No livro "Reminiscências de Feira de Santana", de José Francisco Brandão de Freitas, lançado em 1º de dezembro de 2013, o autor dedica páginas ao tema "Cinema":
"Nas décadas de 50 e 60, os habitantes de Feira de Santana programavam seu lazer e entretenimentos dentro do que a cidade proporcionava e oferecia. Dos entretenimentos culturais, os cinemas, para exibição de filmes da chamada Sétima Arte, preenchiam a ociosidade dos moradores da cidade. Nossa geração não alcançou os cinemas Santana e Brasil, mas alcançamos: Cine Madri, Cine Theatro Íris, Cine Santanópolis, Cine Central, Cine Plaza. Os filmes em preto e branco, do gênero chamado "noir", estavam sendo substituídos pelos filmes coloridos, e no sistema CinemaScope, e era comum perguntarmos se o filme era de amor, drama, guerra ou faroeste com índios, épico, ação ou ficção. Esses filmes eram anunciados em cartazes e fotos de cenas na fachada e em tabuletas colocadas na avenida Senhor dos Passos, lugar de maior movimentação e circulação de pessoas. Indicavam os horários, o elenco principal e a classificação da proibição para menores de 10, 14, 18 ou 21 anos, conforme estipulava a censura da época. As exibições nos cinemas, à noite, tinham boa frequência de público, com duas sessões, às 19 e 21 horas, ou em sessão única, às 20 horas, pois não existia televisão. A propaganda dos filmes era boca a boca, elogiando e criticando, entre os amigos e conhecidos por quem assistia. Havia a propaganda no carro volante de som chamado Papa Tudo, anunciando os filmes pelas ruas da cidade. Os cinemas Íris e Santanópolis eram amplos, com mais de 1.000 lugares. O Cine Madri era menor, frequentado pelos moradores dos arredores.
O Cine Santanópolis, o mais bonito da cidade, com seu confortável hall de piso nas cores preto e branco, e dois sofás laterais, nas cores azul e amarela, ladeados de colunas espelhadas, tendo à volta vitrines nas quais se afixavam os cartazes dos filmes a serem exibidos. Além dessas, outras vitrines, alugadas para lojas que exibiam seus produtos, ilustravam a ambiência da sala de espera, tornando-a uma atração para os frequentadores. Na sala de projeção, mais de 1.000 cadeiras acolchoadas, nas cores azul e amarela, distribuídas em três fileiras, combinavam com as imensas paredes pintadas com motivos egípcios - projeto da arquiteta Yêda Barradas Carneiro. O charme desse ambiente nada devia sequer aos cinemas de Salvador. Antes da projeção do filme, davam-se três toques de sinal, acompanhado de um jogo de luzes, nas cores verde, vermelha e preta, abrindo-se a cortina, mostrando a imensa tela. Nesse cinema, antes de começar o filme, o público se acomodava nas poltronas, por um período deNo Cine Madri, tocava-se o LP do Sandoval Dias e seu Conjunto, com os boleros "Amor", "Desesperadamente", "Marimba", "Pecadora", "Maria Bonita", "Palabras de Mujer", "Santa", "Solamente Una Vez" e outros memoráveis boleros.
No Cine Íris, tocava "La Paloma", "La Cumparsita", com a orquestra de Billy Vaughn. No Cine Santanópolis, as estréias dos filmes aconteciam aos domingos, na soirée, com duas sessões bem frequentadas, com enormes filas. Na segunda-feira, nas matinês, o fluxo era semelhante à soirée anterior, frequentado por estudantes que faltavam às aulas para assistir ao filme em cartaz e namorar no escurinho do cinema. O referido cinema era um dos mais bonitos da Bahia e do Brasil. Falar de filmes inesquecíveis cometeria injustiças, porque havia público para todos os gostos e gêneros. Uns iam para ver os artistas na tela, outros porque gostavam, entendiam e discutiam o enredo. Existiam os filmes com duração de aproximadamente quatro horas, com intervalo, para a platéia ir ao toilette e esticar as pernas. Esses filmes tinham uma única sessão - "Os Dez Mandamentos", "Ben-Hur", "Cleópatra", "Lawrence da Arábia", "Guerra e Paz", entre outros.
A reinauguração do Cine Theatro Íris, com o sistema CinemaScope, em 1958, foi um acontecimento na cidade, com duas atrações na noite. No palco o cantor Nelson Gonçalves e na tela, a exibição do filme "Trapézio" com Gina Lollobrigida, Burt Lancaster e Tony Curtis. Ainda no palco desse cinema apresentaram-se Ângela Maria, Ademildes Fonseca, Cauby Peixoto e as vedetes Virginia Lane e Renata Fronzi. Neste cinema a cantora Maysa Matarazzo, ao se apresentar irritou-se com problemas técnicos gerado pelo som, jogando o microfone no chão, retirando-se do palco e cancelando o show.
Os artistas que atraíam público eram Brigitte Bardot, Alain Delon, Romy Schneider, Rock Hudson, Lana Turner, Elizabeth Taylor, Richard Burton, Steve Reeves, Gina Lollobrigida, Audrey Hepburn, Sandra Dee, Sal Mineo, Paul Newman, John Wayne, Ginger Rogers, Joan Crawford, Bette Daves, Zsa Zsa Gabor, Ava Gardner, Tony Curtis, Marlon Brando, Marilyn Monroe, Victor Mature, Kirk Douglas, Charlton Heston, Yvonne de Carlo, Vivien Leigh, Gary Grant, Deborah Kerr, Yul Brynner, Gary Cooper e outros.
Nos anos 50, o cinema nacional ganhava credibilidade com lançamentos de filmes que marcaram época, como "O Caiçara", "Tico Tico no Fubá", "Sinhá Moça", "O Cangaceiro", "Orfeu Negro", "O Pagador de Promessas" - ganhador da Palma de Ouro, no Festival de Cinema de Cannes, notabilizando, com esses filmes, os artistas que iniciavam a carreira no cinema e na televisão, como Tônia Carrero, Anselmo Duarte, Eliane Lage, Marisa Prado, Vanja Orico, Glória Menezes, Leonardo Vilar, Dilma Lóes, além de inúmeros artistas. A maioria dos filmes nacionais eram comédias, chamadas de chanchadas, produzidas pela Atlântida e as filmadas nos estúdios de Herbert Richers, com um elenco de comediantes formado por Zé Trindade, Zezé Macedo, Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Cyll Farney, Eliana Macedo, Renata Fronzi, Dercy Gonçalves, Costinha, Jaime Costa, Consuelo Leandro, Renato Restier, Wilson Grey, Mazzaropi e muitos outros, que fizeram o público rir e conhecer o Rio de Janeiro, assistindo e observando, através da tela, os costumes, hábitos, gírias e cantores nacionais que, no desenrolar dos filmes, cantavam os sucessos da época, cujo cenário e set de filmagem era sempre a Cidade Maravilhosa, então Distrito Federal.
Na década de 60, surgiu o chamado Cinema Novo com os filmes dirigidos por Nelson Pereira dos Santos, como "Rio 40 Graus" e "Vidas Secas"; Roberto Santos, com "O Grande Momento"; Trigueirinho Neto, com "Bahia de Todos os Santos"; Glauber Rocha, com "Barravento" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol"; Ruy Guerra, com "Os Fuzis", e os consagrados: "Os Cafajestes", "Boca de Ouro", "A Grande Feira", "Assalto ao Trem Pagador", "O Pagador de Promessas", além de dezenas de filmes, que revelaram talentos como Odete Lara, Norma Benguel, Helena Inez, Luíza Maranhão, Rute de Souza, Geraldo Del Rey, Átila Iório, Antônio Pitanga e um infindável elenco.
Os porteiros dos cinemas, principalmente do Cine Santanópolis, conheciam os jovens que tentavam assistir aos filmes impróprios para menores e, mesmo apresentando o bilhete inteira para disfarçar, eram barrados e convidados a voltar à bilheteria para receber o dinheiro do ingresso, ou vender para alguém que quisesse comprar. Era constrangedora a situação. Também era comum nas saídas das matinês depararmos com uma multidão de pessoas comercializando revistas usadas, trocando ou vendendo, gibis de faroeste, infantis, terror, humorísticos e outros gêneros. As mais procuradas eram de aventuras como Zorro, Mandrake, Fantasma, Rin Tin Tin, Jim das Selvas, Tarzan, Buffalo Bill, Roy Rogers, Gene Autry, Cavaleiro Negro.
Havia cinéfilos que se consideravam intelectuais, quando discutiam e explicavam os filmes dos cineastas Pier Paolo Pasolini, Akira Kurosawa, Ingmar Bergman, Federico Fellini, Luis Buñuel, e outros. Esses pseudos intelectuais reuniam-se nos bares ou na Livraria Jacuípe, dos irmãos Wagner e Humberto Mascarenhas."
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