Por Adriana Araújo Machado Mendes da Silva
Ao ler a "Veja" nº 2.164, de 12 de maio de 2010, setor Educação, deparei-me com o artigo “Salto no escuro”, afirmando que: “Seis de cada dez crianças brasileiras estudam segundo os dogmas do construtivismo, um sistema adotado por países com os piores indicadores de ensino do mundo”. Antes de terminar a leitura, minha cabeça já era um turbilhão de idéias, afinal de contas eu, com os meus vinte e poucos anos de idade, pedagoga e psicopedagoga, passei, como aluna, por escolas que seguiam uma linha tradicional, com conteúdos que eram depositados e vomitados sobre mim e eu, simplesmente, era obrigada a assimilá-los. Nelas fui rotulada, desprivilegiada, menosprezada, desrespeitada, deformada... Enfim, era considerada, sempre, a última da classe.
Acostumaram os estudantes a estudar para fazer uma prova. Para passar de ano. Mas dessa forma, eu não conseguia. Recuperação na certa, ano após ano. Nessas escolas, o errar era considerado castigo grave. Passei por terapeutas, psicólogos, psicopedagogos até encontrar uma escola que privilegiasse o pensar. O aprender a aprender. Uma escola que seguia princípios construtivistas, segundo os quais o conhecimento não é dado como algo terminado. Ele se constituía pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o mundo das relações sociais; e por força da ação do indivíduo e não por qualquer dotação prévia. Aulas que transcendiam as paredes da sala de aula; trabalhos com grupos operativos, viagens pedagógicas, conhecimentos construídos.
Continuei a leitura do artigo da "Veja" até me deparar com outra afirmação: "O construtivismo pode se tornar sinônimo de ausência de parâmetros para a educação, deixando o professor sem norte e o aluno à mercê de suas próprias conjecturas”. Travei, minhas mãos gelaram, engoli seco. Retomei a afirmação. Reli. O construtivismo pode, mas não é sinônimo de ausência de parâmetros, visto que as práticas pedagógicas construtivistas, conforme ressaltam Isabel Solé e César Coll em “O Construtivismo na Sala de Aula”, são norteadas por um conjunto articulado de princípios e diretrizes fundamentadas nas teorias psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem que defendem que o aluno exerce o papel principal no processo de ensino-aprendizagem e é o construtor ativo do seu próprio conhecimento. Isso implica que o professor não seja mais reconhecido como transmissor de conhecimentos, mas como aquele que estimula a autonomia do aluno e cria as oportunidades de descoberta. Esta teoria não diz, em nenhum momento, que os alunos fiquem soltos, sem parâmetros.
Automaticamente volto ao tempo e me recordo da época em que estudei e conclui meu ensino médio nessa escola que segue princípios construtivistas, na qual a minha professora de Língua Portuguesa,em suas aulas, ia além da gramática, da ortografia; trazia para nossa sala de aula textos, histórias de Rubem Alves e eu viajava nas entrelinhas das suas palavras e imaginava: “Quando crescer vou ser igual a ela!, não vou dar o peixe pronto aos meus alunos, vou ensiná-los a pescar”. Se as cadeiras estivessem em filas, fazia uma grande roda e abria uma discussão levando em consideração o ponto de vista de todos. Tive, ainda, um professor de História que, se possível fosse, vestia-se de Lampião para nos aproximar do conteúdo que estava sendo trabalhado. E ainda um professor de Educação Artística (Artes) que pedia que colocássemos nossas cadeiras do lado de fora da sala para vermos as coisas sobre outras perspectivas. Eles não cumpriram apenas seus simples papéis de professar uma arte ou uma ciência para que seus alunos passassem no vestibular ou numa outra prova qualquer. Mais do que isso fizeram, educaram e me ensinaram para a vida. E se hoje sou uma educadora que faz a diferença nas salas de aula por onde passo, é porque existem escolas, como a em que estudei e a em que trabalho, que acreditam nos princípios construtivistas. Escolas que, mais do que educar, desenvolvem a capacidade de pensar, resolver problemas, argumentar. Imaginem estudar física num parque de diversões, aprender matemática com poesias, estudar artes educando o olhar e a escuta sensível!... Pois é. Na minha escola jogava-se pião (quantas voltas ele faz por segundo e com que velocidade? Que forças o mantêm em equilíbrio?), xadrez, e até tínhamos um gudódromo (campo para jogar gudes). Lá aprendíamos lições fundamentadas em concepções construtivistas. (...) Nesse espaço de gente, o ensinar e o aprender, são atividades complexas e delicadas que acontecem, fazendo acontecer a vida. Espaço onde se compreende que ensinar exige domínio seguro de conteúdos, conhecimento do sujeito aprendiz, competência técnica, postura política, atitudes de escuta, acolhimento: onde o aprender significa conviver com a dúvida e com a busca, lidar com o inesperado; onde ensinar e aprender implicam engajamento num processo dinâmico, criativo, transformador (...).
Talvez a falta de parâmetros à qual alguns se referem seja o leque de possibilidades das diversas formas de aprender. Aí, sim, não há parâmetros. Cada um de nós pode transcender qualquer determinismo. De qualquer modo, numa escola que adota essa linha de trabalho humanista aprende-se, também, a não se surpreender com nenhuma atitude humana, pois o erro ganha uma dimensão educativa e não punitiva. Atitudes distorcidas são sempre pontos para reflexão, análise, crítica e tomada de posição. É verdade que não devemos exigir essa articulação mental de uma geração que só aprendeu a memorizar, só entende o que está parametrizado. Ela é o resultado de um ensino cujo foco não era o aluno. O construtivismo, ao contrário, propõe-se a olhar o estudante, porque mais importante do que o que se ensina é o como se aprende, quando se estabelece que o foco é a aprendizagem. É possível, sim, que existam escolas que não fazem um bom trabalho, assim como devem ter existido tantas outras que também não fizeram um bom trabalho outrora. Educar é uma tarefa árdua, metódica, sistemática, mas também amorosa, significativa, cheia de sentido.
De qualquer modo, quero, ao jeito de Eurico Alves Boaventura - poeta baiano, feirense - convidar o articulista da "Veja" e outros que não acreditam nesta teoria: - Venham, meus caros, conhecer o colégio onde estudei e me descobri capaz, criativa, inteligente, competente. Venham, meus amigos, se deliciar, na escola onde trabalho, com as travessuras de nossas crianças, que aprendem lições de respeito às diferenças, às diversidades, aprendem a se expressar, a articular o uso da língua, a criar estratégias para superar situações, a refletir sobre acontecimentos como o tsunami, o terremoto no Chile, contextualizando-os com as teorias e conceitos das ciências. Venham, meus caros, pois sempre é tempo de aprender a aprender, de ser criativo, inventivo e feliz.
Ah! E aos pais, diretores, alunos, educadores que tiveram paciência para terminar de ler o artigo da "Veja" e que acreditam que podemos educar segundo os princípios de Piaget, Vygotsky, Emilia Ferreiro e tantos outros que disseminaram e disseminam ações pedagógicas fundamentadas numa prática diária de construção e interação do conhecimento, não se preocupem se alguns acreditam que estamos atolados num pântano. Nossas crianças estarão a postos para criar estratégias para nos tirar de lá!
* Adriana Araújo Machado Mendes da Silva é pedagoga e psicopedagoga clínica e institucional
Ao ler a "Veja" nº 2.164, de 12 de maio de 2010, setor Educação, deparei-me com o artigo “Salto no escuro”, afirmando que: “Seis de cada dez crianças brasileiras estudam segundo os dogmas do construtivismo, um sistema adotado por países com os piores indicadores de ensino do mundo”. Antes de terminar a leitura, minha cabeça já era um turbilhão de idéias, afinal de contas eu, com os meus vinte e poucos anos de idade, pedagoga e psicopedagoga, passei, como aluna, por escolas que seguiam uma linha tradicional, com conteúdos que eram depositados e vomitados sobre mim e eu, simplesmente, era obrigada a assimilá-los. Nelas fui rotulada, desprivilegiada, menosprezada, desrespeitada, deformada... Enfim, era considerada, sempre, a última da classe.
Acostumaram os estudantes a estudar para fazer uma prova. Para passar de ano. Mas dessa forma, eu não conseguia. Recuperação na certa, ano após ano. Nessas escolas, o errar era considerado castigo grave. Passei por terapeutas, psicólogos, psicopedagogos até encontrar uma escola que privilegiasse o pensar. O aprender a aprender. Uma escola que seguia princípios construtivistas, segundo os quais o conhecimento não é dado como algo terminado. Ele se constituía pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o mundo das relações sociais; e por força da ação do indivíduo e não por qualquer dotação prévia. Aulas que transcendiam as paredes da sala de aula; trabalhos com grupos operativos, viagens pedagógicas, conhecimentos construídos.
Continuei a leitura do artigo da "Veja" até me deparar com outra afirmação: "O construtivismo pode se tornar sinônimo de ausência de parâmetros para a educação, deixando o professor sem norte e o aluno à mercê de suas próprias conjecturas”. Travei, minhas mãos gelaram, engoli seco. Retomei a afirmação. Reli. O construtivismo pode, mas não é sinônimo de ausência de parâmetros, visto que as práticas pedagógicas construtivistas, conforme ressaltam Isabel Solé e César Coll em “O Construtivismo na Sala de Aula”, são norteadas por um conjunto articulado de princípios e diretrizes fundamentadas nas teorias psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem que defendem que o aluno exerce o papel principal no processo de ensino-aprendizagem e é o construtor ativo do seu próprio conhecimento. Isso implica que o professor não seja mais reconhecido como transmissor de conhecimentos, mas como aquele que estimula a autonomia do aluno e cria as oportunidades de descoberta. Esta teoria não diz, em nenhum momento, que os alunos fiquem soltos, sem parâmetros.
Automaticamente volto ao tempo e me recordo da época em que estudei e conclui meu ensino médio nessa escola que segue princípios construtivistas, na qual a minha professora de Língua Portuguesa,em suas aulas, ia além da gramática, da ortografia; trazia para nossa sala de aula textos, histórias de Rubem Alves e eu viajava nas entrelinhas das suas palavras e imaginava: “Quando crescer vou ser igual a ela!, não vou dar o peixe pronto aos meus alunos, vou ensiná-los a pescar”. Se as cadeiras estivessem em filas, fazia uma grande roda e abria uma discussão levando em consideração o ponto de vista de todos. Tive, ainda, um professor de História que, se possível fosse, vestia-se de Lampião para nos aproximar do conteúdo que estava sendo trabalhado. E ainda um professor de Educação Artística (Artes) que pedia que colocássemos nossas cadeiras do lado de fora da sala para vermos as coisas sobre outras perspectivas. Eles não cumpriram apenas seus simples papéis de professar uma arte ou uma ciência para que seus alunos passassem no vestibular ou numa outra prova qualquer. Mais do que isso fizeram, educaram e me ensinaram para a vida. E se hoje sou uma educadora que faz a diferença nas salas de aula por onde passo, é porque existem escolas, como a em que estudei e a em que trabalho, que acreditam nos princípios construtivistas. Escolas que, mais do que educar, desenvolvem a capacidade de pensar, resolver problemas, argumentar. Imaginem estudar física num parque de diversões, aprender matemática com poesias, estudar artes educando o olhar e a escuta sensível!... Pois é. Na minha escola jogava-se pião (quantas voltas ele faz por segundo e com que velocidade? Que forças o mantêm em equilíbrio?), xadrez, e até tínhamos um gudódromo (campo para jogar gudes). Lá aprendíamos lições fundamentadas em concepções construtivistas. (...) Nesse espaço de gente, o ensinar e o aprender, são atividades complexas e delicadas que acontecem, fazendo acontecer a vida. Espaço onde se compreende que ensinar exige domínio seguro de conteúdos, conhecimento do sujeito aprendiz, competência técnica, postura política, atitudes de escuta, acolhimento: onde o aprender significa conviver com a dúvida e com a busca, lidar com o inesperado; onde ensinar e aprender implicam engajamento num processo dinâmico, criativo, transformador (...).
Talvez a falta de parâmetros à qual alguns se referem seja o leque de possibilidades das diversas formas de aprender. Aí, sim, não há parâmetros. Cada um de nós pode transcender qualquer determinismo. De qualquer modo, numa escola que adota essa linha de trabalho humanista aprende-se, também, a não se surpreender com nenhuma atitude humana, pois o erro ganha uma dimensão educativa e não punitiva. Atitudes distorcidas são sempre pontos para reflexão, análise, crítica e tomada de posição. É verdade que não devemos exigir essa articulação mental de uma geração que só aprendeu a memorizar, só entende o que está parametrizado. Ela é o resultado de um ensino cujo foco não era o aluno. O construtivismo, ao contrário, propõe-se a olhar o estudante, porque mais importante do que o que se ensina é o como se aprende, quando se estabelece que o foco é a aprendizagem. É possível, sim, que existam escolas que não fazem um bom trabalho, assim como devem ter existido tantas outras que também não fizeram um bom trabalho outrora. Educar é uma tarefa árdua, metódica, sistemática, mas também amorosa, significativa, cheia de sentido.
De qualquer modo, quero, ao jeito de Eurico Alves Boaventura - poeta baiano, feirense - convidar o articulista da "Veja" e outros que não acreditam nesta teoria: - Venham, meus caros, conhecer o colégio onde estudei e me descobri capaz, criativa, inteligente, competente. Venham, meus amigos, se deliciar, na escola onde trabalho, com as travessuras de nossas crianças, que aprendem lições de respeito às diferenças, às diversidades, aprendem a se expressar, a articular o uso da língua, a criar estratégias para superar situações, a refletir sobre acontecimentos como o tsunami, o terremoto no Chile, contextualizando-os com as teorias e conceitos das ciências. Venham, meus caros, pois sempre é tempo de aprender a aprender, de ser criativo, inventivo e feliz.
Ah! E aos pais, diretores, alunos, educadores que tiveram paciência para terminar de ler o artigo da "Veja" e que acreditam que podemos educar segundo os princípios de Piaget, Vygotsky, Emilia Ferreiro e tantos outros que disseminaram e disseminam ações pedagógicas fundamentadas numa prática diária de construção e interação do conhecimento, não se preocupem se alguns acreditam que estamos atolados num pântano. Nossas crianças estarão a postos para criar estratégias para nos tirar de lá!
* Adriana Araújo Machado Mendes da Silva é pedagoga e psicopedagoga clínica e institucional
2 comentários:
Esqueci de dizer, a matéria da Veja é sábia e pertinente. Serve de alerta, e fico triste ao ler essa tentativa de neutralização do alarme dado pelo Veja. Espero um dia ver minha pátria trilhar melhores caminhos.
O construtivismo é sim uma grande balela, e nenhum país sério adota esse sistema de ensino sem referências. Não se preocupem se alguns acreditam que estamos atolados num pântano, diz a Adriana. "Calma, pessoal, calma" ela diz. Mas o certo mesmo é se desesperar. O Brasil é último colocado em tudo no que diz respeito a educação, e continuará a ser enquanto adotar esse método terceiromundista que é o construtivismo. Enquanto não voltarmos ao clássico, ao que realmente funciona, ao professor ensinando o aluno, seremos esse fiasco.
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