Guido Araújo, o mui estimado
cineasta, agitador cultural e criador das lendárias Jornadas de Cinema da
Bahia, ganha sua maior homenagem no próximo dia 25, em Salvador. No não menos
lendário Cine Glauber Rocha (ex-Guarani), será lançada a série O Senhor das Jornadas, cinco
episódios de 26 minutos contando a história deste guerreiro, hoje com 83 anos.
A série é mais um belo serviço do
cineasta e produtor Jorge Alfredo Guimarães (Samba
Riachão), criador do site Caderno de Cinema,
à memória e à atualidade do cinema baiano. Ele já havia promovido uma mostra de
filmes do Guido e lançado um DVD e um catálogo com sua obra. O Senhor das Jornadas vem recuperar o
conjunto de suas atividades ao longo de mais de meio século.
Guido aparece passeando por suas
memórias. Passeando literalmente com sua bengala pelos cenários de sua
infância, de seus filmes, das Jornadas e de suas andanças pelo Brasil. Nos dois
primeiros episódios, o vemos na natal Castro Alves (BA), em locais de cinefilia
de Salvador - onde frequentou o histórico Clube de Cinema da Bahia - e no Rio
de Janeiro. Num reencontro emocionado com Nelson Pereira dos Santos, são
recordadas suas participações na equipe de Rio
40 Graus e Rio Zona Norte,
assim como na campanha pela liberação de Rio
40 Graus junto à censura, esta a primeira grande batalha de
resistência cultural do cinema brasileiro.
Se dispusesse de recursos menos
parcos, certamente Jorge Alfredo teria levado Guido de volta também à antiga
Tchecoslováquia, onde ele passou oito anos estudando cinema e atuando como
tradutor e divulgador de filmes brasileiros. Ao retornar ao Brasil em 1967,
movido pela saudade do cheiro das flores da Ladeira da Barra, estava pronto
para a militância por um cinema alinhado com o humanismo de esquerda.
Na série, um mosaico de depoimentos,
cenas de filmes e materiais de arquivo mantém a Jornada Internacional de Cinema
da Bahia sempre em perspectiva. Diversos realizadores, baianos ou não, falam do
papel civilizador do festival e de seu pioneirismo em abraçar o curta-metragem,
o documentário e o cinema de animação em pé de igualdade com os longas de
ficção. Foi na segunda Jornada, em 1973, que se fundou a Associação Brasileira
de Documentaristas, efeméride que merecia menção mais detalhada na série.
O terceiro episódio, especialmente
interessante, mergulha na Trilogia dos Saveiros, formada pelos curtas Maragogipinho, Feira da Banana e A Morte das Velas do Recôncavo. Esses
clássicos curtas documentais de Guido dão margem a uma discussão sobre a
linguagem do documentário, com Silvio Tendler e Edgard Navarro terçando
argumentos sobre a conveniência da narração em voz over.
Nos dois últimos episódios são
abordados outros curtas de Guido e desfiadas saborosas memórias das Jornadas. A
Cantina da Lua, ponto vital da cultura negra em Salvador, serve de décor para conversas com Maria do Rosário
Caetano e Octavio Bezerra. Também Orlando Senna, Pola Ribeiro, José Araripe
Jr., Alba e Chico Liberato (este responsável pela identidade visual dos
festivais) se juntam ao coro de lembranças e admiração pelo Senhor das
Jornadas.
O ocaso da Jornada após 39 edições,
ironicamente com o PT no governo estadual, deixou um rastro de tristeza e
indignação em parcela importante do cinema brasileiro. Com seu lema “Por um
mundo mais humano”, talvez o sonho de Guido tenha perdido mesmo seu sentido nos
dias que correm. Ou talvez, por isso mesmo, seja tão necessário quanto na época
em que surgiu, em meio à ditadura militar. A afetuosa série de Jorge Alfredo
nos faz pensar sobre isso.
Fonte: carmattos.com
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