Por Socorro Pitombo
O rádio sempre foi um
meio de comunicação muito forte em Feira de Santana, o que explica a existência
de várias emissoras, levando informação, cultura e entretenimento à comunidade
local e região. Aliás, o brasileiro em geral adora rádio e, segundo pesquisa,
em 98% dos domicílios há pelo menos um aparelho embalando sonhos, despertando
emoções.
Mesmo com o
surgimento da TV, nos idos de 1950, quando todos acreditavam que o rádio iria
sucumbir, ao perder grande parte da publicidade, o veículo superou a crise e
hoje convive em perfeita sintonia com outras mídias. Desse modo, vai garantindo
o seu futuro, seguindo uma trajetória de quase 90 anos de sucesso.
Essa força também
esteve presente no passado, quando em Feira de Santana só existiam duas
emissoras: a Rádio Sociedade, prefixo ZYH 451, uma iniciativa do comerciante
Pedro Matos, e a Rádio Cultura, a ZYN 24, de propriedade dos empresários Oscar
e Miriam Marques.
O estopim
Era o ano de 1974 e o
general Ernesto Geisel assumia a Presidência da República. O então deputado
federal Francisco José Pinto dos Santos subiu à tribuna do Congresso Nacional e
fez um veemente pronunciamento sobre a presença do general Augusto Pinochet,
presidente do Chile, convidado para a cerimônia de posse.
O discurso de Chico
Pinto e a entrevista concedida quatro meses depois, onde reafirmou tudo que
disse na Câmara Federal, é o foco do livro "O Processo de Cassação da Rádio
Cultura", organizado pelo jornalista Dimas Oliveira. Com 128 páginas, a
publicação traz a marca da Fundação Senhor dos Passos, através do Núcleo de
Preservação da Memória Feirense Rollie E. Poppino.
O trabalho é
resultado de minuciosa pesquisa realizada no Arquivo Nacional, uma seleção das
peças do processo de fechamento da rádio feirense, no qual o jornalista se
debruçou durante seis meses. A sugestão partiu do professor Carlos Brito, da
Fundação Senhor dos Passos. O prefácio é do também jornalista Adilson Simas,
conhecedor profundo da história de Feira de Santana e, em particular, do
episódio que culminou com a cassação da emissora, pois estava ao lado do
radialista Lucílio Bastos, durante a gravação da entrevista.
A fala de Chico Pinto
na Câmara Federal durou apenas dois minutos, mas foi o bastante para trazer
sérias consequências, tanto para o deputado, que foi processado e condenado a
seis meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como para a rádio,
que inicialmente foi retirada do ar por 15 dias.
O assunto repercutiu
na imprensa em níveis nacional e internacional, pois o conteúdo do discurso foi
considerado pelo governo ofensa a chefe de estado de nação estrangeira em
visita ao Brasil. E rendeu ainda a Chico Pinto a perda do mandato. Quanto à
radio, também foi penalizada com a cassação.
Numa manhã de
terça-feira, mais precisamente em 18 de março de 1975, por ordem do Dentel da
Bahia, o diretor Osvaldo Collares Novais veio especialmente a Feira de Santana
para cumprir a determinação. Foram retirados os cristais e lacrada toda a
aparelhagem da Rádio Cultura, que saía do ar cassada pela ditadura militar.
O livro traz à tona
farta documentação, que ficou todo esse tempo como confidencial e secreta, além
de recortes de notas em jornais, livros e revistas. É sem dúvida importante
documento histórico e, graças à sensibilidade e persistência de Dimas Oliveira,
agora está à disposição do público leitor.
A rádio foi reaberta
10 anos depois da cassação, em 26 de julho de 1985, data em que se celebra a
padroeira da cidade, Senhora Santana. Em mãos de outro grupo, o de Rádio e
Televisão Record, passou a chamar-se Rádio Difusão e Cultura Ltda, mais
conhecida como Rádio Cultura, que nem de longe lembra a rádio da rua Geminiano
Costa, com seus programas comandados pelos radialistas do porte de Lucílio
Bastos, Geraldo Borges, Itaracy Pedra Branca, Raimundo e Dorival Oliveira,
entre outros nomes de referência do rádio feirense.
Além de organizador
do livro "O Processo de Cassação da Rádio Cultura", Dimas Oliveira é autor de "cinema demais", lançado em 2014, contendo comentários feitos para o jornal "Situação",
entre 1967 e 1971. Atualmente escreve sobre cinema nos jornais "NoiteDia", "Folha do Estado’" e "Municípios em Foco".
Socorro Pitombo é jornalista
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