Por Hugo Navarro
Os elogiáveis e necessários esforços da Fundação do Senhor dos Passos para a preservação da história e dos
valores culturais de
Feira de Santana, manifestados em
inúmeras iniciativas, que no futuro poderão ser ampliados em benefício das
novas gerações e da verdade sobre a evolução de nossa terra, tiveram grande
momento quando foram lançadas gravações, em DVD, do Festival de Filarmônicas e das homenagens prestadas ao maestro
Estevam Moura, por ocasião do centenário de seu nascimento, e da memória
fotográfica do Fluminense de Feira F.C., em trabalho do jornalista Zadir Maques
Porto e do pesquisador Carlos Mello.
Feira de Santana é cidade que apresenta
características talvez únicas no universo das comunidades bahianas. A cidade,
conforme características que lhe são próprias, surgidas desde suas origens, vem
manifestando incoercível vocação para crescer e se desenvolver, em caminhada
nem sempre de orientação correta, em que conquista e constrói ao mesmo tempo em
que abandona, lança ao esquecimento e destrói tudo o que antes elaborou e
festejou.
Cidade do interior da Bahia, esquecida
dos governos, como tantas outras, lutando com as dificuldades naturais que
atingiam o antigamente chamado norte, em região transformada, depois, por
decreto, em nordeste, sujeita às cíclicas desgraças das secas, fazendo parte de
sertões inóspitos, pouco produtivos e perigosos, produtores de carências,
fomes, ignorância e jagunços, em país cuja vida inteligente e elegante
resumia-se a poucas áreas de progresso, geralmente do sul, onde se cultivavam
as artes (inclusive a de furtar) além de modos educados e inteligência, Feira
cresceu praticamente por seus próprios meios, salvo uma ou outra obra de vital
importância e um ou outro produtivo governo do Município.
Aqui, lutava-se, nos começos, contra o
tamanco. Tempo houve em que o empregado, de sapatos, despertava suspeitas.
Devia e ser ladrão. Tinha que arrastar tamancos, enfrentar a jornada de
trabalho conforme a vontade do empregador e a falta de educação que incluía a
ausência de higiene. Ainda nos anos quarenta, aos domingos, pela manhã,
poderiam ser vistos, na cidade, grupos de comerciários, toalha ao ombro, saboneteira
na mão, alegres e brincalhões, a caminho da Chácara Mathias para o banho
semanal a quatrocentos reis por cabeça, em água que jorrava, abundante, de cano
precariamente instalado em pedregulho. A Chácara Mathias situava-se onde está,
hoje, o Centro de Abastecimento.
Exemplo de demolição ocorreu com o Taborda, grêmio teatral de sucesso, que adotou o nome de ator
português, famosíssimo em sua época e astro do teatro, no Brasil, durante largo
tempo. Do Taborda, que esforços de Gilberto Costa e de pequeno grupo tentou
reativar, resta, apenas, charge intitulada de O Enterro do Taborda, que mostra, à frente, a carregar o caixão, Maneca Ferreira,
fundador, participante e principal sustentáculo do grupo teatral.
A destruição, entretanto, assumiu
grandes e ruinosas proporções quando atingiu as bandas de música, cujo
prestígio e valor como manifestação cultural a Fundação do Senhor dos Passos tenta ressuscitar com o Festival e as
homenagens à memória de Estevam Moura.
Ah! Os novos poderão duvidar. Não havia,
porém, mais empolgante espetáculo, nesta cidade, do que assistir a desfile da
banda da 25 de Março, com seus cinquenta músicos em formação
militar, em meio às aclamações, executando, com
perfeição, seus dobrados, iluminadas, as quatro grandes bocas de contrabaixo,
pelos fogos de artifício dos adeptos que a acompanhavam. À frente, empertigado
e elegante, o maestro Estevam Moura, que foi mais do que maestro. Foi grande
administrador. Demonstrou capacidade de organização. A evocação de seu nome e
de sua extraordinária obra era necessária.
* Hugo Navarro escreve para o jornal "Folha do Norte"
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