde se toma banho de balde.
Na entrada da invasão, destaca-se um pé de faveiro, árvore do
cerrado com copa mais larga. Nela, está pregada a placa que dá ares de
legalidade: "Assentamento Dilma Rousseff". Não há nenhuma outra formalidade que
indique a presença do poder público na favela, aberta na periferia do bairro
Santa Maria da Codipi. A água e a luz são puxadas ilegalmente das redes de um
condomínio vizinho, construído com recursos do programa Minha Casa Minha Vida.
Para se refrescar, os moradores armazenam água em baldes e anilhas de concreto
que funcionam como caixa d’água improvisada. Ou vão tomar banho de rio. No
vídeo a seguir, conheça a rotina de quem vive no local.
A invasão estabeleceu-se ao lado do maior conjunto habitacional do
Estado, o Residencial Jacinta Andrade, com 4.300 casas de alvenaria. Uma nova
leva de casas do Residencial Mirante de Santa Maria da Codipi, de 648 unidades
e orçamento de 20 milhões de reais, também permanece fechada, sem nenhum
morador, à 700 metros de distância. Apesar da condição menos degradante, lá
também passou a faltar água neste ano, o que levou os mutuários a abandonarem o
lugar. O Ministério Público do Piauí investiga a distribuição de casas a
moradores que não se encaixavam nas regras do programa e a revenda proibida.
Moradores também denunciaram à Polícia Federal que casas eram usadas como "veraneio", para festas e churrascos. O Ministério Público Federal abriu uma
ação civil pública para apurar desperdício de dinheiro público na obra do
Jacinta Andrade, que atravessou os períodos de governo dos últimos três chefes
do Executivo locais, ex-aliados que agora protagonizam a disputa. Ao custo de
147 milhões de reais, a construção lançada no governo Wellington Dias (PT),
candidato a retornar ao posto, atravessou o mandato do seu sucessor e agora
desafeto, Wilson Martins (PSB), e permanece incompleta no mandato-tampão de Zé
Filho (PMDB), ex-vice de Martins, que assumiu o governo em abril e concorre à
reeleição.
Trabalhadores sem-teto que não conseguiram ser sorteados para
receber uma casa do condomínio Jacinta Andrade ergueram a favela. O terreno
baldio era rota de fuga, esconderijo de traficantes e local de desova de
corpos, além de palco de execuções e linchamentos. Em uma reunião com catorze
líderes comunitários na prefeitura de Teresina, decidiram homenagear a
presidente recém-eleita. "Na época a gente precisava de um nome forte e o mais
forte era o da presidente", diz Branca, como é conhecida a auxiliar de serviços
gerais Risomar Granja Nascimento, de 45 anos.
Branca é um exemplo do pragmatismo teresinense. Filiada ao PCdoB,
trabalhou em 1989 na campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Neste
ano, é cabo eleitoral do governador Zé Filho (PMDB). Ela conta que passou a
presidir o conselho comunitário da Vila Dilma Rousseff com ajuda da
primeira-dama de Teresina, Lucy Soares, mulher do prefeito Firmino Filho, do
PSDB. Neste ano, também comprometeu-se a trabalhar pela eleição do sobrinho do
prefeito, Firmino Paulo (PSDB), para deputado estadual. Mas vota em Dilma – não
no PT, ressalva. "Voto para presidente é uma questão minha, eu que tenho de
escolher", justifica. "A presidente Dilma tem um cartaz doido por aqui. Meu
voto é da Dilma. Mas por causa do Lula, isso não nego para ninguém. Eu preferia
que ele fosse candidato, porque sou pernambucana como ele. E ele só ganha meu
voto para a Dilma, porque eu conheço os outros candidatos do PT daqui."
A quem lhe pergunta sobre a coerência das escolhas políticas,
Branca responde: "Dizem que a água e vinho não se misturam, mas isso só vale
para nós que somos pobres. Os ricos se misturam. Os políticos aqui de Teresina
são assim, vão para cima do palanque e se esculhambam, mas quando termina vão
para um lugar de rico que tem acolá na Avenida do Jóquei tomar whisky e
conversar como se nada tivesse acontecido, enquanto os bestas ficam brigando
por eles."
A Associação de Moradores do Residencial Dilma Rousseff abriu seu
CNPJ em novembro de 2011. Por iniciativa da vereadora Graça Amorim (PTB), que
pediu votos na comunidade em 2012, o prefeito sancionou a lei que deu o título
de "utilidade pública" à associação em março do ano passado. Segundo Branca,
Firmino Filho prometeu ajudar os moradores a se fixarem no local. Há mais de um
ano, o prefeito anunciou, durante reunião pública para evitar a reintegração de
posse da ocupação, o lançamento de um Plano Diretor de Regularização Fundiária
em Teresina. Apesar disso, os vizinhos da Vila Dilma Rousseff convivem com o iminente
medo de despejo - o terreno é particular - e reclamam de nunca terem recebido
qualquer benefício governamental.
Eles reclamam da precariedade do lugar: no inverno, entre
fevereiro e abril, chove e venta forte em Teresina, o que derruba os postes de
madeira levantados para passar a fiação. Uma parede inteiriça da casa do
pedreiro Antonio dos Santos Soares, de 30 anos, foi ao chão. Ele teve de correr
com a mulher e a filha para não ser atingido. Para o pedreiro, os políticos
desperdiçam dinheiro com campanhas eleitorais e deveriam ver "se alguém está
com fome". "Esse dinheirão danado que eles andam gastando com carreata e
soltando fogos, deviam dar uma carga de barro para um pobre que está
precisando", diz.
Bolsa Família
Soares é eleitor convicto de Dilma, assim como a maioria dos moradores da vila. Ele acredita que só a presidente-candidata tenha condições de aumentar a geração de empregos no país. Também desconfia que postos de trabalho serão fechados se ela for derrotada. "O emprego ficou mais facilitado depois que ela entrou e ela fez um bom trabalho ajudando as mães com o Bolsa Família." O raciocínio político de Soares ajuda a entender os índices de intenção de voto ostentados pela presidente no Estado: Dilma atinge 61%, ante 24% de Marina Silva (PSB) e 6% de Aécio Neves (PSDB). A preferência por Dilma sobe para 67% entre os piauienses que ganham até um salário mínimo - o inverso do que ocorre com Marina e Aécio, que atingem, respectivamente, 16% e 3% nessa faixa do eleitorado.
Soares é eleitor convicto de Dilma, assim como a maioria dos moradores da vila. Ele acredita que só a presidente-candidata tenha condições de aumentar a geração de empregos no país. Também desconfia que postos de trabalho serão fechados se ela for derrotada. "O emprego ficou mais facilitado depois que ela entrou e ela fez um bom trabalho ajudando as mães com o Bolsa Família." O raciocínio político de Soares ajuda a entender os índices de intenção de voto ostentados pela presidente no Estado: Dilma atinge 61%, ante 24% de Marina Silva (PSB) e 6% de Aécio Neves (PSDB). A preferência por Dilma sobe para 67% entre os piauienses que ganham até um salário mínimo - o inverso do que ocorre com Marina e Aécio, que atingem, respectivamente, 16% e 3% nessa faixa do eleitorado.
Mulher de Soares, a dona de casa Cleudia Regina Gomes Sales, de 31
anos, é uma das beneficiárias do programa na vila. Ela ganha auxílio de 112
reais para manter na escola a filha Adrielle Suyane, de 4 anos. A vizinha Maria
de Lourdes Pereira da Costa, de 22 anos, também passou a receber a quantia após
o nascimento do menino Luís Eduardo, de 1 ano e 4 meses. Elas fazem parte de
uma realidade massificada no Piauí: atualmente o governo federal paga a Bolsa
Família para 458.081 no Estado, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. De janeiro a setembro, o governo federal desembolsou
729 milhões de reais em benefícios para famílias que equivalem a 48% da
população piauiense. Em 2013, foram 903 milhões de reais.
Durante a conversa com o site de VEJA, Cleudia pediu por três
vezes que o repórter lhe arranjasse uma indicação para trabalhar na prefeitura
de Teresina. Ao contrário do marido, Cleudia relata dificuldade em conseguir um
emprego. Ela elogia Dilma, mas é categórica ao dizer que o governo não levou
benefícios para a ocupação. "Até agora não recebemos nada. Os postes são
gambiarra, a encanação também, não tem fossa e falta água direto numa quentura
dessa para as crianças", relata. "Acho que a Dilma deve ter ajudado, ela é
muito querida aqui. Eu não tenho o que dizer [reclamar] dela não. Muita gente
aqui diz que está com o voto garantido para ela."
A adesão a Dilma, contudo, não é unânime. Um dos primeiros
moradores da invasão, o camelô Carlos da Silva Gomes, de 45 anos, eleitor da
petista em 2010, agora pensa em anular o voto. Ele afirma que perdeu a
confiança nos políticos. “Votei na Dilma devido à incerteza. Ela já vinha com o
Lula e eu sabia que ia continuar o governo dele”, diz o vendedor ambulante.
“Hoje a gente vê que a corrupção já vem de muito tempo, é só o que a gente
houve falar na televisão. A gente não vê o benefício, não vê eles se dedicarem
ao voto da pessoa. Eu mesmo nunca fui beneficiado pelo governo municipal,
estadual nem federal.”
Mais nova moradora da vila, a mãe de Gomes, Maria Isabel da Silva,
de 68 anos, também está indecisa sobre a quem confiar o voto presidencial.
“Estava pensando na Marina, mas ainda não tenho opção”, diz a dona de casa, que
lembra ter tido como último benefício do governo o Bolsa Escola, de 32 reais,
para um neto. O benefício, que “servia para comprar uma merenda no colégio”,
foi cortado quando o rapaz completou 16 anos. No domingo passado, Maria Isabel
se juntou ao terreno em que a família ergueu três casebres, o primeiro há 3
anos e 7 meses. Reflexivo, Gomes cobra a presença do Estado no local onde
deseja viver pelos próximos anos. “Não penso em sair daqui. Já me sinto como
dono mesmo. É muito bom ter o que é da gente.”
Fonte: “Blog Reinaldo Azevedo
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