Tudo o que os jornalistas profissionais mais querem
é te deixar de cabelo em pé na frente do sofá
Por Carlos de Freitas
Desde que o mundo é mundo é assim: fofoqueiros
de todas as épocas sempre se alimentaram de desgraças para manter sua reputação
de pé. O jornalismo atual, talvez como nunca antes na história do homem, é
formado majoritariamente por fofoqueiros de quinta categoria, pré alfabetizados
e totalmente deslocados da realidade mais imediata.
Nenhuma outra classe profissional se
mantém em atividade sem que seus membros estejam em constante aprimoramento.
Salvo as exceções que confirmam a regra, o jornalismo moderno e profissional
não só não se aprimora como despreza as mais elementares regras da própria
atividade.
Imaginem um engenheiro que não saiba
realizar cálculos que seu bisavô fazia. Hoje, mais do que isso, ele deve dominar
as tecnologias que o auxiliam no seu campo de trabalho. Da conta de cabeça ao
AutoCad, a engenharia foi, cada vez mais, melhorando seus conceitos e suas
ferramentas, mesmo que os cálculos permaneçam imutáveis. Afinal, a matemática
não muda. Um calculista que despreze as fórmulas para dimensionar uma viga de
sustentação corre sérios riscos de não ir muito longe na carreira.
Se isso se dá numa profissão altamente
delimitada, ela deve se estender ao máximo a profissões cujos limites são muito
difíceis de discernir: a arte é um exemplo. Kandinsky pode se desinteressar
pelas formas nítidas e ir em busca de formas significativas, mas sua capacidade
de expressar as formas nítidas tem que ser quase absoluta, sob o risco de que
suas significações se percam em meros retalhos de uma mão desajeitada.
Eric Voegelin diz que "a razão e o espírito são os dois modos de constituição do homem, os quais foram generalizados na ideia de homem”" Esse "descobrimento definitivo" se abre para a razão, na busca pelo conhecimento do mundo; e para o espírito, na busca de Deus. Já disse, em outro texto, que a arte e a religião são as duas formas pelas quais o homem engrandece sua experiência: pelos olhos de Deus ele se vê encolhido e tem a noção de sua pequenez; pelos olhos do artista ele se vê dilatado e pode captar a dimensão de sua enormidade.
A atividade jornalística visa transmitir
informações atuais a uma fartura de pessoas que, em função de seus próprios
afazeres, não tem como investigar e analisar cada um dos acontecimentos aos
quais essas informações se referem. Na sua melhor forma, indivíduos abertos ao
conhecimento e ao espírito esmiúçam o mundo corriqueiro a fim de ampará-lo
nesses alicerces.
A massa jornalística atual, a que dá as
caras diariamente na televisão, na internet e nos jornais e revistas não possui
as ferramentas elementares para captar a complexidade da realidade. A sua visão
de mundo é muitas vezes mais rasa que a de um flanelinha de porta de estádio.
Há muitas razões para esse declínio e não vou entrar nelas nesse momento. O que
é fundamental é retirá-los dessa posição prepotente que assumiram sobre o todo
da sociedade.
Uma Vera Magalhães, uma Monica Bergamo,
como diria Ortega y Gasset, possuem um instrumental de noções arcaico e estéril
do que seja a sociedade, coletividade, usos, leis, justiça, revolução, etc. A
cosmovisão de um Guga Noblat não supera a de um pedreiro que contempla uma
perna mecânica.
Não é por acaso que essa classe esteja
se aproveitando de uma pandemia global para se autobeatificar, ao mesmo tempo
que se ajoelha a qualquer autoridade do YouTube que, entre um test drive e uma
partida de Fifa Soccer, aterroriza a sociedade com previsões totalmente irracionais.
A classe mais desprezada e desprezível
tem um amor reverencial às catástrofes e às pandemias. É o sentimento
bizarramente confortante de ser o primeiro a testemunhar um acidente. Quanto
mais terrível o acidente for, mais ele será instado a contar o que viu, e
assim, maior será a importância que dá a si mesmo.
A epidemia zumbi prevista pela Globo até
agora não se concretizou. Ao mesmo tempo, o outro lado, desprezando os altos
valores, transformou a pandemia num concurso de beleza. A birra midiática não
pode ser combatida com mais birra. O indivíduo comum, o afegão médio, cada vez
mais percebe quem causa agito e pânico. A nossa resposta tem que ser a ironia
do espírito e a habilidade da razão.
Camilo José Cela, no conto Costumes
Ancestrais, fala de uma puta que f... a domicílio:
"Chamava-se Lobinha, embora alguns a
tratassem por Lurdes do Bonequeiro, e tinha uma boa clientela entre os
deficientes mentais irreversíveis, os hipocondríacos, os que usavam dentaduras
artificiais e sofriam de orquite deixada pelas queimaduras das águas-vivas – o
que aliás era um senhor refinamento! -, os reverendos padres que optaram por
pendurar a batina e entregar-se com entusiasmo à farra e à sem-vergonhice, os
reverendos padres que mesmo quando ainda vestiam batinas e alvas já sabiam que
o pecado do escândalo é dificilmente perdoável, os poetas líricos constipados
pelo abuso de marmelada, as omeleteiras envergonhadas ou alérgicas,
aposentados, artríticos, reumáticos, prostéticos e muitas outras espécies de
sedentários."
O pecado mortal do jornalismo foi se
apropriar da graça melancólica e democrática de uma prostituta para entregá-la
aos poderosos sob a máscara de uma suposta isenção.
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