Da professora Marly Caldas, do curso de Comunicação Social, o Blog Demais receberu e transcreve o material seguinte:
Filósofo, jornalista, professor e acadêmico de psicologia, o paranaense Jacir Alfonso Zanatta coordena o curso de Comunicação Social da Universidade Católica Dom Bosco. Tendo passado pela mesma função na Uniderp, possui como poucos uma visão aprofundada da profissão e de sua importância social, em especial para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Neste bate papo com o jornal "A Crítica", ele avalia a profissão no contexto atual e destaca a necessidade de um aprofundamento cultural mais denso para que o jornalista assuma um papel transformador na sociedade.
A Crítica - Qual a função do jornalista nestes tempos de crise?
Zanatta - O jornalista hoje tem uma função essencial na sociedade. Ele é divisor de águas, é o fiel escudeiro da democracia. Ele tem condições de denunciar onde estão ocorrendo os erros, de averiguar onde acontecem os fatos que interferem no regime democrático e tem a função básica de educar a sociedade.
A Crítica - Essa é uma missão de muita responsabilidade. Defender a democracia. O que é preciso para exercer bem essa missão?
Zanatta - Primeiro, um bom preparo, boa cultura, bom texto. Em outras palavras, uma boa linguagem. Pois é esse jornalista que vai escrever para o PHD e para o semi-analfabeto. Então, ele tem que ter um jogo de cintura, uma elasticidade de pensamento que atinja a todos de forma que todos entendam a mensagem. E é aí que nós (a academia) estamos, muitas vezes, cometendo alguns equívocos. Pois às vezes preparamos o jornalista para uma função técnica, sem prepará-lo, no entanto, para uma análise mais aprofundada da sociedade. O jornalista deve ser, na verdade, o filtro da sociedade. Se ele não for um bom filtro, não teremos uma boa sociedade. O filtro segura todas as impurezas. O jornalista, nessa análise, deve exercer um filtro social. Se ele tem um bom perfil ético-profissional, ele vai conseguir segurar essas sujeiras, essas impurezas, e passar uma informação clara. Então, é preciso sair um pouco desta linguagem jornalística de apenas descrever o fato. Quando você vê um jornalista que apenas descreve um fato, você percebe que ele não tem formação histórica, humana, social e antropológica que o permita analisar os fatos dentro da sociedade em que ele vive.
A Crítica - Como formar um profissional com este cabedal cultural, em uma sociedade que não prima pela educação ou pela leitura?
Zanatta - Eu não vejo hoje, e aí vai uma crítica ao sistema educacional, uma valorização da leitura, mesmo na área acadêmica relacionada ao jornalismo. Então, muitas vezes, estamos fazendo dos cursos universitários muito mais um curso técnico do que um curso de formação humana. E aí, me desculpe, não vejo saída, é leitura, leitura e leitura. Jornalista que não lê pode até ter um excelente texto, mas ele só reproduz o sistema social. Não precisa ser um revoltado, mas precisa ter uma noção de que não se pode tratar da mesma forma notícias como o salário mínimo de R$ 415 e uma lei que dá ao governador um salário vitalício de aposentadoria por um período de quatro anos de mandato. Não pode tratar a informação do mesmo jeito. Então, percebo que o jornalista está deixando de beber na fonte onde deveria beber. Ele está deixando de ler os clássicos da literatura, da filosofia, da sociologia, da antropologia. Ou seja, hoje você não tem no jornalista aquele pedestal da sociedade, aquela pessoa que detinha informação e era crítica, como ocorria antes do regime militar. Como disse o Cony (escritor e jornalista Carlos Heitor Cony), o jornalista hoje é um navegante de água rasa. Ele não consegue se aventurar mais do que lhe permite a fundura de um pires.
A Crítica - O jornalismo de antigamente era melhor?
Zanatta - Antes do regime militar, até a década de 40 digamos, o cara era jornalista, mas ele era advogado, médico. Então, vinham para o jornalismo pessoas de muitas áreas, era uma riqueza fantástica, porque eram pessoas com conhecimento de causa. Hoje, nós tiramos isso e colocamos a graduação em jornalismo nas universidades. Só que quando você coloca esta graduação, você tem que dar a parte técnica, mas tem também que dar a cultura para que este acadêmico saia para o mercado com uma visão crítica. Não vejo outra forma de fazer isso que não seja pela leitura. O acadêmico de jornalismo tem que ter olheira de tanto ler. O jornalista hoje tem que ser um pesquisador. Ele tem que conhecer tanto de história quanto um historiador, tanto de filosofia quanto um filósofo, tanto de sociologia quanto um sociólogo e não vemos esta preocupação.
A Crítica - Mas diante de uma realidade onde, de forma geral, o hábito da leitura não é incentivado em nenhum momento da vida acadêmica, não seria melhor adotar o sistema de alguns países europeus onde o jornalismo é uma especialização de outras áreas? Ou seja, o sujeito é advogado, mas especializa-se em jornalismo para aprender as técnicas de redação. Não teríamos jornalistas mais consistentes?
Zanatta - Acredito que é possível fazer o certo na universidade. O que precisamos é entender que esta função e esta preparação são necessárias, coisa que às vezes não percebemos na própria academia. Tanto o sistema que temos hoje no Brasil como o que você citou são viáveis. O que vemos muito em Mato Grosso do Sul é o jornalista que, depois de formado, vai fazer direito ou economia. Ou seja, é o jornalista que está no mercado, percebe a necessidade de ter este conhecimento e volta para a graduação para não escrever besteira. O que me preocupa é que nós passamos por um regime militar e ainda estamos reproduzindo a censura do regime militar, que não é mais uma censura explícita, mas é velada, dentro das próprias redações. Tipo: não vou escrever isso porque o dono do jornal não vai deixar sair. E aí você não corre o risco de fazer a matéria para não perder tempo. Ou seja, o jornalista se auto censura. Há também uma outra contradição muito grande. Vemos pessoas de camadas sociais mais baixas cursando jornalismo e que, quando se formam, adotam o discurso das próprias elites. Isso acontece porque este aluno entra e sai da faculdade sem entender da evolução sociológica e histórica do mundo onde vive.
A Crítica - Esta é uma crítica recorrente. O jornalista, que deveria ser um transformador da sociedade, acabou se transformando em um reprodutor de conceitos.
Zanatta - É preciso acabar com a visão reprodutiva. Não podemos achar que o jornalista é um mero reprodutor de informação, senão faremos como algumas emissoras de TV que contratam um economista ou um advogado que opinam sobre tudo. Essas pessoas, que não são jornalistas e que são contatadas pelos veículos de comunicação como articulistas, estão chamando o jornalista de burro. E ele realmente está se portando como burro, porque ele estudou quatro anos e aí é substituído por alguém de outra área para falar sobre aquele assunto porque ele não pode opinar. Mas por que ele não pode opinar? Porque ele não tem preparo ou porque não entende do assunto? Nós estamos acomodados. É muito mais fácil colocar a culpa no patrão, no editor, se auto censurar, reclamar da falta de estrutura. Não se assume a incompetência. É preciso criar esta reflexão no mercado.
A Crítica - Há como conciliar o “negócio” jornalismo com a “profissão” jornalista?
Zanatta - Sim, tem toda a possibilidade. Se não fazemos isso é por um equívoco. Vamos supor que você seja dono de um jornal. O empresário vai querer anunciar no jornal que tenha melhor informação e credibilidade. Então, se você tem um jornal com boa informação e alto nível de credibilidade, você terá mais anunciantes. Mas a preocupação é muito mais de preencher as páginas em branco todos os dias com o que quer que seja do que a de colocar nestas páginas opiniões que possam, de fato, contribuir para a formação democrática deste País. Aí é realmente um equívoco. Por outro lado, o jornalista tem que ter ciência de seu papel social. Ele não pode ter medo de ser mandado embora por escrever a verdade. Isso é um risco. Jornalista que não quer correr risco deveria ter feito culinária. Muitos estudantes entram na faculdade achando que depois de formados vão escrever o que querem e como querem.
A Crítica - Falta ao jornalista assumir posições?
Zanatta - O jornalista está sempre em cima do muro. Vamos escutar todos os lados! Aí escuta o cara que acusa, o cara que é acusado, a polícia. Mas, na verdade, não tem a noção daquilo que ele está fazendo. Então você pega algumas matérias que, ao terminar de lê-las, não se tem à resposta básica: você é contra ou a favor?
A Crítica - Então você é a favor de que o jornalista se posicione perante a sociedade em relação a assuntos que são primordiais?
Zanatta - Sim. Mas veja bem, o posicionar-se não significa tirar da matéria a imparcialidade. Imparcialidade entre aspas, porque a imparcialidade ao pé da letra não existe, pois eu não posso tirar de uma matéria a minha formação cultural. No gancho, no foco da matéria, já estou dizendo o que tenho de cultura. Portanto, temos que mostrar que é possível fazer um jornalismo de qualidade, em que o leitor termine de ler uma matéria sobre salário mínimo e conclua que eu defendo que o salário tinha que estar no mínimo a R$ 700. Eu vou dizer isso claramente ao leitor através do texto, analisando o fato sem opinar. Se eu coloco uma matéria sobre o 13º salário e digo que o trabalhador que trabalha o ano inteiro vai receber no final do ano mais R$ 350 e aí mostro que o deputado que não comparece, e que tem um 14º salário, está pensando em acabar com o 13º, não preciso mostrar mais nada para o leitor. O segredo está no domínio da linguagem e o que se percebe é que o jornalista não está tendo isso. Ou seja, ele está apenas transcrevendo o fato, sem analisar este fato. Eu posso analisar o fato sem opinar. Jornalista que não se posiciona socialmente não está contribuindo consigo mesmo, com sua família, com a sociedade.
A Crítica - Qual seria a grade curricular ideal para formar um jornalista deste nível?
Zanatta - Olha, vou ser bem franco. O curso ideal de jornalismo poderia até ter os quatro anos que tem hoje, mas deveria ser integral. É um curso que deve te preparar bem filosoficamente, então deveria conter os princípios básicos das principais correntes filosóficas; que deveria te preparar bem sociologicamente, fazê-lo entender de ciências sociais; te preparar para entender de política e, acima de tudo, te preparar muito bem profissionalmente. O aluno deveria sair da faculdade com o texto pronto para o mercado.
A Crítica - Diante de tudo o que foi dito neste bate papo, que reflexão final você deixaria?
Zanatta - A função do jornalista na sociedade é primordial. Ele é o oxigênio da sociedade. Se a sociedade não vai bem é porque não estamos fazendo um bom trabalho. Temos culpa sim. Se há tanta corrupção neste País, temos culpa também, porque alguns jornalistas foram corrompidos lá em cima para não denunciar isso. Então, há toda uma reflexão ética, social e moral de que a grande questão para o jornalista é não se deixar enganar. Pois se alguém engana um médico, este alguém enganou um médico, mas se alguém engana um jornalista, este alguém pode estar enganando um País todo. Portanto, não podemos nos deixar enganar e para isso temos que ter cultura e não sermos apenas jornalistas técnicos, que transcrevem e reproduzem. Como disse o Cony, é preciso ressuscitar os dinossauros, os jornalistas intelectuais que pensam e contribuem para a sociedade.
Filósofo, jornalista, professor e acadêmico de psicologia, o paranaense Jacir Alfonso Zanatta coordena o curso de Comunicação Social da Universidade Católica Dom Bosco. Tendo passado pela mesma função na Uniderp, possui como poucos uma visão aprofundada da profissão e de sua importância social, em especial para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Neste bate papo com o jornal "A Crítica", ele avalia a profissão no contexto atual e destaca a necessidade de um aprofundamento cultural mais denso para que o jornalista assuma um papel transformador na sociedade.
A Crítica - Qual a função do jornalista nestes tempos de crise?
Zanatta - O jornalista hoje tem uma função essencial na sociedade. Ele é divisor de águas, é o fiel escudeiro da democracia. Ele tem condições de denunciar onde estão ocorrendo os erros, de averiguar onde acontecem os fatos que interferem no regime democrático e tem a função básica de educar a sociedade.
A Crítica - Essa é uma missão de muita responsabilidade. Defender a democracia. O que é preciso para exercer bem essa missão?
Zanatta - Primeiro, um bom preparo, boa cultura, bom texto. Em outras palavras, uma boa linguagem. Pois é esse jornalista que vai escrever para o PHD e para o semi-analfabeto. Então, ele tem que ter um jogo de cintura, uma elasticidade de pensamento que atinja a todos de forma que todos entendam a mensagem. E é aí que nós (a academia) estamos, muitas vezes, cometendo alguns equívocos. Pois às vezes preparamos o jornalista para uma função técnica, sem prepará-lo, no entanto, para uma análise mais aprofundada da sociedade. O jornalista deve ser, na verdade, o filtro da sociedade. Se ele não for um bom filtro, não teremos uma boa sociedade. O filtro segura todas as impurezas. O jornalista, nessa análise, deve exercer um filtro social. Se ele tem um bom perfil ético-profissional, ele vai conseguir segurar essas sujeiras, essas impurezas, e passar uma informação clara. Então, é preciso sair um pouco desta linguagem jornalística de apenas descrever o fato. Quando você vê um jornalista que apenas descreve um fato, você percebe que ele não tem formação histórica, humana, social e antropológica que o permita analisar os fatos dentro da sociedade em que ele vive.
A Crítica - Como formar um profissional com este cabedal cultural, em uma sociedade que não prima pela educação ou pela leitura?
Zanatta - Eu não vejo hoje, e aí vai uma crítica ao sistema educacional, uma valorização da leitura, mesmo na área acadêmica relacionada ao jornalismo. Então, muitas vezes, estamos fazendo dos cursos universitários muito mais um curso técnico do que um curso de formação humana. E aí, me desculpe, não vejo saída, é leitura, leitura e leitura. Jornalista que não lê pode até ter um excelente texto, mas ele só reproduz o sistema social. Não precisa ser um revoltado, mas precisa ter uma noção de que não se pode tratar da mesma forma notícias como o salário mínimo de R$ 415 e uma lei que dá ao governador um salário vitalício de aposentadoria por um período de quatro anos de mandato. Não pode tratar a informação do mesmo jeito. Então, percebo que o jornalista está deixando de beber na fonte onde deveria beber. Ele está deixando de ler os clássicos da literatura, da filosofia, da sociologia, da antropologia. Ou seja, hoje você não tem no jornalista aquele pedestal da sociedade, aquela pessoa que detinha informação e era crítica, como ocorria antes do regime militar. Como disse o Cony (escritor e jornalista Carlos Heitor Cony), o jornalista hoje é um navegante de água rasa. Ele não consegue se aventurar mais do que lhe permite a fundura de um pires.
A Crítica - O jornalismo de antigamente era melhor?
Zanatta - Antes do regime militar, até a década de 40 digamos, o cara era jornalista, mas ele era advogado, médico. Então, vinham para o jornalismo pessoas de muitas áreas, era uma riqueza fantástica, porque eram pessoas com conhecimento de causa. Hoje, nós tiramos isso e colocamos a graduação em jornalismo nas universidades. Só que quando você coloca esta graduação, você tem que dar a parte técnica, mas tem também que dar a cultura para que este acadêmico saia para o mercado com uma visão crítica. Não vejo outra forma de fazer isso que não seja pela leitura. O acadêmico de jornalismo tem que ter olheira de tanto ler. O jornalista hoje tem que ser um pesquisador. Ele tem que conhecer tanto de história quanto um historiador, tanto de filosofia quanto um filósofo, tanto de sociologia quanto um sociólogo e não vemos esta preocupação.
A Crítica - Mas diante de uma realidade onde, de forma geral, o hábito da leitura não é incentivado em nenhum momento da vida acadêmica, não seria melhor adotar o sistema de alguns países europeus onde o jornalismo é uma especialização de outras áreas? Ou seja, o sujeito é advogado, mas especializa-se em jornalismo para aprender as técnicas de redação. Não teríamos jornalistas mais consistentes?
Zanatta - Acredito que é possível fazer o certo na universidade. O que precisamos é entender que esta função e esta preparação são necessárias, coisa que às vezes não percebemos na própria academia. Tanto o sistema que temos hoje no Brasil como o que você citou são viáveis. O que vemos muito em Mato Grosso do Sul é o jornalista que, depois de formado, vai fazer direito ou economia. Ou seja, é o jornalista que está no mercado, percebe a necessidade de ter este conhecimento e volta para a graduação para não escrever besteira. O que me preocupa é que nós passamos por um regime militar e ainda estamos reproduzindo a censura do regime militar, que não é mais uma censura explícita, mas é velada, dentro das próprias redações. Tipo: não vou escrever isso porque o dono do jornal não vai deixar sair. E aí você não corre o risco de fazer a matéria para não perder tempo. Ou seja, o jornalista se auto censura. Há também uma outra contradição muito grande. Vemos pessoas de camadas sociais mais baixas cursando jornalismo e que, quando se formam, adotam o discurso das próprias elites. Isso acontece porque este aluno entra e sai da faculdade sem entender da evolução sociológica e histórica do mundo onde vive.
A Crítica - Esta é uma crítica recorrente. O jornalista, que deveria ser um transformador da sociedade, acabou se transformando em um reprodutor de conceitos.
Zanatta - É preciso acabar com a visão reprodutiva. Não podemos achar que o jornalista é um mero reprodutor de informação, senão faremos como algumas emissoras de TV que contratam um economista ou um advogado que opinam sobre tudo. Essas pessoas, que não são jornalistas e que são contatadas pelos veículos de comunicação como articulistas, estão chamando o jornalista de burro. E ele realmente está se portando como burro, porque ele estudou quatro anos e aí é substituído por alguém de outra área para falar sobre aquele assunto porque ele não pode opinar. Mas por que ele não pode opinar? Porque ele não tem preparo ou porque não entende do assunto? Nós estamos acomodados. É muito mais fácil colocar a culpa no patrão, no editor, se auto censurar, reclamar da falta de estrutura. Não se assume a incompetência. É preciso criar esta reflexão no mercado.
A Crítica - Há como conciliar o “negócio” jornalismo com a “profissão” jornalista?
Zanatta - Sim, tem toda a possibilidade. Se não fazemos isso é por um equívoco. Vamos supor que você seja dono de um jornal. O empresário vai querer anunciar no jornal que tenha melhor informação e credibilidade. Então, se você tem um jornal com boa informação e alto nível de credibilidade, você terá mais anunciantes. Mas a preocupação é muito mais de preencher as páginas em branco todos os dias com o que quer que seja do que a de colocar nestas páginas opiniões que possam, de fato, contribuir para a formação democrática deste País. Aí é realmente um equívoco. Por outro lado, o jornalista tem que ter ciência de seu papel social. Ele não pode ter medo de ser mandado embora por escrever a verdade. Isso é um risco. Jornalista que não quer correr risco deveria ter feito culinária. Muitos estudantes entram na faculdade achando que depois de formados vão escrever o que querem e como querem.
A Crítica - Falta ao jornalista assumir posições?
Zanatta - O jornalista está sempre em cima do muro. Vamos escutar todos os lados! Aí escuta o cara que acusa, o cara que é acusado, a polícia. Mas, na verdade, não tem a noção daquilo que ele está fazendo. Então você pega algumas matérias que, ao terminar de lê-las, não se tem à resposta básica: você é contra ou a favor?
A Crítica - Então você é a favor de que o jornalista se posicione perante a sociedade em relação a assuntos que são primordiais?
Zanatta - Sim. Mas veja bem, o posicionar-se não significa tirar da matéria a imparcialidade. Imparcialidade entre aspas, porque a imparcialidade ao pé da letra não existe, pois eu não posso tirar de uma matéria a minha formação cultural. No gancho, no foco da matéria, já estou dizendo o que tenho de cultura. Portanto, temos que mostrar que é possível fazer um jornalismo de qualidade, em que o leitor termine de ler uma matéria sobre salário mínimo e conclua que eu defendo que o salário tinha que estar no mínimo a R$ 700. Eu vou dizer isso claramente ao leitor através do texto, analisando o fato sem opinar. Se eu coloco uma matéria sobre o 13º salário e digo que o trabalhador que trabalha o ano inteiro vai receber no final do ano mais R$ 350 e aí mostro que o deputado que não comparece, e que tem um 14º salário, está pensando em acabar com o 13º, não preciso mostrar mais nada para o leitor. O segredo está no domínio da linguagem e o que se percebe é que o jornalista não está tendo isso. Ou seja, ele está apenas transcrevendo o fato, sem analisar este fato. Eu posso analisar o fato sem opinar. Jornalista que não se posiciona socialmente não está contribuindo consigo mesmo, com sua família, com a sociedade.
A Crítica - Qual seria a grade curricular ideal para formar um jornalista deste nível?
Zanatta - Olha, vou ser bem franco. O curso ideal de jornalismo poderia até ter os quatro anos que tem hoje, mas deveria ser integral. É um curso que deve te preparar bem filosoficamente, então deveria conter os princípios básicos das principais correntes filosóficas; que deveria te preparar bem sociologicamente, fazê-lo entender de ciências sociais; te preparar para entender de política e, acima de tudo, te preparar muito bem profissionalmente. O aluno deveria sair da faculdade com o texto pronto para o mercado.
A Crítica - Diante de tudo o que foi dito neste bate papo, que reflexão final você deixaria?
Zanatta - A função do jornalista na sociedade é primordial. Ele é o oxigênio da sociedade. Se a sociedade não vai bem é porque não estamos fazendo um bom trabalho. Temos culpa sim. Se há tanta corrupção neste País, temos culpa também, porque alguns jornalistas foram corrompidos lá em cima para não denunciar isso. Então, há toda uma reflexão ética, social e moral de que a grande questão para o jornalista é não se deixar enganar. Pois se alguém engana um médico, este alguém enganou um médico, mas se alguém engana um jornalista, este alguém pode estar enganando um País todo. Portanto, não podemos nos deixar enganar e para isso temos que ter cultura e não sermos apenas jornalistas técnicos, que transcrevem e reproduzem. Como disse o Cony, é preciso ressuscitar os dinossauros, os jornalistas intelectuais que pensam e contribuem para a sociedade.
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