Texto de Ipojuca Pontes, publicado nesta sexta-feira, 17, no site "Mídia Sem Máscara"
Na quinta-feira, 3 de maio, Dia da Mundial da Liberdade de Imprensa, alguns jornais de maior circulação do país publicaram anúncio de meia página com os retratos de Hitler, Stalin, Pinochet, Mao, Mussolini e Franco, ditadores que, nos tempos modernos, tornaram o mundo mais doloroso do que ele já é. Abaixo das fotos, lia-se a legenda em destaque: “Dia de se revirar no túmulo”. E, em seguida, em letras de corpo minúsculo: “3 de maio. Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Dia de alerta para que isso não volte a acontecer”.
O anúncio, mais do que necessário, foi uma iniciativa da ANJ - Agência Nacional de Jornais -, entidade sem fins lucrativos sediada em Brasília, que conta com 138 empresas jornalísticas afiliadas (basicamente publicações pagas e veiculadas, no mínimo, uma vez por semana). A ANJ foi fundada no Rio de Janeiro em 1979, no apagar do chamado ciclo da ditadura militar de 64. Em agosto de 1996, no México, se fez signatária da Declaração de Chapultepec que se compromete a acompanhar, investigar, denunciar, pedir providências e se manifestar em defesa da liberdade de expressão.
A ANJ é uma entidade identificada mundialmente por sua atuação, há 28 anos, na defesa da liberdade de imprensa no Brasil. Em reuniões, encontros, congressos e momentos em que a liberdade de imprensa se vê ameaçada, a ANJ automaticamente se pronuncia em sua defesa.
Melhor: a ANJ tem o seu código de ética, aprovado em 1991, em que preceitua, na condução dos jornais, dez artigos básicos para a manutenção de uma imprensa livre. A título de ilustração, ressalto três deles: 1) Sustentar a liberdade de expressão, o funcionamento sem restrições da imprensa e o livre exercício da profissão. 2) Apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses. 3) Defender os valores do ser humano, os valores da democracia representativa e a livre iniciativa.
Como signatária da Declaração de Chapultepec, por sua vez, a ANJ encampa o princípio ali exposto de que “Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos”. Ademais, a associação concorda plenamente com o artigo 5 do valioso documento, que diz: “A censura prévia, as restrições à circulação dos meios ou à divulgação de suas mensagens, a imposição arbitrária da informação, a criação de obstáculos ao livre fluxo informativo e as limitações ao livre exercício e a movimentação dos jornalistas se opõem diretamente à liberdade de imprensa”.
Muito bem, voltemos ao anúncio do dia 3 de maio. Ele nos parece, além de necessário, incompleto. De fato, Hitler, Stalin, Pinochet, Mao, Mussolini e o Generalíssimo Franco, embora em proporções distintas, eram ditadores que, em nome de um “mundo melhor”, tornaram a vida da humanidade um inferno. Uma coisa, no entanto, nivela por baixo a importância do alerta da ANJ: os ditadores mostrados no anúncio estão todos mortos e definitivamente sepultados (óbvio, não me refiro às idéias comunistas, nazistas ou fascistas que tais figuras representam, mas, sim, as suas ameaçadoras onipresenças físicas).
Assim, diante da louvável publicação do anúncio, uma pergunta se impõe: por que não estão ali, por exemplo, as figuras de Lenin, Tito, Ceaucescu, Pol Pot, todos mortos e ditadores comunistas igualmente sanguinários? E por que, entre os vivos, deixar de fora Fidel Castro e o arrogante Hugo Chávez, duas permanentes ameaças às liberdades de imprensa e de expressão? (Já não falo de Kim Jong II, o tirano da Coréia do Norte que anulou, por força do extermino em massa, qualquer tipo de manifestação do pensamento individual).
Fidel Castro, como se sabe, há quase meio século vem impondo as mais truculentas penas a quem pretenda questionar, pela palavra escrita ou falada, a repressão feroz que se abate sobre a ilha-cárcere. Jornal, lá, só o Granma, porta-voz do governo especialista em sonegar qualquer informação adversa aos interesses do “comandante” e acólitos.
Para manter a ilha sob completo controle, o ditador fuzilou, torturou ou fez desaparecer 50 mil dissidentes, segundo dados catalogados no “Livro Negro do Comunismo” (Bertrand Brasil, 1999). Já em 1981, no relato “Retrato de Família com Fidel” (Record, 1981), Carlos Franqui, ex-amigo do tirano e ex-editor-chefe do jornal “Revolución” (ora no exílio, em Roma), denunciou os métodos criminosos de Castro para estrangular qualquer vestígio de liberdade de informação em Cuba. Mais recentemente, entre março e abril de 2003, Fidel mandou trancafiar nas masmorras de Havana 61 jornalistas do Grupo 75 (entre os 300 presos políticos que lá estão), que ousaram questionar o seu regime despótico. Logo depois, à moda da casa, mandou fuzilar três dissidentes que tentaram - como milhares de outros, de resto - se evadir da ilha-cárcere.
O coronel Hugo Chávez, por sua vez, ao anunciar a implantação do socialismo na Venezuela, reafirma que vai fechar a RCTV, emissora de TV mais antiga e de maior audiência do país. Chávez despreza os protestos da maioria da sociedade e acusa a RCTV, de linha crítica ao governo, de fomentar o “golpismo”. Com o dinheiro fácil do petróleo, o tenente-coronel está montando um aparato estatal de comunicação sem precedentes, com três redes de televisão e dezenas de emissoras de rádios, jornais e revistas a serviço da perpetuação do poder - a representar hoje, pelo seu caráter totalitário, uma ameaça a toda América Latina.
O filósofo positivista Augusto Comte dizia que os mortos comandam os vivos. No caso do pensamento radical dos ditadores mencionados, não há porque duvidar. Mas penso que o justo alerta da AJN fica incompleto por não apontar os tiranos que estão sobre a face da terra, cada vez mais perigosos, pulverizando com toda virulência os que, na defesa da democracia representativa e da livre iniciativa, se manifestam em favor da liberdade de expressão.
O anúncio, mais do que necessário, foi uma iniciativa da ANJ - Agência Nacional de Jornais -, entidade sem fins lucrativos sediada em Brasília, que conta com 138 empresas jornalísticas afiliadas (basicamente publicações pagas e veiculadas, no mínimo, uma vez por semana). A ANJ foi fundada no Rio de Janeiro em 1979, no apagar do chamado ciclo da ditadura militar de 64. Em agosto de 1996, no México, se fez signatária da Declaração de Chapultepec que se compromete a acompanhar, investigar, denunciar, pedir providências e se manifestar em defesa da liberdade de expressão.
A ANJ é uma entidade identificada mundialmente por sua atuação, há 28 anos, na defesa da liberdade de imprensa no Brasil. Em reuniões, encontros, congressos e momentos em que a liberdade de imprensa se vê ameaçada, a ANJ automaticamente se pronuncia em sua defesa.
Melhor: a ANJ tem o seu código de ética, aprovado em 1991, em que preceitua, na condução dos jornais, dez artigos básicos para a manutenção de uma imprensa livre. A título de ilustração, ressalto três deles: 1) Sustentar a liberdade de expressão, o funcionamento sem restrições da imprensa e o livre exercício da profissão. 2) Apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses. 3) Defender os valores do ser humano, os valores da democracia representativa e a livre iniciativa.
Como signatária da Declaração de Chapultepec, por sua vez, a ANJ encampa o princípio ali exposto de que “Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos”. Ademais, a associação concorda plenamente com o artigo 5 do valioso documento, que diz: “A censura prévia, as restrições à circulação dos meios ou à divulgação de suas mensagens, a imposição arbitrária da informação, a criação de obstáculos ao livre fluxo informativo e as limitações ao livre exercício e a movimentação dos jornalistas se opõem diretamente à liberdade de imprensa”.
Muito bem, voltemos ao anúncio do dia 3 de maio. Ele nos parece, além de necessário, incompleto. De fato, Hitler, Stalin, Pinochet, Mao, Mussolini e o Generalíssimo Franco, embora em proporções distintas, eram ditadores que, em nome de um “mundo melhor”, tornaram a vida da humanidade um inferno. Uma coisa, no entanto, nivela por baixo a importância do alerta da ANJ: os ditadores mostrados no anúncio estão todos mortos e definitivamente sepultados (óbvio, não me refiro às idéias comunistas, nazistas ou fascistas que tais figuras representam, mas, sim, as suas ameaçadoras onipresenças físicas).
Assim, diante da louvável publicação do anúncio, uma pergunta se impõe: por que não estão ali, por exemplo, as figuras de Lenin, Tito, Ceaucescu, Pol Pot, todos mortos e ditadores comunistas igualmente sanguinários? E por que, entre os vivos, deixar de fora Fidel Castro e o arrogante Hugo Chávez, duas permanentes ameaças às liberdades de imprensa e de expressão? (Já não falo de Kim Jong II, o tirano da Coréia do Norte que anulou, por força do extermino em massa, qualquer tipo de manifestação do pensamento individual).
Fidel Castro, como se sabe, há quase meio século vem impondo as mais truculentas penas a quem pretenda questionar, pela palavra escrita ou falada, a repressão feroz que se abate sobre a ilha-cárcere. Jornal, lá, só o Granma, porta-voz do governo especialista em sonegar qualquer informação adversa aos interesses do “comandante” e acólitos.
Para manter a ilha sob completo controle, o ditador fuzilou, torturou ou fez desaparecer 50 mil dissidentes, segundo dados catalogados no “Livro Negro do Comunismo” (Bertrand Brasil, 1999). Já em 1981, no relato “Retrato de Família com Fidel” (Record, 1981), Carlos Franqui, ex-amigo do tirano e ex-editor-chefe do jornal “Revolución” (ora no exílio, em Roma), denunciou os métodos criminosos de Castro para estrangular qualquer vestígio de liberdade de informação em Cuba. Mais recentemente, entre março e abril de 2003, Fidel mandou trancafiar nas masmorras de Havana 61 jornalistas do Grupo 75 (entre os 300 presos políticos que lá estão), que ousaram questionar o seu regime despótico. Logo depois, à moda da casa, mandou fuzilar três dissidentes que tentaram - como milhares de outros, de resto - se evadir da ilha-cárcere.
O coronel Hugo Chávez, por sua vez, ao anunciar a implantação do socialismo na Venezuela, reafirma que vai fechar a RCTV, emissora de TV mais antiga e de maior audiência do país. Chávez despreza os protestos da maioria da sociedade e acusa a RCTV, de linha crítica ao governo, de fomentar o “golpismo”. Com o dinheiro fácil do petróleo, o tenente-coronel está montando um aparato estatal de comunicação sem precedentes, com três redes de televisão e dezenas de emissoras de rádios, jornais e revistas a serviço da perpetuação do poder - a representar hoje, pelo seu caráter totalitário, uma ameaça a toda América Latina.
O filósofo positivista Augusto Comte dizia que os mortos comandam os vivos. No caso do pensamento radical dos ditadores mencionados, não há porque duvidar. Mas penso que o justo alerta da AJN fica incompleto por não apontar os tiranos que estão sobre a face da terra, cada vez mais perigosos, pulverizando com toda virulência os que, na defesa da democracia representativa e da livre iniciativa, se manifestam em favor da liberdade de expressão.
* O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-secretário nacional da Cultura.
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