Por Olavo de Carvalho
Quando entre os
anos 80 e 90 comecei a redigir as notas que viriam a compor O Imbecil
Coletivo, os personagens a que ali eu me referia eram indivíduos
inteligentes, razoavelmente cultos, apenas corrompidos pela auto-intoxicação
ideológica e por um corporativismo de partido que, alçando-os a posições muito
superiores aos seus méritos, deformavam completamente sua visão do universo e
de si mesmos. Foi por isso que os defini como "um grupo de pessoas de
inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem com a finalidade de
imbecilizar-se umas às outras".
Essa definição
já não se aplica aos novos tagarelas e opinadores, que atuam sobretudo através
da internet e que hoje estão entre os vinte e os quarenta anos de idade.
Tal como seus antecessores, são pessoas de inteligência normal ou superior
separadas do pleno uso de seus dons pela intervenção de forças sociais e
culturais. A diferença é que essas forças os atacaram numa idade mais tenra e
já não são bem as mesmas que lesaram os seus antecessores.
Até os anos 70,
os brasileiros recebiam no primário e no ginásio uma educação normal, deficiente o quanto fosse. Só vinham a corromper-se quando chegavam à
universidade e, em vez de uma abertura efetiva para o mundo da alta cultura,
recebiam doses maciças de doutrinação comunista, oferecida sob o pretexto,
àquela altura bastante verossímil, da luta pela restauração das liberdades
democráticas. A pressão do ambiente, a imposição do vocabulário e o controle
altamente seletivo dos temas e da bibliografia faziam com que a aquisição do status
de brasileiro culto se identificasse, na mente de cada estudante, com a
absorção do estilo esquerdista de pensar, de sentir e de ser - na verdade, nada
mais que um conjunto de cacoetes mentais.
O trabalho dos
professores-doutrinadores era complementado pela grande mídia, que, então já
amplamente dominada por ativistas e simpatizantes de esquerda, envolvia os
intelectuais e artistas de sua preferência ideológica numa aura de prestígio
sublime, ao mesmo tempo que jogava na lata de lixo do esquecimento os
escritores e pensadores considerados inconvenientes, exceto quando podia
explorá-los como exceções que por sua própria raridade e exotismo confirmavam a
regra.
Criada e
mantida pelas universidades, pelo movimento editorial e pela mídia impressa, a
atmosfera de imbecilização ideológica era, por assim dizer, um produto de luxo,
só acessível às classes média e alta, deixando intacta a massa popular.
A partir dos
anos 80, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o
sistema de alfabetização "socioconstrutivista", concebido por pedagogos
esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na
mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparar o desenvolvimento mais
ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade
de "doutrinação" explícita.
Do ponto de
vista do aprendizado, do rendimento escolar dos alunos, e sobretudo da
alfabetização, os resultados foram catastróficos.
Não há espaço
aqui para explicar a coisa toda, mas, em resumidas contas, é o seguinte. Todo
idioma compõe-se de uma parte mais ou menos fechada, estável e mecânica - o
alfabeto, a ortografia, a lista de fonemas e suas combinações, as regras
básicas da morfologia e da sintaxe - e de uma parte aberta, movente e fluida:
o universo inteiro dos significados, dos valores, das nuances e das intenções
de discurso. A primeira aprende-se eminentemente por memorização e exercícios
repetitivos. A segunda, pelo auto-enriquecimento intelectual permanente, pelo
acesso aos bens de alta cultura, pelo uso da inteligência comparativa, crítica
e analítica e, last not least, pelo exercício das habilidades pessoais
de comunicação e expressão. Sem o domínio adequado da primeira parte, é
impossível orientar-se na segunda. Seria como saltar e dançar antes de ter
aprendido a andar. É exatamente essa inversão que o socioconstrutivismo impõe
aos alunos, pretendendo que participem ativamente - e até criativamente - do
"universo da cultura" antes de ter os instrumentos de base necessários à
articulação verbal de seus pensamentos, percepções e estados interiores.
O
socioconstrutivismo mistura a alfabetização com a aquisição de conteúdos, com a
socialização e até com o exercício da reflexão crítica, tornando o processo
enormemente complicado e, no caminho, negligenciando a aquisição das
habilidades fonético-silábicas elementares sem as quais ninguém pode chegar a
um domínio suficiente da linguagem.
O produto dessa
monstruosidade pedagógica são estudantes que chegam ao mestrado e ao doutorado
sem conhecimentos mínimos de ortografia e com uma reduzida capacidade de
articular experiência e linguagem. Na universidade aprendem a macaquear o
jargão de uma ou várias especialidades acadêmicas que, na falta de um domínio
razoável da língua geral e literária, compreendem de maneira coisificada, quase
fetichista, permanecendo quase sempre insensíveis às nuances de sentido e
incapazes de apreender, na prática, a diferença entre um conceito e uma figura
de linguagem. Em geral não têm sequer o senso da "forma", seja no que lêem,
seja no que escrevem.
Aplicado em
escala nacional, o socioconstrutivismo resultou numa espetacular democratização
da inépcia, que hoje se distribui mais ou menos equitativamente entre todos os
jovens brasileiros estudantes ou diplomados, sem distinções de credo ou de ideologia.
O novo imbecil coletivo, ao contrário do antigo, não tem carteirinha de
partido.
Publicado
no "Diário do Comércio" Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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