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quarta-feira, 3 de abril de 2013

"César Borges, o novo ministro dos Transportes, deve toda a sua carreira política a ACM. Ele esperou o chefe morrer para, em troca de cargos, aderir correndo ao governo que combatia. É assim a política 'neztepaiz'”


Por Ricardo Setti
Demorou, mas os prêmios vieram. Belos prêmios: primeiro, foi uma gorda, vistosa vice-presidência do Banco do Brasil, em maio passado, com gordo salário e mordomias várias.
Agora, está assumindo um dos ministérios mais ricos e importantes do governo: o dos Transportes .
Sem exagerar, é possível dizer que é um prêmio a uma vocação para a sabujice e vassalagem do premiado - o ex-governador da Bahia e ex-senador César Borges. Mais que isso: o "caso Borges" é uma parábola perfeita de como funcionam as benesses do poder no Brasil, atropelando e anulando ideologias e posições políticas, além, naturalmente, de rebaixar os padrões morais com que é conduzida a vida pública.
Borges, 64 anos, existe na política única e exclusivamente por obra e graça do todo-poderoso e falecido senador Antonio Carlos Magalhães - o ACM, que foi deputado, prefeito de Salvador, presidente da Eletrobrás, ministro das Comunicações, governador da Bahia, presidente do Senado e, de uma ou outra forma, mandou e desmandou em todos os governos desde 1964, tanto na ditadura como na democracia, à exceção do governo do presidente Itamar Franco (1992-1995).
Borges, discípulo fiel e obediente de ACM, foi deputado, secretário de Estado, vice-governador, governador e senador - tudo pela mão do chefe.
Detalhando um pouco mais: o hoje ministro do governo lulopetista foi duas vezes deputado estadual pelo PFL (hoje Democratas), nas asas de ACM, senhor absoluto da Bahia por um longo período. No terceiro governo de ACM, o chefe convocou-o para ser seu secretário de Recursos Hídricos.
O passo seguinte foi colocá-lo, em 1994, como candidato a vice-governador pelo PFL na chapa encabeçada pelo então secretário do Planejamento de ACM, Paulo Souto, que havia saneado as finanças da Bahia, permitindo ao cacique realizar um governo operoso.
Souto fez um governo bem avaliado (1995-1998). Entre outras corajosas inovações, foi o primeiro governador de Estado "neztepaiz" a instituir - com boa parte do dinheiro oriundo da privatização do Banco do Estado da Bahia (Baneb) - um fundo de pensão complementar para os funcionários públicos admitidos a partir de então, o que a médio e longo prazo irá provocar enorme alívio ao Tesouro da Bahia, que não mais arcará com as aposentadorias integrais dos servidores.
Souto cometeu a imprudência de fazer um bom governo e destacar-se a ponto de levar o chefe a cortar-lhe as asas e, contra toda a lógica, não permitir que fosse candidato à reeleição em 1998. Ordenou que concorresse ao Senado, e assim se fez Souto. E quem é que foi escolhido para a candidatura a governador?
César Borges. E lá foi ele, sempre pelo PFL, conduzido pela mão de ACM por todo o Estado - e facilmente eleito.
Terminando o mandato, em 2002, ACM resolveu que Souto, agora, sim, poderia voltar ao governo baiano, e que a César Borges caberia disputar o Senado, junto com ele próprio, ACM. Os dois, naturalmente, foram eleitos com enorme votação.
Sempre se comportou direitinho diante do chefe
César Borges, como senador, sempre se comportou direitinho diante do chefe. Votava em tudo o que ACM determinava. Tal qual o cacique, votava contra o governo Lula e criticava o governo Lula, ao qual ACM se opunha ferozmente. Nos corredores do Congresso, tal como sempre ocorreu com outros senadores carlistas, nunca caminhava adiante do chefe - sempre, respeitosamente, um pouco atrás. No plenário do Senado, sentava-se sempre junto a ACM.
Pois bem, foi só ACM morrer, em julho de 2007, e tudo mudou. Nem bem o cadáver do chefão havia esfriado e, já em outubro, Borges bandeou-se para o insípido, incolor e inodoro PR, partido pau-para-toda-obra, e, claro, absolutamente aderido ao lulalato.
No PR, também se aproximou do governador petista Jaques Wagner, de quem ACM era acérrimo crítico e adversário.
Certa vez, quando instado a responder a uma crítica de Wagner, o então senador ACM, sempre desbocado, respondeu:
- Em vez de se preocupar comigo, o governador Jaques Wagner deveria tomar banho, fazer a barba e começar a trabalhar pela Bahia.
A mudança de Borges para o PR, infelizmente para ele, não lhe permitiu reeleger-se para o Senado em 2010. Ficou em terceiro lugar, atrás de dois candidatos mais diretamente caros ao lulalato - Walter Pinheiro (PT) e Lídice da Mata (PSB).
Dilma atende ao PR - e descumpre uma promessa
Esperou sentado a recompensa, e ela viria em maio do ano passado, quase dois anos depois da eleição.
Com a indicação para o vistoso posto no Banco do Brasil, a presidente Dilma Rousseff atendia a uma reivindicação do PR, que estava sem função no governo desde a demissão de Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes, alvo de denúncias de irregularidades, em julho de 2011. A presidente também descumpriu a promessa que fez de que só nomearia técnicos para cargos em empresas do governo ou por ele controladas que necessitam de comandos altamente profissionais.
A promessa foi novamente descumprida com a ida de César Borges para o Ministério dos Transportes, até agora tocado pelo engenheiro Paulo Passos, indicado pelo PR mas um técnico respeitado - é engenheiro com pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, funcionário de carreira do Ministério do Planejamento e tido como uma das maiores autoridades públicas no setor de transportes.
Depois da saída de Nascimento, o PR chegou a anunciar espalhafatosamente que deixaria a base de Dilma no Congresso, mas cedeu ao "apelo" do governo para retomar funções no Executivo.
E lá está ex-comandado de ACM, feliz da vida. Agora, em posto mais importante, com mais verbas e mais influência.

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